O recente caso da capacitação de Ruben Amorim para treinar o Sporting, que muita água fará ainda correr debaixo da ponte, estando este treinador na disposição de recorrer para o Tribunal Constitucional, entendo por bem trazer à colação, este meu texto publicado, aqui, no "De Rerum Natura", intitulado "Carlos Queirós e Paulo Bento" (20/05/2012):
“O mais excelente quadro posto a uma luz, logo mostra borrões, e visto a melhor luz, logo descobre pinturas” (Padre António Vieira, 1608-1697).
Tendo como leitmotiv um artigo do Público (17/05/2012), em título de página inteira, “Portugal chega ao Euro 2012 mais ‘cansado’ do que no Mundial 2010”, escrevo este texto em vésperas do início dessa importante competição europeia e em resquícios da antiga polémica causada pelo “Caso Carlos Queirós” por Portugal não ter chegado aos quartos de final do Campeonato do Mundo de Futebol/2010 por eliminação com o resultado de 0-1 a favor da fortíssima Selecção de Espanha que se viria a sagrar Campeã do Mundo.
Entretanto, do título deste post se deduz estarmos perante um treinador teórico (Carlos Queirós) e de um outro prático (Paulo Bento). Aliás, este despique entre teóricos e práticos é, também, e em certa medida, moeda corrente em outras profissões e em outras épocas, sendo que, no caso da prática desportiva, encontra raízes milenares na Grécia Antiga. Segundo Galeno (célebre médico grego, tido como pai da medicina desportiva moderna), os treinadores troçavam das teorias dos professores de ginástica e dos médicos sob o pretexto de não se ter o direito de discutir sobre coisas desconhecidas quando se não tem a prática do ofício.
A classificação de teórico a Carlos Queirós, um modestíssimo jogador de futebol competitivo, encontra fundamento na sua formação e docência universitárias: licenciatura e mestrado em Metodologia do Treino pelo ISEF da Universidade Técnica de Lisboa e posterior docência onde teve como aluno José Mourinho (também ele, modesto praticante do desporto-rei) que, aquando da atribuição do seu doutoramento honoris causa pela Universidade Técnica de Lisboa, reconheceu publicamente que “seria sempre treinador de futebol, mas sem faculdade seria assim-assim e nunca muito bom" (“Record”, 24/03/2009).
Por outro lado, a classificação de prático por mim atribuída a Paulo Bento tem a suportá-la o facto de ter sido um destacado jogador da Selecção Nacional de Futebol (35 vezes internacional)sem curso superior, apenas cursos de treinador de futebol pela Associação de Treinadores de Futebol e Federação Portuguesa de Futebol (FPF).Ou seja, o futebol moderno, conservando a sua componente de sorte inerente a toda e qualquer forma de jogo que o torna aliciante para as multidões, exige, hoje, condições científicas inerentes à respectiva metodologia de treino e conhecimento profundo da “máquina humana”, questões que, por vezes, são mantidas na sombra do esquecimento. Seja como for, este divórcio Teoria/ Prática não encontra razão em Sílvio Lima (1904-1993), distinto professor catedrático de Letras de Coimbra, autor da Trilogia, “Ensaios sobre o Desporto”, “Desporto, Jogos e Arte” e “Desportismo Profissional”, que o perspectivou como uma espécie de união de facto: “Ensinemos o intelectual a compreender e a amar o desporto, a ver nele obra de ciência e arte; e por sua vez, ensinemos o desportista a compreender e a amar a vida mental, a ver na ciência e na arte maravilhosos exercícios desportivos, já que a ciência e a arte são afinal a alma radiosa do verdadeiro e humano desporto”.
