Extracto do meu livro, escrito a meias com Armando Vieira, com o título de cima, que acaba de sair, com acesso livre na versão digital, do prelo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (na imagem, o Biocant, em Cantanhede):
"De 1995 a 2011, desde que em Portugal
foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia (hoje, com a Ciência ligada
à Educação, designado por Ministério da Educação e Ciência) até ao último ano
sobre o qual há estatísticas consolidadas, as actividades relacionadas com a
ciência e a investigação conheceram em Portugal um extraordinário incremento
tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo. Por exemplo, o
investimento nessa área passou de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), um valor
muito inferior ao da média da União Europeia (UE), a 17 países, que era de 1,8%
em 1995, para 1,5%, um valor bem mais próximo da média da UE, que era em 2011
de 2,0%. Num fenómeno acelerado de convergência com a UE, que dificilmente
encontra paralelo noutras áreas, este indicador-chave passou de cerca de um
terço para três quartos da média europeia.
Levando em conta um conjunto de inputs e de outputs, o presente trabalho pretende, explicitar essa
transformação por meio de vários indicadores que medem a actividade
científico-tecnológica e apurar o impacto que essa transformação teve na
sociedade portuguesa, em particular na actividade económica. Apresentaremos, para alguns indicadores, um benchmarking com alguns países europeus a fim de se compreender
melhor o nosso lugar no contexto europeu em que nos inserimos. Entre esses
países incluímos três que, como Portugal, se situam no Sul da Europa e têm
padecido, como o nosso, de sérios problemas financeiros e económicos (Espanha,
Itália e Grécia), dois outros de dimensão inferior à nossa e também com costa
atlântica, mas situados no Norte da Europa e claramente mais desenvolvidos
(Irlanda e Holanda), e um outro ainda situado no Centro da Europa que tem não
só um nível de desenvolvimento mas também um perfil científico semelhante ao
nosso (República Checa). No final, procuraremos caracterizar o estado actual do
sistema de ciência e tecnologia em Portugal, ensaiando uma percepção global dos
seus principais pontos fortes e fracos.
De facto, nos referidos 16 anos,
Portugal aumentou consideravelmente o seu investimento em investigação e
desenvolvimento (I&D): contribuiu para essa “explosão” o crescimento do
financiamento público nesta área entre 1995 e 2011, que passou de 0,3% para
0,7% do PIB.. Mas contribuiu ainda
mais o crescimento do financiamento privado, embora este tenha sido em parte
ajudado pelo Estado, que passou de 0,2% para 0,8% do PIB, isto é, estava abaixo
do sector público e ultrapassou-o, imitando o que aconteceu há algum tempo em
países mais desenvolvidos. O crescimento do investimento privado em I&D
nesse sector foi maior do que o crescimento do investimento público: com a
ajuda de uma valorização por via fiscal de alguns indicadores relativos a
I&D das empresas, esse investimento mais do que quadruplicou entre 1995 e
2011. Em 2011, num panorama de crise financeira e económica, o investimento em
I&D apenas tinha baixado ligeiramente em relação ao máximo atingido no
período considerado, que foi de 1,6% em 2009 (note-se que o PIB desceu na
primeira década do século XX, de modo que os dinheiros aplicados em I&D têm
vindo a diminuir em valor absoluto). O crescimento do investimento em I&D
foi interrompido nos últimos anos, mas a diminuição foi relativamente pequena, não modificando a imagem global de um enorme
crescimento.
Sendo certo que o valor português do
investimento em I&D, considerando tanto o investimento público como o
privado, ainda está distante dos países europeus mais desenvolvidos, não é
menos verdadeiro que ele representa, ainda assim, um grande esforço nacional
para um país sem grande tradição científico-tecnológica. Em resultado desse
esforço, e também porque partia de uma situação de grave deficiência no cotejo
internacional, Portugal exibiu progressos notáveis no número e
qualificação da sua mão-de-obra científica: o número de novos doutorados por
cem mil habitantes aumentou de 5,7 para 17,5 (cerca de três vezes) entre 1995 e
2011, tendo o número de investigadores, em Equivalente de Tempo Integral - ETI,
também aumentado de 2,4 para 9,0 por cem mil habitantes, no mesmo período
(também mais de três vezes). Os recursos humanos em I&D são normalmente
medidos em ETI, ou seja, a percentagem de tempo dedicado por uma pessoa à
investigação: por exemplo, se um professor universitário dedicar 33% do tempo à
investigação, conta como 0,33 ETI. Note-se, porém, que a definição portuguesa
de investigador, usada para fins estatísticos, tem mudado ao longo do tempo,
sendo ainda hoje alvo de controvérsia: ela difere decerto da definição adoptada
noutros países. Todo este investimento traduziu-se, como era de esperar, num
aumento significativo da produção científica, medida pelo número de publicações
científicas: este passou de 0,25 por mil habitantes em 1995 para 1,62 em 2011
(mais de seis vezes!). Isto é, os investigadores portugueses não só aumentaram
em número como passaram a produzir bastante mais.
São decerto razões para abonar a
auto-estima nacional. Contudo, estes números não nos devem iludir. Portugal
continua abaixo da média da União Europeia não só no investimento em I&D mas
também em aspectos fundamentais da sua actividade científica, tais como a
quantidade e qualidade da sua produção científica e tecnológica. Por exemplo, o
número médio de novos doutorados em toda a União Europeia em 2011 por cem mil
habitantes foi de 22,9, claramente superior ao nosso. E, em parte por termos
nominalmente um número de investigadores per
capita superior à média europeia, em resultado da definição portuguesa de
“investigador” usada para fins estatísticos, a sua produtividade, medida em
número de publicações, é bastante inferior à média europeia. Por outro lado,
uma das pechas nacionais tem sido a ainda deficiente transmissão dos
conhecimentos e capacidades científicos-técnicas ao tecido económico. Este
último aspecto é bem visível por exemplo, não apenas no reduzido número de
patentes portugueses (este número é praticamente insignificante no contexto
europeu), mas também no insatisfatório crescimento dos negócios das empresas
portuguesas que se baseiam em conhecimento científico-tecnológico. Houve,
decerto, alguns bons exemplos de criação e desenvolvimento de empresas baseadas
nesse tipo de conhecimento, mas não se pode dizer que eles tenham sido uma
regra generalizada, de modo a constituírem-se em motor da economia nacional. A
economia portuguesa ainda parece ser dominada por sectores mais tradicionais,
que só nalguns casos (o calçado ou os vinhos, por exemplo) conheceram um forte impulso
de modernização.
Neste trabalho vamos apresentar o
sistema científico e tecnológico nacional apresentando os principais números
relativos, por um lado, ao investimento, aos recursos humanos e às
infra-estruturas (inputs) e, por
outro lado, à formação de pessoas, à produção científica e à transferência de
tecnologia (outputs), de modo a
proporcionar uma visão de conjunto desse sistema e dos efeitos que ele tem tido
no país."
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