Actuantes à superfície do planeta, erosão e sedimentação criam o essencial do material de que são feitas as montanhas. Com efeito é destes dois processos que surgem as rochas sedimentares, maioritariamente acumuladas nas bacias oceânicas, onde podem formar sequências com alguns milhares de metros de espessura. E são estas sequências que se enrugam e erguem, edificando as grandes cadeias de montanhas, quando as ditas bacias se estreitam e fecham, na sequência da aproximação e colisão das placas litosféricas que as ladeiam. É o que está a acontecer nos Andes e nas Rochosas, em vias de conclusão nos Alpes e nos Himalaias e já aconteceu no passado geológico, de que temos exemplo nas grandes cadeias do Paleozóico, a Caledónica[1] e a Hercínica ou Varisca[2], para citar apenas as duas mais recentes das muitas orogenias que tiveram lugar na história do nosso velho planeta. Ao longo dos cerca de 4560 milhões de anos deste história, erosão, sedimentação e orogénese constituíram uma realidade cíclica muitas vezes repetida, numa estreita relação com o chamado Ciclo de Wilson[3].
Erosão e sedimentação representam, pois, a parte externa do ciclo petrogenético, sendo a restante interna, isto é, a processada no seio da crosta e consumindo energia própria do interior da Terra, representada pelo metamorfismo e pelo magmatismo secundário (anatexia).
Como em muitas situações do nosso dia-a-dia, a erosão tira de um lado para pôr num outro. |
No seu sentido mais amplo, a erosão tem início na alteração ou meteorização das rochas pelos agentes externos, o que conduz à sua desagregação e decomposição parcial ou total e, na maior parte dos casos, à formação dos solos (pedogénese, do grego pédon, solo). Esta primeira etapa de um processo próprio da superfície da Terra, mais vasto e, como se disse, cíclico à escala geológica, permite o desgaste do relevo e o transporte dos respectivos produtos (detríticos ou em solução aquosa[4]) até os locais onde, por perda de capacidade transportadora destes ou por via de processos químicos e/ou bioquímicos, se depositam. Desencadeada e energeticamente assegurada, no essencial, pela radiação solar, a erosão depende, ainda e em absoluto, da gravidade terrestre e tem como “destino” final a sedimentação.
A erosão é um processo modelador do relevo (morfogénese, do grego morphós, forma) e, portanto, da paisagem física, por desgaste (gliptogénese, do grego glyptós, gravado, escavado) e, ao mesmo tempo, gerador dos produtos que integram os sedimentos e, subsequentemente, as rochas sedimentares (sedimentogénese). É como em muitas situações do nosso dia-a-dia: tira de um lado para pôr num outro. Seja causada pelas águas correntes, em terra (escorrência, torrentes, rios) e no mar, pelo vento (corrasão e deflação) ou pelo gelo (nos glaciares), a erosão alimenta a sedimentação.
Num qualquer lugar da Terra, a erosão e a sedimentação dependem:
- da natureza geológica do terreno,
- do relevo
- do clima que, por seu turno, condiciona a vegetação, também ela parte influente nos ditos processos.
No que concerne a natureza geológica, importa ter em conta, sobretudo, o tipo de rochas e as respectivas estruturas[5]. Granitos, basaltos, calcários ou quartzitos, entre muitas outras rochas, reagem diferentemente face aos agentes de alteração e de desgaste, debitando produtos diferentes para a sedimentação que a gravidade terrestre sempre promove, mais perto ou mais longe da origem e de duração mais ou menos prolongada (dias, meses ou anos, no leito de um curso de água, centenas de milhões de anos no fundo do oceano). Por outro lado, diaclases, falhas, estratificação (horizontal ou inclinada) e outras particularidades estruturais condicionam, por exemplo, a circulação da água no seio das rochas, incrementando as acções de dissolução e de hidrólise dos respectivos minerais, ou alargando fissuras e juntas por congelamento da água que nelas penetre.
No que diz respeito à influência do relevo, impera a força da gravidade terrestre manifestada na magnitude das energias potencial e cinética. É evidente que a erosão aumenta com a altitude e que, pelo contrário, a sedimentação tem lugar onde a energia potencial é mínima e a cinética se reduz ou anula. É o que, à superfície, podemos observar nos cones ou leque de dejecção acumulados no terminal das torrentes, nas planícies aluviais, nas lezírias, nos mouchões e nos deltas É, ainda, o que acontece no fundo dos lagos e do mar.
Torrente e cone ou
leque de dejecção. À esquerda da foto, o rasgão erosivo
é o embrião de uma
futura torrente.
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A Serra do Caldeirão,
no Algarve, é uma pequena parte do que resta de uma grande
cadeia montanhosa de
há mais de 300 milhões de anos.
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Nos ambientes frios, com abundante precipitação nival, como acontece nas latitudes polares e nas montanhas acima de determinadas altitudes, o gelo nos glaciares canalizados em vales é o principal agente modelador da paisagem.
