segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Serviços Públicos | Contratos Privados

Reclame primeiro, pague depois!

“Apresentaram-me uma conta muito elevada de água. E exigem que a pague. Só que não corresponde ao meu consumo, que é irrisório. É que, dizem-me, nos serviços públicos só se pode reclamar depois de pagar. E é isso que consta do contrato”

Apreciando e opinando:

1.      Para os serviços públicos vigora, em geral, a máxima proveniente do direito romano: “solve et repete” (“pague primeiro, reclame depois!)!

2.      Porém, para os serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás natural, comunicações electrónicas…), cujos contratos têm a peculiaridade de ser contratos de consumo, a regra que vigora é a dos contratos privados: cada um dos contraentes tem o direito de recusar a prestação enquanto o outro não cumprir devidamente as suas obrigações.

3.      Se o fornecedor se propuser cobrar a mais, se não especificar o montante exigido, se não apresentar a factura de harmonia com a lei, é lícito ao consumidor não pagar, reclamando no livro respectivo.

4.      As empresas concessionárias vêm, porém, com o beneplácito dos reguladores, impondo nos contratos, à revelia de princípios e normas, que se pague primeiro, reclamando-se depois.

5.      Esta cláusula é naturalmente abusiva. Está incursa nas proibições da Lei das Condições Gerais dos Contratos. E, por isso, deve ser excluída ou por imposição dos reguladores  ou por reacção dos consumidores.

6.      Se houver resistência dos fornecedores, é de recorrer aos tribunais arbitrais de consumo. Aos quais os fornecedores hoje se não podem furtar. Pedindo-se, logo e como medida cautelar, que o fornecedor não use o “corte” como meio de coagir a pagar, definindo-se os termos do que deve pagar, se for o caso.

7.      Ademais, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais confere aos consumidores o direito à quitação parcial: o de só pagar o devido, recusando o mais. E o fornecedor tem de dar quitação do que se pagar (passar o documento que prova o pagamento ou recebimento).

CONCLUSÃO:

a.      O consumidor não tem de pagar uma factura cujo valor não corresponda ao que consumiu;

b.      Pode reclamar, primeiro, pagando só após se decidir da reclamação.

c.       E pode pagar o devido, do que o fornecedor dará quitação parcial.

d.      Se do contrato constar a cláusula “pague primeiro, reclame depois”, pode invocar a sua nulidade, por abusiva, perante o tribunal arbitral.

Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

Entre as preocupações e frustrações, neste país, uma das maiores é ser um país ao contrário. Não é um país para viabilizar e facilitar e ajudar o cidadão.
É um país para derrotar, diminuir e anular o trabalhador crédulo e confiante de boa fé. É ser uma plataforma de sabotadores.
É uma engrenagem em que se entra grande e se sai pequeno. Em que se entra optimista e se sai aniquilado.
Isto aprende-se, desde muito cedo. Só há lugar para os melhores, mas, no fim, não há lugar para ninguém. É muito preocupante a nossa cultura de sabotagem e de sabotadores. É no que dá a aprendizagem, até pela experiência diária, de que toda a gente anda a sabotar o trabalho de toda a gente.
Nós não somos um país adiado, somos um país sabotado.
E quando esta cultura se instala, não está tudo perdido, mas estamos perdidos. A parte interessante e positiva é que não está tudo perdido.
Quem mais e melhor sabota, mais e melhor faz. Não é o salve-se quem puder, é o sabote quem puder.
Nem precisava de referir a escola superior da política.
Mas, o que tem sido a política senão a sabotagem mais concertada e mais imbatível dos sonhos e das aspirações e do trabalho de quem acredita na solidariedade e na justiça, enfim, no amanhã?
Ao serviço de quem têm estado os nossos partidos e os nossos governantes, sob a capa da impunidade? Que miserável visão nos proporcionam os governantes!
Muitos dirão que é tudo uma questão na perspectiva do lado de que se está.

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