Entretanto, entendo ser de destacar, o clima favorável criado à volta de Paulo Bento, relativamente ao próximo Campeonato da Europa/2012, comparativamente com o clima hostil que rodeou Carlos Queirós, aquando do passado Campeonato do Mundo de Futebol/2010, em que a selecção teve a acompanhá-la, na África do Sul, o vice-presidente da FPF, Amândio Carvalho, que se manifestou, desde o princípio, contra a contratação de Carlos Queirós criando um clima pouco propício a boas relações entre ambos, reflectindo-se, como não podia deixar de ser, no rendimento e comportamento dos jogadores da selecção nacional com destaque para Deco, brasileiro naturalizado português. Tudo isto acrescido do facto da maior injustiça de ter sido considerado desastroso o comportamento da equipa nacional que na fase de grupos (repare-se!) empatou a zero golos com a Costa do Marfim e Brasil e venceu a Coreia do Norte por sete a zero (equipa que viria a perder com o Brasil pelo escasso resultado de 1-2).
Estes resultados manipulados pelos detractores de Carlos Queirós, como se tivessem sido péssimos, pretenderam deixar a imagem de um verdadeiro soçobrar da Selecção das Quinas”. Por exemplo, depois do regresso da equipa de todos nós a fronteiras nacionais, no “Jornal de Desporto da SIC” (06/09/2010) assistiu-se a uma declarada tentativa de intoxicação da opinião pública contra Carlos Queirós. Um dos jornalistas desportivos presentes que tivera um simulacro de cena de pugilato com Carlos Queirós, em que, ao que se con(s)ta não marcou qualquer ponto, desfazia-se em sorrisos de puro gozo, como se tratasse de um segundo “round” virtual de desforço, sempre que os restantes intervenientes, embora de forma moderada, teciam análises desfavoráveis às substituições feitas pelo seleccionador nacional na África do Sul. Num critério pessoal e subjectivo, a opinião mais moderada pareceu-me ser a de um outro comentador da SIC por assacar parte da responsabilidade deste triste processo a dirigentes da FPF e ao secretário de Estado dos Desportos.
Em vésperas do início do campeonato europeu de futebol deste ano, um clima de simpatia envolve o actual seleccionador nacional, Paulo Bento, o que é de louvar pela influência positiva que pode gerar no desempenho da equipa de todos nós. Regressando, agora, à notícia do Público supracitada e ao respectivo título à largura de toda a página, embora concedendo, desde já, poder ter sido uma precipitada interpretação minha, subentendi-a (embora a palavra “cansado” estivesse entre comas) como uma desvantagem justificativa de um hipotético mau resultado das cores portuguesas nesta importante pugna futebolística entre equipas europeias. Mas a leitura do referido artigo esclareceu-me fundamentar-se, apenas, em dados estatísticos com a chancela científica do “Centro de Alto Rendimento do Jamor”.
Mas, embora podendo ter eu estado a ver “mosquitos na outra banda”, como soe dizer-se, continuo a lamentar a contrastante campanha desencadeada contra Carlos Queirós que teria conduzido ao seu “despedimento” em situação que o seu brilhante passado na conquista de dois Campeonatos Mundiais de Futebol Sub20 não consentia. Surge agora Paulo Bento, jogador 35 vezes internacional em representação da bandeira verde-rubra, em desejável clima de confiança num brilhante resultado neste Campeonato Europeu de Futebol/2012.
Apesar de tudo, por a “bola ser redonda”, os resultados dos jogos são imprevisíveis e muito mais quando se trata de disputas desportivas de campeonatos europeus e mundiais de futebol. Haja em vista o resultado final da “Liga dos Campeões” deste ano em que as três equipas favoritas (Real Madrid, Barcelona e Bayern de Munique) baquearam perante o Chelsea que, nesta temporada, no campeonato inglês, esteve longe do brilhantismo atingido sob a orientação de José Mourinho. E isto já para não falar da Selecção de Futebol da Grécia que poucos vaticinavam com campeã europeia da modalidade em 2008.
Recordo, a propósito, o antigo jogador João Pinto, do Futebol Clube do Porto, que se tornou muito conhecido pela sua qualidade futebolística e não menos pela sua boutade. Quando, em entrevista, lhe pediram uma previsão sobre determinado resultado de um jogo de futebol, respondeu: "Prognósticos só no fim do jogo”!
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