segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

O ESTADO A QUE CHEGÁMOS!

 



Para ler, confrontar e, principalmente,  meditar, de um antigo aluno recebi este texto, sem indicação do seu autor, que publico por denunciar a reacção de Portugal   a situações de grave crise nacional, no  passado e no presente:

"O país que agora não consegue passar à prática um plano de vacinação é o mesmo que em 1961 montou em poucos meses um Serviço Postal Militar que quotidianamente tratava dez toneladas de correio. Em Junho de 1961, após os incidentes de Luanda de 4 de Fevereiro e os ataques às fazendas no norte a 15 de Março, começara uma forte mobilização de militares para Angola. Com o acréscimo de militares o caos instalou-se nos CTT de Luanda, as famílias escreviam aos militares ali destacados, mas as cartas não chegavam ao destino, pois os CTT Ultramarinos não só não tinham capacidade para tratar tanto correio, como nem sequer tinham estações em muitos dos locais para onde os militares eram transferidos após chegarem a Angola.

Torna-se então óbvio às chefias militares que têm de intervir porque sem correspondência é impossível manter as tropas motivadas e as respectivas famílias com a tranquilidade possível: o então Chefe do Estado-Maior do Exército, General Câmara Pina, requisita Ernesto Lourenço Dias Tapadas, funcionário dos CTT de Elvas, para montar um Serviço Postal Militar pois fora Ernesto Dias Tapadas quem os CTT tinham indicado no ano anterior, 1960, para criar uma secção postal nas manobras anuais em Santa Margarida em que tinham participado 15 mil homens. Dentro de algum tempo o Serviço Postal Militar tratava dez toneladas de correio por dia. Em média cada militar escrevia 13 aerogramas por mês e recebia dez. Entre 1961 e 1975 circularam 376 milhões de aerogramas. Aos aerogramas há que juntar as cartas, os cartões de Natal, os vales do correio e as encomendas. Tudo somado, estima-se que o Serviço Postal Militar tenha recolhido, transportado e distribuído 21 mil toneladas de correspondência.

Porquê recordar agora esta história? Para lembrar, que não é preciso recuar muito, para perceber que já fizemos operações de grande exigência e em contextos adversos.

Custa dizê-lo e custa ainda mais vivê-lo, mas temos de o assumir: o país que agora não consegue sequer saber que armas tem guardadas e em que paióis as tem, conseguiu manter um esforço militar assinalável noutro continente, África, em territórios separados entre si por milhares de quilómetros.

O país que agora não conseguiu assegurar a tempo aulas online aos alunos do ensino público é o mesmo que em 1975, no meio de uma situação politicamente convulsa, recebeu mais de um milhão de pessoas provenientes de África, colocando muitas delas em pensões, hotéis ou seminários. Que teve de lhes fornecer novos documentos, certificados de habilitações, cartões de saúde e lugares nas escolas para os filhos. Dirão que foi caótico. É verdade que muitas vezes o foi mas se compararmos a dimensão do que então se conseguiu tratar, com os meios então existentes, com o que agora está a acontecer, temos de admitir que Portugal perdeu capacidade e competência.

Em Fevereiro de 2021, quando há vacinas não há listas de prioritários, quando se seleccionam os prioritários, não há lista de reserva, quando há seringas não há agulhas, os hospitais de campanha só agora, em Fevereiro, escolhem potenciais voluntários, as escolas não têm os computadores que desde Março do ano passado se sabia irem ser necessários…

O que Portugal está a viver neste momento não são tanto os efeitos da pandemia, mas sim o confronto com algo que temos procurado iludir: somos um país em declínio. Intuímo-lo nos incêndios de 2017. Confirmámo-lo agora no estrepitoso falhanço da preparação desta vaga do vírus. Porque nos está acontecer isto? Porque aos problemas de sempre – as cunhas, os favores e a dependência – juntou-se uma administração tão medíocre quanto omnipotente e omnipresente. Uma administração dos “filhos de algo” do regime: os maridos estão nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, as mulheres nas Misericórdias e num qualquer grupo de trabalho, os filhos nos centros da Segurança Social, as noras nas comissões de combate à causa do momento e num gabinete de estudos, os sobrinhos no instituto ou no observatório, ou em ambos, a prima na unidade de missão. São maioritariamente socialistas porque ser do PS é uma garantia de que se é melhor sucedido nestes percursos e menos escrutinado.