Noutros ambientes, a erosão e sedimentação eólicas necessitam de vento e de terrenos despidos de vegetação, o que acontece, sobretudo, nas zonas marcadas pela aridez[6], seja quente, como, por exemplo, no Saara, seja fria, bem exemplificada no Planalto do Loess[7], na China.
Nas regiões quentes e húmidas, marcadas pela floresta chuvosa, como a amazónica, impera a alteração química e os materiais daí resultantes, argilas, iões (Na+, K+, Ca2+, Mg2+, etc.) e moléculas (SiO2) em solução, são levados pelos rios a caminho do mar.
Argila em suspensão na água de um rio |
Sem qualquer compromisso com as várias sistematizações propostas pelos diversos autores é, pois, possível estabelecer uma certa correspondência entre uma região com dadas características geomorfológicas e climáticas, por um lado, e os agentes de erosão e de sedimentação nela actuantes, por outro. Esta visão morfoclimática esteve subjacente ao conceito de erosão normal, definida em 1899, pelo geomorfólogo americano William Morris Davis (1850-1934), para as regiões temperadas húmidas das latitudes médias (do continente norte-americano e da Europa ocidental). Este tipo de erosão tem sido usado como norma ou padrão, relativamente face a outros tipos de erosão próprios de outros ambientes encarados como desvios a essa norma ou padrão, como são, por exemplo, o árido ou o glaciário.
Em 1944, o geomorfólogo alemão, Julius Büdel, definiu as regiões morfogenéticas (Formkreisen), nas quais pôs em destaque a já referida estreita ligação entre, por um lado, o clima, os agentes e as acções que lhe são próprios e, por outro, a configuração do relevo e demais aspectos das respectivas paisagens, nomeadamente a a geologia e a ocupação vegetal. Meia dúzia de anos depois, o geógrafo francês Louis Peltier corroborou este conceito e definiu nove tipos de regiões morfogenéticas em associação com outros tantos tipos de clima: glaciário, periglaciário, boreal, marítimo, temperado, semiárido, árido e quente-húmido (selva). Trabalharam neste domínio de investigação, muitos outros geógrafos e geomorfólogos, com destaque para o sul-africano Lester King (1907-1989), os franceses Pierre Birot (1876-1967) e André Cailleux (1907-1986), meus professores na Universidade de Paris, e o americano Arthur Strahler (1918-2002).
Com base no trabalho desenvolvido, podemos definir tantos ambientes de erosão e sedimentação, quantas as regiões climáticas que se entenda individualizar[8]. Neste ponto, o princípio das causas actuais de James Hutton (1726-1797) e Charles Lyell (1797-1875), ensina que, por comparação com o presente, os agentes e processos do passado podem ser investigados através do estudo das rochas sedimentares com eles relacionáveis. Por outras palavras, em qualquer momento da história da Terra, os agentes, os processos e os mecanismos modeladores do relevo, próprios de uma dada zona climática, determinam nela um conjunto de características geomorfológicas que a distinguem de outras marcadas por outros climas. Tais agentes, processos e mecanismos deixam as suas marcas nas rochas sedimentares que deles resultaram e, assim, designadas por formações correlativas pelo geomorfólogo austríaco Walter Penk (1888-1923). Nesta base, o estudo dessas marcas permite conhecer as respectivas características geográficas, quer as do presente, quer as do passado, via esta usada nas reconstituições paleogeográficas e que determinou o recurso à sedimentologia na investigação geomorfológica.
[1] - Do Ordovícico inferior ao Devónico inferior, cerca de 490 a 390 milhões de anos.
[2] - Do final do Devónico a meados do Pérmico, cerca de 380 a 280 milhões de anos.
[3] - Assim designado em homenagem ao geofísico canadiano J. Tuzo Wilson (1908-1993), refere o ciclo completo de abertura, alastramento e fecho de um oceano, com geração de umacadeia de montanhas, devido à constante movimentação das placas litosféricas.
[4] - São estes produtos em solução que, no mar ou em lagos, directamente ou após a sua passagem por diversas formas de vida (na edificação dos respectivos esqueletos carbonatados, siliciosos e outros), constituem o essencial de rochas sedimentares como calcários, dolomitos, silicitos e muitas outras.
[5] - Maciça, como nos granitos e outras rochas plutónicas, estratificadas com ou sem inclinação, dobradas, falhadas.
[6] - Independentemente de qualquer condicionalismo climático-latitudinal, os processos geodinâmicos associados ao vento têm ainda lugar nas orlas litorais com alimentação nos areais de praia. Nestas franjas, a deflação eólica, o transporte da areia e a sua acumulação em dunas reproduzem, em pequena escala, a dinâmica característica dos grandes desertos de areia.
[7] - Loess – internacionalização do termo alemão Löss, que refere um depósito silto-argilo-calcário, não coeso, de origem eólica, depositado em regime periglaciário, com capacidade agrícola reconhecida.
[8] - Uma tão marcada correspondência não impede porém que, dentro de uma mesma região ocorram morfologias, de algum modo discordantes, relacionadas com aspectos geológicos localizados ou com a persistência de formas herdadas, residuais, de situações morfoclimáticas anteriores.
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