António Guerreiro hoje no Ípsilon, suplemento do Público, analisa a pseudo-avaliação. A pergunta é legítima: quem avalia estes avaliadores?:
Um artigo publicado há uma semana neste jornal, da autoria de um professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigador no Centro de Estudos Clássicos (CEC), Rodrigo Furtado, vale como um eloquente requisitório que mostra, com força lapidar e abundância de exemplos, as práticas fraudulentas e a incompetência dos avaliadores no mundo académico. O título, O Triunfo da Incompetência: a Avaliação dos Estudos Clássicos em Portugal, parece responder a uma injunção recorrente que reclama a necessidade de saber quem avalia os avaliadores. Mas Rodrigo Furtado não se fica por aí: faz-nos ver que a avaliação é uma ideologia e que essa ideologia é o aparelho de justificação de um sistema que institui uma polícia científica — composta por comissários que fazem figura de idiotas racionais — munida de instrumentos e poderes que lhe permitem instaurar o valor de norma e de verdade. Conta o autor do artigo que os avaliadores do painel de humanidades atribuem ao CEC projectos de estudos que estão completamente ausentes das propostas e dos programas do referido centro, cometendo ainda por cima erros nos relatórios que denunciam uma total ignorância sobre as matérias que estão a avaliar, para além de reclamarem de quem se dedica aos Estudos Clássicos que siga os famigerados requisitos do management empresarial: a inovação e o pragmatismo tendo em vista a aplicação utilitária, o que os leva a elogiar uns “guias literários” que erradamente atribuem ao CEC, mas que, garante Rodrigo Furtado, “o CEC não editou, não edita, nem propõe editar”. A grande impostura da avaliação enquanto prática e doutrina não está apenas instalada na universidade e na investigação, estendeu-se nos últimos anos a todos os domínios de actividade profissional e a todos os sectores da sociedade. Rodrigo Furtado denuncia essa impostura na sua dimensão grotesca. Uma definição rigorosa diz-nos de facto que grotesco é o facto de um indivíduo deter, por um estatuto adquirido por um acto arbitrário de nomeação, um poder efectivo de que deveria estar privado por razões intrínsecas, ou seja, por não ter qualquer autoridade no campo sobre o qual é chamado a desempenhar o papel de um sobre-saber. Na verdade, o poder dos avaliadores institui-se como uma ciência sobre a ciência, uma competência sobre a competência. Trata-se de um poder politicamente constituído que atribui a si próprio, unilateralmente, legitimidade para exercer um direito que é por natureza ilegítimo, injustificado e tirânico sobre o saber, a sua produção e a sua transmissão. A ideologia da avaliação quer sempre incutir a falsa consciência, como todas as ideologias, de que é neutra e objectiva, e não subjectiva e produto de uma vontade particular. Por isso, prefere punir e humilhar, com a arrogância de uma pseudo-ciência, os investigadores e os centros, para não admitir que a maior parte das decisões são predeterminadas e sobrederminadas por razões que nada têm a ver com a ciência (veja-se como agiu este ano a Fundação para a Ciência e Tecnologia e o modo como quis ocultar decisões prévias de política da investigação). A avaliação tem uma natureza e uma função essencialmente estratégicas: nas empresas, está ao serviço da gestão e da disciplina dos “recursos humanos”; na universidade e na investigação, é o “dispositivo” de uma máquina de governo. Um “dispositivo”, no sentido em que utilizamos aqui o conceito, é tudo aquilo que pretender ter a capacidade de capturar, orientar, determinar, controlar e assegurar as condutas, as opiniões e os discursos dos indivíduos.
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