quinta-feira, 25 de outubro de 2012

NOVO LIVRO: PIPOCAS COM TELEMÓVEL E OUTRAS HISTÓRIAS DE FALSA CIÊNCIA


O novo livro de dois também autores deste blogue (Carlos Fiolhais e David Marçal) já chegou às livrarias (pelo menos a algumas). Ficam aqui as primeiras páginas.


(clique na imagem para aumentar)

A ABRIR

A credibilidade da ciência é um selo apetecível. Por isso há muita gente que não hesita em disfarçar a sua banha da cobra como ciência para a vender melhor. Por outro lado e paradoxalmente, há quem despreze a ciência, considerando-a demasiado fechada a novas ideias, por exemplo, mas que, ao mesmo tempo, não se inibe de a evocar em abono das suas teorias, sempre que isso lhe é conveniente. 
O astrofísico e grande divulgador de ciência norte-americano Carl Sagan afirmou um dia que a ciência significava “uma grande abertura a todas as ideias, mas não tão grande que os miolos caiam para fora da cabeça”. É o método científico, do qual um dos principais ingredientes é o espírito crítico, que determina o que é e o que não é ciência. Chama-se falsa ciência ou pseudociência a tudo aquilo que, embora disfarçando-se de ciência para ganhar credibilidade, não passa no crivo apertado do espírito crítico. A astrologia, a numerologia, o criacionismo, a homeopatia, as curandices quânticas, os movimentos anti-vacinas, a negação do aquecimento global, etc. são exemplos de falsas ciências. Não porque à partida não haja abertura para considerar esses movimentos dentro do quadro da ciência, mas porque, sujeitas a exame, “chumbam” em critérios simples de lógica e de conformidade com o funcionamento do mundo. As leis do mundo são como são e não como alguns gostariam que fossem. Há quem diga “não negue à partida uma ciência que desconhece”. Mas essas actividades humanas, que de resto estão muito difundidas, não são ciências e têm sido negadas por muitos cientistas que as puseram à prova. Podem perfeitamente ser negadas por quem confie nesses cientistas. É uma pura perda de tempo estar constantemente a experimentar tudo, uma vez que podemos confiar em quem já experimentou o suficiente e viu que a coisa deu mal ou simplesmente não deu.

O espírito crítico é uma marca da ciência, mas, com certeza, não é um exclusivo da ciência. É uma marca maior do homem, que é um ser racional, e que conseguiu e consegue afirmar-se no mundo num exercício permanente de racionalidade. Acontece, porém, que, na ciência, o espírito crítico está ainda mais desenvolvido do que noutras actividades. Conhecer o método da ciência revela-se útil para a vida de todos os dias, pois quem o conhece e o sabe aplicar a todo o tipo de stituações estará menos sujeito a enganar-se e a ser enganado. Há no mundo (pelo menos, na Terra) muita gente a querer enganar os outros, abusando da ignorância alheia, mas a cultura científica, o conhecimento ainda que elementar dos factos e das atitudes científicas, constitui o melhor antídoto contra esses logros.

Há uma ideia com a qual nos deparamos várias vezes ao longo deste livro e que vale a pena explicitar: uma conclusão científica não depende de nenhum artigo científico em particular. Na realidade, muitos artigos científicos estão pura e simplesmente errados. Alguns deles têm falhas metodológicas que viciam os resultados. Outros contêm conclusões abusivas acerca dos resultados apesar destes estarem correctos. A força da ciência assenta em todo um corpo de provas produzido por uma vasta comunidade científica. Ao contrário de outros saberes, a validade da ciência resulta da capacidade de encontrar e corrigir erros, não da recusa da sua existência. 

A validade da ciência também não depende da credibilidade ou prestígio de nenhum cientista em particular. A ciência assenta na prova, independentemente de quem propõe uma nova hipótese ou teoria. Watson e Crick propuseram em 1953 que a molécula de ADN tem a forma de uma dupla hélice, como uma escada em caracol. A estrutura dessa molécula seria a mesma, independentemente de quem a tivesse proposto. 

É, porém, demasiado fácil escolher a dedo apenas um artigo para apoiar uma determinada teoria. Esse artigo até já pode ter sido desmentido. Quando queremos obter o melhor conhecimento científico acerca de um determinado assunto, temos que olhar para a paisagem toda. Apenas uma ou duas fotografias, ou um curto vídeo, podem ser enganadoras. Continuando essa analogia, se o leitor confiar num ou dois postais ilustrados para escolher o próximo local das suas férias, arrisca-se a apanhar uma grande desilusão. 

Um bom exemplo de uma tentativa de enganar os outros é dado pelo vídeo da produção de pipocas com a ajuda de vários telemóveis, que alguns engraçados colocaram na Internet, talvez para se divertirem, mas que espalharam o pânico sobre hipotéticos perigos daqueles aparelhos. Mas muitos outros exemplos se encontram ao longo deste livro. Os autores, o primeiro bioquímico e o segundo físico, depois de, nesta mesma editora, terem contado, em Darwin aos Tiros algumas histórias de ciência, contam neste Pipocas com telemóvel, algumas histórias de falsa ciência. Se as histórias do livro anterior eram divertidas (foi, pelo menos o que disseram a maioria dos leitores que contactou os autores, não sendo, por isso, a amostra neutra), as histórias do presente livro são divertidíssimas. Se a ciência pode ser divertida, a pseudociência então é garantidamente muito divertida...

