Amor é fogo que arde só ao longe
É ferida que dói e que se sente.
É um contentamento só de monge
É promessa doce que logo mente!
É um querer igual a não querer
É um comer que come sem comer
É um contentar-se em não colher
É um cuidar que se ganha sem arder!
É querer não estar preso e solitário
É sonhar que é sonhando que se tem
É só saber aguentar o fadário
Na esperança de o vírus acabar
É amar com as regras ao contrário
É cuidar que se frui sem se roçar!
Eugénio Lisboa,
pedindo desculpa ao grande Vate, por se apropriar
de um seu soneto justamente célebre, para fins medi-
cinais, muito necessários neste momento de grande
solidão.
2 comentários:
Sem deslustro para o Eugénio Lisboa, que escreve como um grande artista que é, e porque estes tempos não animam, recordo o isolamento, nas maiores dificuldades, de Camões, naquele espaço de Macau, um bocado de deserto e talvez uma gruta, com a Índia tão longe e, talvez, compadecendo-se daqueles que, sobrevivendo com Vasco da Gama, se demoraram mais de quatro meses pelo Índico, numa viagem de regresso que, à ida, demorou apenas 23 dias. Os que não sobreviveram ao escorbuto e à loucura, tiveram uma viagem mais curta. Mas não é a duração, nem o espaço da viagem que dá mais razão à esperança ou à ilusão. O ânimo não está tanto na perspectiva da continuidade quanto na da mudança para melhor. E outra não era a perspectiva de que estavam animados os navegadores, com Vasco da Gama, à cabeça.
Camões tinha a noção vívida de que a história do seu tempo, por não ser uma história de desgraças e de indivíduos sobreviventes, seria a melhor forma de os exaltar.
Amor não é fogo, mas arde ardente
Não é ferida que dói, mas sente-se a dor
É um contentamento permanente
Num descontentamento ainda maior
É um querer ir sem estar nem ser
É ter medo de chegar e logo partir
É um sentimento de querer pertencer
Um não pertencer, nem querer sentir
É sonhar sem tempo, lugar ou fim
Querer ser no outro, o outro de mim
Alguém que possa ser eu e não ser
Amor é eterno se não acontecer
Vislumbre de paraíso a renascer
Num infinito vazio e ficar assim
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