De geração em geração esta gente vive na máquina estatal ou nos negócios do Estado. Constitui um polvo gigantesco que tudo envolve e nunca se dá por satisfeito.

Põem-nos a discutir colonialismos pretéritos enquanto eles e as suas famílias, num remake das antigas juntas de colonização, fazem do aparelho de Estado a sua roça. Multiplicam as acções de sensibilização à solidariedade para depois passarem à frente dos velhos, dos doentes e dos trabalhadores da saúde na corrida à vacina. Exigem a regionalização porque ela implica mais umas camadas de cargos na administração pública.

A voracidade desta oligarquia estatal levou a uma exaustão de recursos (não por acaso chegámos ao absurdo de os custos de licenciamento de uma obra serem frequentemente superiores aos custos materiais da obra propriamente dita). Já a sua forma tentacular de exercer o poder conduziu a uma decadência técnica e moral da administração pública e política: ninguém é responsável por nada, o que disseram ontem desdizem hoje. O seu objectivo não é fazer, mas sim sobreviver no cargo.

Apenas a pertença à UE mantém ainda algum verniz no funcionamento do regime e garante as verbas para irmos gerindo o declínio. Resta-nos pouco tempo para que este seja irreversível".

 

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Nem tudo era mau no tempo do D. Afonso Henriques, pelo menos até ao desastre de Badajoz, que foi mesmo o primeiro grande desastre de Portugal. E nem tudo era mau no tempo de Salazar, como, por exemplo, o patrulhamento dos rios, para que ninguém pescasse sem licença, das florestas, para que ninguém caçasse sem licença ou incendiasse, ou se refugiasse, o patrulhamento das estradas, a obrigatoriedade de licença, vacinação e cadeado para cães, a proibição de andar descalço em lugares públicos, enfim, alguns exemplos de que me lembro, que alguns tomarão como exemplos de coisas más.
Agora, não sei se o termo mais apropriado será declínio, porque já estamos em declínio há tanto tempo que começa a ser impossível que seja declínio. É como entrar num túnel, só se entra até meio, a partir daí já se está a sair. Mas que Portugal, mais ou menos inadvertidamente, mais ou menos programadamente, se transformou numa colónia dos partidos políticos, seja em nome de uma internacional qualquer, financeira, da saúde, do comércio e turismo, militar, ou dos trabalhadores, nós somos uma colónia de uma União Europeia que é possível ser vista como a garantia tutelar da nossa democracia por quem os partidos têm a compreensível devoção dos vassalos pelos senhores.
Aliás, também nem tudo era mau no feudalismo.
A realidade acaba por ser sempre o que nos salva. Se a esperança é a última a morrer é por causa disto.
Os governos nunca souberam governar porque quanto mais tentam governar mais desgovernam.
E se forem governos muito voluntaristas, ignorantes e determinados, o mais provável é que estejam a asfixiar as alternativas que a imaginação pode sempre prodigalizar a quem não sabe, mas precisa.
Qualquer que seja o desgoverno é governo. Tem é que haver um desgoverno. Os partidos políticos não se governam bem? E a culpa é nossa, que nos queixamos?

Rui Baptista disse...

Contaram-me, anos atrás, que um desgraçado estava amarrado a um poste numa praça pública no Norte de África com as costas em carne viva por ter sido vergastado com vespas a morderem-lhe as costas aumentando-lhe o atroz sofrimento. Um europeu apiedado que ia a passar tentou afastar as vespas. O vergastado com voz quase inaudível diz-lhe: Não faça isso que estas já estão saciadas e outras que vierem serão piores. Será por isso que socialistas masoquistas descontentes com a geringonça continuam a votar no P.S.? Será? O pior é haver políticos que, por mais que comam, nunca estão saciados!

Anónimo disse...

Fonte do texto
https://observador.pt/opiniao/a-isto-chama-se-declinio-a-partir-de-que-momento-se-torna-irreversivel/

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Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação e...