segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

A CRÍTICA DE ANTÓNIO BARRETO AOS REVISORES DA HISTÓRIA

“Republicanos, corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas mostraram, nos últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão selectiva da História, assim como à censura e à manipulação (António Barreto).

Numa altura em que o patriotismo (ou seja, o amor ao país onde se nasce e se vive) sofre tratos de polé, a ponto de Cunhal ter tido Moscovo como o Sol do mundo, quiçá em inspiração de Karl Marx que afirmou os operários não terem pátria, o sociólogo António Barreto, deve ser lido, discutido mas, essencialmente, meditado para que a portugalidade  não seja letra morta caindo  no esquecimento das gerações vindouras.

Aliás, o conceito de pátria tem conceitos diferentes consoante as ideologias professadas e dos tempos decorrentes. Assim, para Benjamim Franklin, a pátria é “onde mora a liberdade” e, segundo Karl Marx, “os operários não têm pátria”.

Mas onde a situação se torna escandalosa, tenho-a no facto do socialista Fernando Medina, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ter uma obra orçamentada em 778 mil euros (em moeda antiga, 155.000 contos) para a jardinagem da Praça do Império sem os brasões que a ornamentam em lembrança histórica.

Não haverá uma obra meritória como por exemplo, aplicar essa quantia no Serviço Nacional  de Saúde, num país em crise económica e humanitária vigente de proporções futuras inimagináveis? Medina deve explicar aos portugueses, que se têm manifestado contra esta medida, a razão desta obra que brada aos céus!

Passo a transcrever, ”verbo pro verbo”, o artigo de António Barreto (14/05/1020):  

«É triste confessar, mas ainda estamos para ver até onde vão os revisores da História. Uma coisa é certa: com a ajuda dos movimentos anti-racistas, a colaboração de esquerdistas, a covardia de tanta gente de bem e o metabolismo habitual dos reaccionários, o movimento de correcção da História veio para ficar.

Serão anos de destruição de símbolos, de substituição de heróis, de censura de livros e de demolição de esculturas. Até de rectificação de monumentos. Além da revisão de programas escolares e da reescrita de manuais.

Tudo, com a consequente censura de livros considerados impróprios, seguida da substituição por novos livros estimados científicos, objectivos, democráticos e igualitários. A pujança deste movimento através do mundo é tal que nada conseguirá temperar os ânimos triunfadores dos novos censores, transformados em juízes da moral e árbitros da História.

Serão criadas comissões de correcção, com a missão de rever os manuais de História (e outras disciplinas sensíveis como o Português, a Literatura, a Geografia, o Meio Ambiente, as Relações Internacionais…), a fim de expurgar a visão bondosa do colonialismo, as interpretações glorificadoras dos descobrimentos e os símbolos de domínio branco, cristão, europeu e capitalista.

Comissões purificadoras procederão ao inventário das ruas e locais que devem mudar de nome, porque glorificam o papel dos colonialistas e dos traficantes de escravos. Farão ainda o levantamento das obras de arte públicas que prestam homenagem à política imperialista, assim como aos seus agentes. Já começou, aliás, com a substituição do Museu dos Descobrimentos pelo Memorial da Escravatura.

Teremos autoridades que tudo farão para retirar os objectos antes que as hordas cheguem e será o máximo de coragem de que serão capazes. Alguns concordarão com o seu depósito em pavilhões de sucata. Outros ainda deixarão destruir, gesto que incluirão na pasta de problemas resolvidos.

Entretanto, os Centros Comerciais Colombo e Vasco da Gama esperam pela hora fatal da mudança de nome.

Praças, ruas e avenidas das Descobertas, dos Descobrimentos e dos Navegantes, que abundam em Portugal, serão brevemente mudadas.

Preparemo-nos, pois, para remover monumentos com Albuquerque, Gama, Dias, Cão, Cabral, Magalhães e outros, além de, evidentemente, o Infante D. Henrique, o primeiro a passar no cadafalso. Luís de Camões e Fernando Pessoa terão o devido óbito. Os que cantaram os feitos dos exploradores e dos negreiros são tão perniciosos quanto os próprios. Talvez até mais, pois forjaram a identidade e deram sentido aos mitos da nação valente e imortal.

Esperemos para liquidar a toponímia que aluda a Serpa Pinto, Ivens, Capelo e Mouzinho, heróis entre os mais recentes facínoras. Sem esquecer, seguramente, uns notáveis heróis do colonialismo, Kaúlza de Arriaga, Costa Gomes, António de Spínola, Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho, Mário Tomé e Vasco Lourenço.

Não serão esquecidos os cineastas, compositores, pintores, escultores, escritores e arquitectos que, nas suas obras, elogiaram os colonialistas, cúmplices da escravatura, do genocídio e do racismo. Filmes e livros serão retirados do mercado.

