Com a devida vénia, transcrevemos o artigo do psiquiatra José Luís Pio de Abreu nas Beiras de hoje:
Entrámos em 2021. Por muito que nos tenha sido penoso, guardaremos poucas memórias dos dois meses que passaram. Não festejámos o ano e rapidamente nos esqueceremos. Impedidos de agir, fi ámos em casa a pensar nas radicais alterações que o novo ano e o século nos trarão. Mas, na verdade, é a incerteza que nos domina. Sabemos que existiram epidemias e guerras bem piores, geralmente coincidentes, mas a nossa tendência a esquecer o mal é irrevogável, e ainda bem. Temos memória, sim, dos loucos anos 20, da explosão cultural do pós guerra e da celebração do fim das ditaduras europeias. À escuridão da morte, sempre se sobrepôs a vida bruxuleante.Desta vez, porém, tudo se acelera. Contámos muitos
mortos, mas não comparáveis às
catástrofes que existiram no passado. As armas atómicas foram
contidas, as guerras de pólvora
relegadas para localizações
precisas, e a grande guerra a que
assistimos é feita com as armas
da informação. Como geralmente acontece, a ela se juntou uma
pandemia anunciada. E em apenas num ano, a pandemia eclipsou as armas mas foi perpassada
pela guerra da informação.
O desespero das guerras do
Século XX fez catapultar os progressos tecnológicos e emergir
a aeronáutica, agora em declínio.
Também chegámos então ao
fundo do átomo. Hoje, porém,
é o progresso da informática e
da biologia que, em tempo real,
acompanha a pandemia. As
ciências que baseiam a Medicina fazem um caminho aberto
que todos acompanham mas
cuja metodologia de discussão,
verificação e nova discussão,
poucos entendem. Mas ela está
aí, num estranho casamento com
a economia e política, por vezes
com laivos aventureiros, como
sempre aconteceu.
A grande diferença das antigas
guerras, é que esta é global.
Conhecem-se os vencedores,
e dir-se-ia que eles são os de
sempre: os que já acumulavam maior riqueza. Agora,
porém, são muito menos e estão em lugar nenhum
(embora nos apareçam no YouTube). Também parecem perenes porque se disfarçam em Fundações.
Mas a sua vitória é provisória. Sabia-se antes que o
problema dos ricos era serem invadidos pelos pobres,
por muito muralhados que estivessem. Hoje, eles
também sabem que a sua sobrevivência depende da
sobrevivência da humanidade e do eco-sistema. O
facto de serem invadidos não fica ao sabor da violência de humanos, fi ca sim ao sabor de uma sequência
de RNA que nem se pode considerar um ser vivo. Mas
atravessa todas as fronteiras.
Hoje sabemos que a sobrevivência de cada um
depende da sobrevivência dos outros. Mais uma vez,
sempre foi assim, por muito iludidos que estivéssemos com o mito de Robinson Crusoé ou com o
individualismo competitivo, de facto aplicável a essa
abstracção jurídica que dá pelo nome de “pessoa
colectiva”, um eufemismo para designar as empresas
mercantis. Portanto, nada de novo. O ano que passámos só serviu para dar visibilidade a tudo aquilo que já
sabíamos.
O ano de 2021 será o que fizermos dele. A guerra
da informação pode levar-nos a vários caminhos em
conflito. Mas a natureza das coisas vai ter um peso
decisivo para nos encaminhar no sentido da solidariedade.
José Luís Pio de Abreu
Sem comentários:
Enviar um comentário