quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

DEMOCRAGIA E LIBERDADE

 Esclarecimento recebido de Eugénio Lisboa relativo ao seu texto anterior:

Há quem tenha ficado muito perturbado por, na minha crónica anterior, ter admitido que a democracia, para sobreviver saudavelmente, não o pode fazer sem limitar certas liberdades. 

Porém, se democracia fosse o uso ilimitado da liberdade, sem quaisquer constrangimentos, isso significaria a anarquia e a rápida destruição da democracia e da ordem social. A democracia, para preservar o benefício de uma sociedade tão livre e ordenada quanto possível, tem de suprimir um número muito grande de liberdades. E tem-no feito e continuará a fazê-lo.

Por exemplo, numa democracia adulta, ninguém é livre de não mandar os filhos à escola; nem de matar ou roubar; nem de fumar onde lhe aprouver; nem de conduzir um automóvel acima de uma certa velocidade; nem de incitar ao crime ou à insurreição; nem de praticar incesto; nem de bater na mulher… 

A democracia está cheia de limites à liberdade para se poder preservar a si e ao máximo de liberdades possíveis. Uma das liberdades importantes que a democracia preserva até aos limites da difamação é a liberdade de expressão. E só as democracias a preservam, na sua máxima extensão. Democracia não é nem pode ser liberdade irrestrita. Atacá-la por ela reconhecer e respeitar os seus limites, só por demagogia e má fé. 

Os verdadeiros democratas são humildes, reconhecem os seus limites e fogem de certezas absolutas como da peste. Os demagogos vivem contentes na babugem das suas certezas e prometem irresponsavelmente a lua. Bertrand Russell, campeão do pensamento lúcido e do estilo cristalino, dava-nos esta medalha de valor não efémero: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.” 

As democracias conhecem os seus limites mas conhecem também os seus valores sagrados. As democracias, sendo vulneráveis aos inimigos dela, devem, pois, saber defender-se, com decisão, dos que querem destruí-la, aproveitando as suas portas abertas. As democracias devem fazê-los achar-se ao engano: em vez de lhes permitir um passeio fácil por entre um monte de ruínas, deve cortar-lhe o caminho, com um escudo forte que diz: “Não passarás: aqui termina a liberdade que tinhas!”

Se a democracia tiver complexos de inferioridade quanto às suas limitações e abrir as portas aos inimigos dela, será cúmplice da sua própria destruição. É com essa fraqueza que contam os aspirantes a gauleiter. Há que recusar-lhes a vitória, mostrando-lhes que a liberdade também sabe ser forte. Que nela partam os dentes os demagogos sedentos de poder, são os desejos sinceros de qualquer bom democrata. Os democratas sabem isto que Jean Rostand tão bem condensou num aforismo admirável: “Ter um espírito aberto não é tê-lo escancarado a todas as tolices.” 

 Eugénio Lisboa 

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Nesta matéria, não se deve titubear e há que ser claro: a democracia só consente e só é compatível com soluções democráticas, ou, por outra, com propostas de soluções democráticas. Qualquer linguagem, ou símbolo, tique, qualquer gesto, qualquer insinuação que nos faça lembrar a ditadura, ou o nazismo, é ofensivo à memória dos que foram vítimas dessa máquina trituradora e ufana, incluindo muitos daqueles sobre quem choveram meteoros e bombas atómicas. Se por algum efeito ou habilidade política tivermos que suportar manifestações dessas e tentativas de reabilitar essas aberrações do passado recente, que a muitos ainda fazem arrepiar e acordar encharcados em terrores nocturnos, então estará na hora de perceber que, em democracia, nenhuma associação, ou partido, que lhe seja contrário, encontra lugar. Admitindo que os indivíduos, isoladamente, ou através de associações, por qualquer motivo, queiram fazer críticas e oposição à democracia ou aos governos, ou defender anormalidades e actividades criminosas, em democracia isso está legislado e eles nem se poderão queixar de que não são livres de discutir e de propor as leis.

Rui Baptista disse...

Só uma pergunta: os crimes do comunismo deixam-nos dormir sossegados sem suores nocturnos? O nazismo merece toda a minha reprovação assim como o comunismo que matou na antiga URSS milhões de russos. Isto para já não falar na Coreia do Norte que fez, e faz, o mundo temer uma guerra nuclear. Há uma lei para evitar situações idênticas. Cumpra-se a lei!

Carlos Ricardo Soares disse...

Se for para falar em crimes, não sobra tempo para outra coisa. A história é a história da infâmia, como escreveu Borges. O "holocausto" dos judeus é o coroar desse rol de proezas. E ainda há quem se orgulhe disso? A título de quê?

Essa é a parte mais dolorosa de tudo. Nem vou falar do "holocausto" das escravaturas. A mais recente, dos negros. A sorte é que eu sei pouco de história. Há vantagem em ignorar certas coisas.

O comunismo? O fascismo ensinou-me a odiar o comunismo e a amar o servilismo e a submissão, não em troca de uma vida digna, mas em troca do paraíso celestial. Não perdoo isto a ninguém. O comunismo não me ensinou nada.

O nazismo? Tive que aprender à minha custa. Não havia informação.

O diabo era o comunismo. Só desinformação e lavagens ao cérebro. Para não falar de censura e perseguição e cultura da pobreza e da morte.

O desprezo pelas pessoas pobres, disfarçado de bênçãos e esperanças eternas, ainda maior do que aquele que hoje podemos testemunhar, era a catedral portuguesa reproduzida na capela de cada aldeia.

O nosso problema, em Portugal, não era tanto o nazismo, como é fácil de compreender, era o fantasma do comunismo e o fascismo, muito real.

Com os fantasmas podíamos nós bem.

Mas hoje, menos bem, porque os fantasmas agora são configurações do que aconteceu e promessa do pior que podia ter acontecido, e chegam com vozes e mensagens do outro mundo, como se não tivessem morrido.

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