Resposta de Guilherme Valente, saída no Expresso de hoje, à carta aberta de Vitor Gil:
O que vemos depende da amplitude do olhar. Focado, na elaboração dos seus (excelentes) manuais, terá escapado a Vítor Gil a natureza do que está em causa. Ocupou-se com a aspirina, ignorou a etiologia e a dimensão da doença.
Na perspectiva em que olha, salva-se a resistência de muitos professores, que o sistema não conseguiu neutralizar. Quanto aos manuais, aderiram ou tiveram de se render à ordem.
E com isto terei respondido à sua carta, cujo espírito compreendo. Mas ela incita-me a ser mais claro.
O que foi feito depois do 25 de Abril traduziu-se numa hecatombe. Como a História registará. Destruiu-se o que esclarecidamente Veiga Simão começara a erguer: uma escola democrática, moderna, preocupada em enfrentar a desigualdade de oportunidades, logo as desigualdades sociais. Com um ensino técnico como falta hoje.
Depois foi a devastação. Foi sendo imposta uma anti-escola: anti-cultura, anti-conhecimento, anti-mérito, anti-trabalho, anti-vontade, anti-responsabilidade. Que roubou aos mais desfavorecidos a única oportunidade de valorização. A escola mais geradora de desigualdade que houve, anti-autonomia, anti-liberdade, é isso o que em última instância está em causa. Para servir a construção inconfessada de uma sociedade odiosa. Usando teorias pedagógicas ditas novas, mas velhas, que deslumbraram alguns e foram cómodas para quase toda gente. Trinta anos de insensatez, de trapalhada, de incompetências , delapidando dinheiro como nunca houvera. Um país de cábulas", chamou-nos o Wall Street Journal.
Mesmo que agora seja possível desligar a máquina - e não vai ser – , multiplicada em inumeráveis réplicas, ela vai continuar, por muito tempo ainda, a idiotisar os Portugueses, a matar Portugal.
Pense, meu Amigo, no número de vitimas, na inteligência perdida, no estado do país. Acha mesmo que me excedi na análise e nas palavras?
O V.G. não se apercebeu, nem se opôs, à praga, mas não deve sentir-se culpado por isso. Mesmo com o comunismo e no nazismo, quantas boas almas não se aperceberam do que estava em causa?
Relativamente à sua carta, portanto, nem um único argumento ou dado que me façam mudar uma ideia ou um adjectivo no que escrevi.
Basta lembrar alguns números: o do abandono escolar; o dos alunos que terminaram o Básico sem saberem ler; o dos que concluíram o ensino obrigatório sem qualquer verdadeira qualificação. E o das retenções, apesar do facilitismo e da pressão para todos passarem -- o indicador que talvez traduza melhor o nível de degradação atingido. (Quando as instâncias comunitárias alertam para o número de retenções, não estão a pedir-nos mais facilitismo, menos exames, mas sim que se ensine melhor, para que os alunos transitem...sabendo. O que passa por mais exigência e, entre nós, por um temporário regime intensivo de exames.)
Mas mesmo que tivessem realizado "5", sendo preciso conseguir "100" , e havendo recursos de sobra, esse "5" seria menos do que zero.
Na carta que directamente teve a urbanidade de me enviar, o V.G. refere como um exemplo positivo o Ciência Viva, com que me identifico intelectual e afectivamente e de que o V. G. é dirigente. Não compreendo porque o evoca, pois é o inverso do que foi feito na escola. E foi precisamente a falta de uma escola a sério que não permitiu a sinergia que realizaria todas as potencialidades dessa excelente iniciativa. Por favor, não me venha falar no número de crianças que passaram pelos Centros... Não quero distinguir no que é distinto.
Guilherme Valente
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3 comentários:
Incisivo. Claro. Direto. Frontal. Corajoso.
Como deve ser e é (muito) preciso.
Bem haja, Grande e Bom Amigo (não só nem principalmente meu).