Pinturas murais, azulejos, esculturas, baixos-relevos, frescos e painéis de todas as espécies serão destruídos ou cobertos de cal e ácido. Outras comissões terão o encargo de proceder ao levantamento das obras de arte e do património com origem na África, na Ásia e na América Latina e que se encontram em Portugal, em mãos privadas ou em instituições públicas, a fim de as remeter prontamente aos países donde são provenientes.

Os principais monumentos erectos em homenagem à expansão, a começar pelos Jerónimos e pela Torre de Belém, serão restaurados com o cuidado de lhes retirar os elementos de identidade colonialista. Os memoriais de homenagem aos mortos em guerras do Ultramar serão reconstruídos a fim de serem transformados em edifícios de denúncia do racismo. Não há liberdade nem igualdade enquanto estes símbolos sobreviverem.

Muitos pensam que a História é feita de progresso e desenvolvimento. De crescimento e melhoramento. Esperam que se caminhe do preconceito para o rigor. Do mito para o facto. Da submissão para a liberdade.

Infelizmente, tal não é verdade. Não é sempre verdade. Republicanos, corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas mostraram, nos últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão selectiva da História, assim como à censura e à manipulação.

E, se quisermos ir mais longe no tempo, não faltam exemplos. Quando os revolucionários franceses rebaptizaram a Catedral de Estrasburgo, passando a designá-la por Templo da Razão, não estavam a aumentar o grau de racionalidade das sociedades. Quando o altar-mor de Notre Dame foi chamado de Altar da Liberdade caminharam alegremente da superstição para o preconceito.

E quando os bolchevistas ocuparam a Catedral de Kazab, em São Petersburgo e apelidaram o edifício de Museu das Religiões e do Ateísmo, não procuravam certamente a liberdade e o pluralismo. E também podemos convocar os Iconoclastas de Istambul, os Daesh de Palmira ou os Taliban de Bamiyan que destruíram símbolos, combateram a religião e tentaram apropriar-se tanto do presente como do passado.

Os senhores do seu tempo, monarcas, generais, bispos, políticos, capitalistas, deputados e sindicalistas gostam de marcar a sociedade, romper com o passado e afastar fantasmas. Deuses e comendadores, santos e revolucionários, habitam os seus pesadelos. Quem quer exercer o poder sobre o presente tem de destruir o passado.

Muitos de nós pensávamos, há cinquenta anos, que era necessário rever os manuais, repensar os mitos, submeter as crenças à prova do estudo, lutar contra a proclamação autoritária e defender com todas as forças o debate livre.

É possível que, a muitos, tenha ocorrido que faltava substituir uma ortodoxia dogmática por outra. Mas, para outros, o espírito era o de confronto de ideias, de debate permanente e de submissão à crítica pública.

O que hoje se receia é a nova dogmática feita de novos preconceitos. Não tenhamos ilusões.

Se as democracias não souberem resistir a esta espécie de vaga que se denomina libertadora e igualitária, mergulharão rapidamente em novas eras obscurantistas.»

Praza a Deus que Medina, em fúria iconoclasta, não tenha a ideia luminosa de destruir o brasão em pedra do Arco da Rua Augusta, em Lisboa, mandando construir, em seu lugar,  um mamarracho qualquer. Valha-nos um momento de  bom senso na sua cabeça. Será que posso acreditar nesse milagre?!

5 comentários:

Anónimo disse...

Apenas uma correcção: 778 mil euros corresponderiam a cerca de 155 mil contos e não a "um milhão e meio de contos"

Cumprimentos,
MA

Carlos Ricardo Soares disse...

Enquanto não arrasarem Lisboa para porem a descoberto vestígios da presença romana, ou árabe, o caso é mais ou menos. O sentido, ou o princípio, da proporcionalidade são como as coisas, nem são verdadeiros nem falsos, nem bonitos, nem feios, nem bons nem maus. São o que são. Quanto aos patriotismos, são produtos uns dos outros, são como são, mas não têm de ser assim.

Rui Baptista disse...

Obrigado pela correção. Já emendei. Os meus 89 anos de idade, consequentemente, a lidar com escudos, grande parte da minha vida, justificam, em parte, os meus erros na conversão de euros em escudos!

Rui Baptista disse...

Muito apreciei a sua ironia. Ou seja, enquanto Medina não arrasar Lisboa para por a descoberto vestígios da presença romana ou árabe"! Espero que sirva de lição a Medina que, em vésperas de eleições autárquicas, abre crateras na capital para mostrar obra de sapateiro remendão!

Rui Baptista disse...

Errata. onde escrevi "por", emendo para pôr com chapelinho!

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