domingo, 7 de fevereiro de 2021

BANIR OU NÃO BANIR O CHEGA


Novo texto de Eugénio Lisboa: 

A minha ex-colega na embaixada de Portugal, em Londres, Ana Gomes, pessoa cuja inteligência, energia e coragem muito admiro – tendo um invejável percurso em defesa de grandes causas – fez recentemente uma participação à PGR no sentido de se ilegalizar o CHEGA. O assunto é complexo e o paradoxo democrático que implica não é de hoje. António Barreto, no Diário de Notícias, classifica expeditamente o acto da diplomata portuguesa, sem a ela explicitamente se referir, como estúpido e irracional. 

Acho curioso e um bocadinho bizarro um juízo tão expedito e sumário sobre uma perplexidade que tem preocupado os filósofos desde Platão para cá: a de saber-se se os tolerantes devem ou não tolerar os intolerantes. Há quem pense que sim, seja qual for o grau de intolerância, a bem da pureza da democracia. 

O notável filósofo Karl Popper chamou a isto o “paradoxo da democracia” porque, se por um lado, não aceitar tolerantemente a intolerância dos outros pode ferir a imagem da democracia, por outro, aceitá-la pode levar à morte dela. O problema não é de fácil solução, pelo que não deve ser despachado à pressa, com dois qualificativos injuriosos. No seu notabilíssimo livro – The Open Society and its Ennemies – Popper pronunciou-se, não só do alto da sua imensa cultura filosófica e científica, mas também ao sabor da sua experiência de cidadão austríaco que assistiu ao assalto ao poder congeminado pelas hostes de Hitler, que a República de Weimar não quis ilegalizar (mesmo depois de Hitler ter deixado bem claro ao que vinha). 

A democracia alemã jogou o jogo da democracia impoluta e os nazis aproveitaram-se dessa fraqueza para se alcandorarem ao poder, alterando então as regras para se perpetuarem nele. Ficou-se à espera do “crime cometido” para só então se poder “democraticamente” agir. Simplesmente, uma vez cometido o crime, já era tarde para o punir e corrigir.

Quando se diz que, só quando o CHEGA cometer um claro atentado violento (“tiros e pistolas”) contra a democracia, se poderá ilegalizá-lo, está-se a escancarar a porta a uma tirania. 

A verdade, repito, é que o partido nazi já tinha deixado bem claro ao que vinha, e não me parece particularmente sensato que se tenha ficado à espera de ele destruir toda a Europa, para, finalmente, se intervir. 

O CHEGA já deu claramente indícios de que não quer jogar o jogo da democracia e quem não quer jogar segundo as regras do jogo não deve sentar-se à mesa de quem joga. Pode ser que assim, como se diz, a democracia fique ligeiramente imperfeita, mas é preferível ficar com ela imperfeita a assistir ao seu suicídio, a bem da pureza.

A perfeição não é deste mundo e eu prefiro viver com uma democracia um bocadinho imperfeita a cair de novo na ignomínia de um regime regido por um tiranete. 

Os demagogos intolerantes e famintos de poder fazem-me e sempre me fizeram mau sangue. Como dizia o meu admirado Jean Rostand, grande biólogo, excepcional escritor e admirável pensador aforístico, “há, na intolerância, um grau que confina com a injúria”

Eugénio Lisboa

10 comentários:

Carlos Medina Ribeiro disse...

Não tenho a mínima simpatia pelo Chega!, mas talvez seja de ter em conta algumas coisas:
1- O que disse o “velho Nicolau”:
“Mantém os amigos por perto e os inimigos mais perto ainda”.
2 - O que em tempos disse Paulo Portas em relação aos imigrantes, aos “coitadinhos”, às forças de segurança e aos que vivem do trabalho dos outros. Foram declarações RIGOROSAMENTE iguais às de A. Ventura!
3-Quanto ao facto de o CHEGA! ser conta a Constituição, recordemos que o CDS foi o único partido que votou contra, o que não o impediu de se coligar com o PS, e de ter Freiras do Amaral como ministro...

Zurk disse...

Vejo frequentemente a evocação de Popper, nesta dimensão do chamado paradoxo da democracia ou da tolerância. Mas o próprio Popper referiu-se a esse mal entendido. Para ele só mesmo perante a impossibilidade de argumentação racional, como acontece por exemplo quando se passa das palavras à violência, ou à coação, se justifica a atitude de intolerancia. Portanto à luz de Popper não teríamos ilegalização do Chega sem uma base de atos clara. Aliás isso resulta também evidente no caso do Nazismo. Houve muito mais que discurso e propaganda e portanto não seria preciso querer proibir a expressão das ideias, porque houve muito mais indicações e atos, que deviam ter levado à ação contra os Nazis. Algo que não é equiparável a esta situação atual e o que se está a fazer é a mobilizar cada vez mais pessoas para estas visões extremistas e polarizadas da sociedade. Acresce que a democracia tem separação de poderes e portanto o Chega deve ser investigado e as conclusões virão do poder judicial e este tipo de ação política parece-me um mau princípio.

Carlos Ricardo Soares disse...

A tolerância é considerada um valor. Tal como em outros valores, não é tolerante quem quer. Tolerante é quem pode. Com a liberdade também sempre foi assim.
Não é livre quem quer, mas quem pode. A tolerância, mais do que um valor, é uma prerrogativa.
E, como direito, vai apenas até onde puder ir a disponibilidade de direitos pessoais.
A liberdade e a prerrogativa de ser tolerante só vai até onde a liberdade acaba. Se aplicarmos este raciocínio ao caso do Estado e das suas instituições, a conclusão é muito democrática, justa e imperativa.
A democracia (há outros tipos de tolerância, nomeadamente aos fármacos) nunca chegará ao ponto de ser capitulação e servidão potestativa aos intolerantes, porque já não seria democracia.

Fernando Miguel disse...

"Banir"? Nem o Chega, nem este comentário delirante.

Diniz Freitas disse...

Permito-me discordar de Eugénio Lisboa.Na linha do seu pensamento,também não deveria ter sido legalizado o estalinismo em Portugal.Basta recordar o 11 de Março de 1974.O PCP também não queria jogar o jogo da democracia.Comunismo há só um.

Rui Baptista disse...

Praticamente, só um subsiste: o da Coreia do Norte! Pobre povo!

Rui Baptista disse...

Na Coreia do Norte é que o comunismo devia ser ilegalizado mas quem o consegue? O MRPP de Arnaldo de Matos não foi ilegalizado nem o PCP durante o gonçalvismo. Porque terá Ana Gomes este ódio ao Chega? Seria da maior conveniência, para a sua própria credibilidade junto dos portugueses, saber os seus motivos, sem se porque sim? Será uma maneira de lavar a alma dos seus tempos do MRPP? Só ela poderá responder a esta questão. Vamos a isso?

Espadim disse...

não tens pena de ser assim?

Rui Baptista disse...

A quem se dirige?

Rui Baptista disse...

A quem se dirige?

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