Senhor Dr. Guilherme Valente;
O Professor Jorge Buescu no seu livro Matemática em Portugal - Uma questão de educação (FFMS) escreve:
“ (...) o ensino da Matemática é implacavelmente cumulativo e não permite que se saltem degraus ou que se deixem «pontos cegos» pelo caminho. Esta razão, e a universalidade do seu ensino, fazem com que a Matemática possa funcionar como uma espécie de «termómetro de qualidade» de uma escola. Na verdade, se quisermos aferir a qualidade de ensino na escola A, poderemos ficar com uma primeira ideia muito razoável analisando como é o ensino da Matemática. Uma escola em que o ensino da Matemática é medíocre não pode ser uma boa escola.”
Da Biografia do Professor J. Sebastião e Silva, escrita pelo Professor António Andrade Guimaraẽs, podemos ler o seguinte:
“O matemático português, grande da Matemática Pura, tinha a consciência plena dessa indissociável ligação da Matemática Pura com a Física e a Filosofia. Coerente, sempre se bateu por que essa grande realidade histórica encontrasse o necessário reflexo institucional nos elencos de disciplinas integrantes das nossas licenciaturas de Matemática. Além do aumento brutal do número de disciplinas no bacharelato de Matemática, foi o alheamento, deveras inconsciente, que a Reforma de 1971 se permitiu manifestar no que toca àquela dupla preocupação de Sebastião e Silva, ─ a necessidade de uma formação segura em História do Pensamento Matemático e de um ensino de Física a nível só possível quando assente em prévio domínio de suficiente bagagem matemática, ─ foi esse alheamento que levou Sebastião e Silva, (...) a declarar-me que, em sua opinião, a Reforma de 71 representava, no que ao sector da Matemática respeita, um lamentável retrocesso em relação ao plano de estudos previstos na anterior Reforma de 1964.”
Ora nem mais, Senhor Dr. Guilherme Valente; Em 1971, o Ministro da Educação, Veiga Simão, apresenta o Projecto do Sistema Escolar e as Linhas Gerais da Reforma do Ensino Superior. Mais palavras para quem Senhor Doutor Guilherme Valente?!!!! a respeito dos seus rasgados elogios a Veiga Simão...
P.S. O Professor Jorge Buescu, no seu livro, nada refere acerca deste retrocesso que foi a Reforma de 1971. Talvez porque o Professor Jorge Buescu desconheçe a verdadeira dimensão deste atentado contra os interesses dos estudantes de Matemática, de que ele foi também vítima na sua formação!!!
Ildefonso Dias:
Gabo-lhe a paciência masoquista.
O caro ainda não percebeu que não adianta nada destapar constantemente os pedaços da realidade que atrapalham certas narrativas?
As narrativas querem-se lineares, sem grãozinhos na engrenagem que as façam chiar.
Por isso, por exemplo, neste blogue vários «posteiros» continuam a afirmar que o ensino técnico (o das antigas escolas técnicas / escolas industriais e comerciais) foi destruído pelo 25 de Abril, quando os factos indesmentíveis mostram que isso é apenas uma pequena parte da verdade (como há uns «posts» atrás a comentadora Aurélia Santos mostrou de forma indesmentível, e não desmentida), pois a unificação do ensino, decidida em 1975 (embora à medida e gosto dos protagonistas políticos da época), não foi mais do que o telhado de um edifício começado a construir mais de 15 anos antes.
E como a outra parte da verdade também atrapalha, esquece-se (ou desconhece-se), parte essa que é a panóplia de cursos de ensino profissional existentes de Norte a Sul do país, muitos deles com muita qualidade e empregabilidade invejáveis (veja-se, por exemplo, os da ATEC, a Norte e em Palmela, que faz a formação para a AutoEuropa, com cursos destinados a detentores de habilitação escolar entre o 9.º ano e o 12.º ano, empregados ou desempregados, que tem uma empregabilidade de 100%). Sobre a ignorância de um conhecido «posteiro» acerca da realidade actual do ensino técnico, o comentador Porfírio Silva também deixou, no contexto dessa discussão, um comentário elucidativo.
Mas há outros exemplos de pedaços da realidade que atrapalham certas narrativas, para além deste que refiro e do que o caro refere no seu comentário.
Se tem paciência para perder tempo com fanáticos fundamentalistas a opção é sua, mas olhe que acho uma pura perda de tempo.
Há casos em que o célebre ditado popular «o silêncio é e ouro» nos deve servir de guia, e a sabedoria popular, por ser filtrada pelos tempos, é um ensinamento seguro.
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