“Os espólios muitas vezes estão ainda guardados nas mãos dos descendentes que carinhosa, mas gradualmente vão perdendo a memória de factos do passado” (Heloísa Paulo, pesquisadora do Centro de Estudos Interdisciplinares do século XX da Universidade de Coimbra).
Ontem, no meu “post” aqui
publicado, intitulado “In memoriam” de José Pereira da Silva”, debrucei-me sobre
a vida de meu Avô tendo como suporte, essencialmente, documentação
oficial.
Rememorando o que então escrevi,
sobre situações do seu dia-a-dia de Homem probo de uma honestidade que caiu em
desuso, ou mesmo é tida hoje como parvoíce estampada, ocorrem-me factos, contados
orgulhosamente por minha Mãe. Contava-me ela que em determinada altura, inícios
do do século XIX, a companhia, julgo que inglesa, que explorava a deslocação da
população nos então carros eléctricos desta urbe portuense, elementos da
respectiva administração foram ter com meu Avô para que os bilhetes desses
transportes tivessem uma pequena subida de preço.
Meu Avô declinou essa sugestão,
que implicaria um agravamento das classes mais pobres que neles se deslocavam para os seus lugares de trabalho. Mas porque a
corrupção não é um fenómeno apenas dos dias que vivemos, mas em
que os tentáculos de um verdadeiro polvo se estenderam mais longe e mais vezes os
seus tentáculos, logo lhe propuseram
umas férias em Espanha (ao tempo, luxo apenas acessível às pessoas de posses abastadas) com
férias e despesas inerentes pagas para
ele e família. Com receio que durante a sua ausência o "negócio" se
processasse, esse ano ficou a família Pereira da Silva sem férias.
Outra situação, esta por mim vivenciada.
Ao tempo, havia um jornalista do jornal "Notícias", de Lourenço Marques, Manuel Luís Pombal (que tinha conhecido, em
tempos, o meu Avó a viver na cidade angolana de Benguela onde se encontrava
deportado, por motivos políticos, que ao
saber ser eu seu neto, me disse com grande orgulho meu: "Seu Avô é uma
pessoa honestíssima, bastaria contemporizar com certas situações para estar muito
rico… mas assim! E este "assim",
dizia tudo!
Tinha meu Avô manuscrito um
diário, em que contava a sua riquíssima vida política e de empresário de sucesso guardado por minha Mãe que, de quando em vez, quando, mo mostrava, perante o meu desinteresse egoísta por outros “valores
mais altos se alevantarem” numa minha juventude interessada em viver a sua própria e descuidada vida. Com o falecimento da minha
progenitora, perdeu-se esse diário,
embora eu e minha prima Maria Isabel Veiga Cabral, também sua neta, o tivéssemos procurado exaustivamente por todos os recônditos e armários da minha casa materna, mas sem
qualquer êxito!
Numa altura em que se divisam
em horizonte próximo novas eleições autárquicas, acrescento, ao que então escrevi no supracitado “post”, novos aspectos de uma vida de meu Avô que que
me atrevo a ter como pedagógica numa autêntica luta de galos por poleiros de
autarquias em galinheiros de paus sujos em luta, de vida ou de morte, por proventos escandalosos de mãos enluvadas
e patas com esporões bem afiados.
Com este meu escrito faço apelo ao “soberaníssimo
bom senso”, de que nos falava Antero,
com o aviso aos futuros votantes, em que “o
voto é a arma do povo", como é uso dizer-se, numa altura em que, como se lê nos media, as
câmaras são lugares privilegiados de
corrupção pelas obras públicas envolvidas e o vil metal que core caudalosamente
por debaixo das mesas dos respectivos contratos em construções faraónicas
num país, como diria, Kruschev, onde se
constroem pontes em sítios onde nem seque há rios. Valha-nos ao menos a cidade
do Porto onde vai ser o contruída um nova ponte sobre o Douro numa altura em
que o povo sofre privações de toda a
ordem e em que impende sobre respectivo
presidente camarário simples suspeitas, reforço, apenas suspeitas, de mau uso de dinheiros públicos.
Com razão não sem motivo, reforço o meu orgulho pela figura de meu Avô, transcrevendo um louvor que ele mereceu da edilidade da Cidade Invicta, corriam os primeiros anos do século XIX, acompanhado de uma foto em que ele é a terceira figura, do lado direito: “Tendo-lhe os membros da Câmara tecido os mais elevados elogios, reconhecendo-lhe inteligência lúcida, dedicado sempre pronto e firme na defesa dos direitos municipais, salientando que tinha desempenhado aquele cargo [de presidente ´da Câmara] com tanta justiça, tanta competência e imparcialidade que é lamentável que ele o queira abandonar , tendo mesmo sido lavrado em acta um voto de agradecimento”. E desta forma se vai fazendo a história daqueles que "da morte se vão libertando", ainda que mesmo só permanecendo na lembrança saudosa dos seus descendentes!
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