Minha crónica no último "As Artes entre as Letras":
Escrevo de Paris, onde vim, como represetante de Portugal,
participar na inauguração do Ano Internacional da Luz, no edifício da UNESCO,
perto da Torre Eiffel, um ícone de luz na noite parisiense. Mais de mil pessoas de cerca de uma centena
de países juntaram-se em paz, na cidade onde ainda se vivem os ecos da tragédia
do “Charlie Hebdo” e do supermercado judaico, para celebrar a luz e as
tecnologias da luz, como tema interdisciplinar que une a ciência e a técnica
com a arte e outras formas de cultura.
Foi em Dezembro de 2013 que o Gana, o México, a Rússia, a Nova Zelândia e a
Arábia Saudita propuseram que 2015 fosse considerado em todo o mundo o ano da
luz, proposta que foi aprovada por unanimidade. E, agora, em Janeiro de 2015,
representantes desses países juntaram-se a muitos outros, entre os quais o nosso, para lembrar ao mundo que a luz é um
grande tema unificador de vários interesses e actividades humanas: ele permite
ligar várias disciplinas científicas, como a física, a química e a biologia,
liga as ciência às suas aplicações como a iluminação ou as telecomunicações, e
liga também a ciência às artes, incluindo nestas as artes visuais, a
fotografia, o cinema e a arquitectura.
A directora geral da UNESCO, a búlgara Irina Bokova, deixou
uma mensagem aos participantes:
“A luz é uma das principais causas da origem da vida, desde
o Big Bang à época moderna. É a fonte da
fotossíntese e a fonte principal de energia para a maior parte das criaturas
vivas. Desde o início do tempo, sempre fomos fascinados pela luz, pela sua
magia e pela sua beleza. Compusemos poemas, obras de arte e canções sobre o
poder da luz. Neste ano celebramos os esforços que a humanidade fez para a compreender.”
Nada mais nada menos do que cinco prémios Nobel, que
realizaram avanços na compreensão da luz, vieram a Paris para apresentarem a
sua perspectiva da luz: o norte-americano de origem egípcia Ahmed Zewail, o
norte-americano de origem chinesa Steven
Chu, o norte-americno William Philips, o francês Serge Haroche e o russo Zhores
Alferov, sendo o primeiro da área da Química e todos os outros da área da
Física.
Mas não houve só cientistas. Do lado da teologia marcou
presença o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, que preside ao Conselho Pontifício da Cultura, que falou
sobre “a luz, um símbolo religioso entre
a imanência e a transcendência.” E, do lado das artes, o violinista
norte-americano Joshua Bell, acompanhado
ao piano por Marija Stroke, apresentou
em estreia mundial três peças do compositor seu compatriota
Bruce Afolphe intituladas “A luz de Einstein”,
como banda sonora de apresentações em vídeo de Nickolas Barris. Os participantes assistiram ainda a uma
performance de um grupo maori, da Nova Zelândia, o país que
todos os dias vê a luz primeiro do que todos os outros, intitulada “Da
escuridão ao mundo da luz”. A fachada do
edifício da UNESCO (uma bela peça arquitectónica, em cujo interior existem
obras artísticas do espanhol Joan Miró e do italiano Alberto Giacometti, entre
outros), foi iluminada pelo artista finlandês Kari Kola, com a colaboração do artista português Nuno Maya.
Unindo
a física e arte, dois físicos, um italiano e outro norte-americano, mostraram
que podemos saber mais sobre arte
recorrendo a técnicas da física: por exemplo, embra seja ciência elementar,
pouca gente tem comsciência que um quadro é diferente conforme a luz que
recebe. Um quadro de Caravaggio não é o
mesmo visto num museu com uma lâmpada ou com outra.
Numa
feira sobre o tema da luz encontravam-se não só as últimas aplicações da luz, como iluminação doméstica
muito barata (um LED dentro de uma
garrafa ligado a um mini-painel fotovoltaico, um projecto originado nas
Filipinas e que se destina a dar luz no Terceiro Mundo), e exemplos de pintura
fotográfica, uma técnica que consiste em fotografar com exposição prolongada com a qual se obtêm
efeitos surpreendentes, sem qualquer edição digital. E podia-se visitar uma exposição
organizada para assinalar o período de ouro da civilização árabe quando Ibn
al-Haytham, há mil anos, escreveu o primeiro tratado de óptica. A ele se devem,
para além de primeiras tentativas de explicação de diversos fenómenos
ópticos, técnicas que ainda hoje
utilizamos como a da câmara escura.
Convidado para falar sobre política científica foi o
ex-ministro português da Ciência e Tecnologia José Mariano Gago, em diálogo com a ministra da ciência e
tecnologia da África do Sul, com uma cientista mexicana, um técnico superior do
sector das comunicações da União Europeia e o director para a política de
ciência e criação de capacidades da própria UNESCO.
Há ideias luminosas recentes na óptica: desde a proliferação
extraordinária dos LED até aos avanços no aproveitamento da energia solar, desde
óculos por um dólar de modo a servir toda a gente até aos óculos Google só ao
alcance de alguns, desde as fibras ópticas mais simples até às evoluções mais
sofisticadas dessa tecnologia, que faz agora 50 anos. E há projectos muito interessantes no sentido
de usar apenas a luz que é preciso usar, por exemplo a constituição de
“reservas de escurisão” para melhor observação dos céus, como já se começou a
fazer no Alentejo. A luz, como tudo na vida, deve ser usada na medida certa,
nem demais, porque encandeia, nem de menos, porque não se vê nada.
Não podemos imaginar como seria o mundo se não tivéssemos
luz para o ver. E não podemos imaginar como seria a nossa vida se não
tivéssemos a luz para a tornar mais fácil.
1 comentário:
Carlos Fiolhais, claro que, se não tivéssemos luz, não poderíamos ver o mundo, nem sequer nós existiríamos: nós somos frutos da luz! Senti um certo mal-estar filosófico-teológico ao saber da intervenção eclesiástica: “A luz, um símbolo religioso entre a imanência e a transcendência.” Não é a Igreja, ao ter adulterado a mensagem de Jesus sobre a fraternidade universal, apropriando-se desse Jesus, fazendo-o Cristo e Filho de Deus, para manter uma religião com o poder sobre as consciências dos crentes..., não é a Igreja fonte de trevas e não de luz, falando de imanência e transcendência, quando ainda ninguém provou que a transcendência exista? A propósito, quando é que a Igreja aprende a distinguir religiosidade (tendo as religiões com seus dogmas e seus deuses sido inventadas por alguns ditos iluminados!) de espiritualidade ou intelectualidade e abstracção? Ou: quando é que os teólogos começam a ser intelectualmente honestos, abraçando a racionalidade da filosofia e não as falsidades ou pseudo-verdades apregoadas pela teologia?
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