O livro encontra-se dividido por capítulos, de acordo com os sítios onde se passaram ou onde se relatam as histórias de falsa ciência. Há falsa ciência, muita falsa ciência, na Internet; há falsa ciência, também muita, nos media; há falsa ciência, muitíssima, no supermercado; há falsa ciência, pasme-se, na escola; há falsa ciência na saúde, bastante mais do que o leitor imagina; há até, imagine-se, falsa ciência na ciência. Algumas histórias são antigas, mas a maioria são recentes, algumas muito recentes: por muito importante que a ciência seja no mundo de hoje, a falsa ciência encontra-se hoje por todo o lado, por vezes parecendo mesmo que lhe disputa a importância. Os autores esperam que a leitura destas histórias não só divirta o leitor como o coloque em estado de prevenção contra a falsa ciência que pode encontrar em qualquer substância. Se conseguirem que o leitor não seja enganado em qualquer situação com custos superiores aos do custo do livro, já ficarão contentes, pois ter-lhe-ão dado lucro.

O seu a seu dono. No capítulo 1 (Falsa ciência na Internet) a história Pipocas com telemóvel, foi escrita por Carlos Fiolhais (CF) e A paz no mundo ou um orgasmo a tentar foi escrita por David Marçal (DM). No capítulo 2 (Falsa ciência nos media), as três primeiras histórias (Horóscopos ou horós-copos?, Os números enganam e Não vem aí o fim do mundo!) foram escritas por CF, ao passo que as duas últimas (Aquecimento esclarecido e o O gene gay) são da responsabilidade de DM. No capítulo 3 (Falsa ciência no supermercado) todas as histórias foram escritas por DM (dos dois, o maior especialista em supermercados, portanto). No capítulo 4 (Falsa ciência na escola) as histórias voltaram a ser repartidas entre os dois autores: CF escreveu sobre as Crianças entre o azul e o violeta e DM redigiu Olhar para uma lâmpada para ter ideias luminosas). No capítulo 5 (Falsa ciência na saúde), CF escreveu Radiações por todo o lado, e Curas quânticas, enquanto DM escreveu sobre A racionalidade diluída da homeopatia, Milagres congelados (que se refere às células do cordão umbilical) e “os movimentos anti-vacinas”. Finalmente, no capítulo 6 (Falsa ciência na ciência), CF escreveu sobre Cientistas espíritas, Ciência sem consciência, Fusão fria e Plástico fantástico, tendo DM escrito sobre a A memória da água e o mágico. No final oferecem-se recensões de quatro livros em português sobre o mesmo assunto que este (não há quatro sem cinco!), algumas indicações de blogues e abundantes notas para o leitor interessado em saber mais. Apesar da divisão descrita, os autores declaram que, aqui e ali, meteram a colher na prosa do outro com autorização recíproca. Isto é, este livro é dos dois.

Alguns dos temas aqui tratados já foram tratados pelos autores no seu blogue De Rerum Natura, um sítio onde se têm multiplicado discussões acerca destes e de outros temas de ciência e cultura em geral. Espera-se que o debate prossiga...

Os autores estão cientes de que algumas pessoas ou grupos se poderão sentir atacados por algumas coisas ditas neste livro. Ma essa não foi, em nenhum momento, a intenção dos autores. Usámos apenas a arma da racionalidade, ajudada por uma pitada de ironia, não para atacar quem quer que seja mas para atacar algumas ideias que circulam. Todas as ideias podem ser discutidas. E há algumas que são altamente discutíveis! Mas às pessoas que eventuamente se zanguem com uma ou outra parte do conteúdo deste livro, lembramos Aristóteles:

"Qualquer um pode zangar-se - Isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na hora certa, pelo certo e da maneira certa - isso não é fácil".

Os autores querem, tal como é costume (pelo menos foi o que fizeram em Darwin aos Tiros), agradecer às suas famílias e aos seus amigos o tempo e a compreensão que lhes deram para eles escreverem estas histórias. Agradecem a José Souto e à Olifante Design o cartune da capa. DM gostaria ainda de agradecer aos biólogos André Levy pela revisão do texto Desenho Inteligente e Francisco Branco pela revisão do texto do Aquecimento Esclarecido.

Querem agradecer antecipadamente aos seus leitores (antecipadamente coisíssima nenhuma, pois já leram até aqui...) E querem agradecer à sua editora, a Gradiva, e, em particular ao seu editor, Guilherme Valente, que continua, com determinação e coragem, a acender, como tão bem disse Sagan, “uma vela na escuridão”.

Coimbra e Lisboa, 2 de Setembro de 2012

5 comentários:

fernando caria disse...

Vou concerteza ler o livro.

Todavia não quero deixar de sublinhar a "leviandade" de integrar a negação do aquecimento global no lote exemplificativo das pseudo-ciências.
Isto claro, se nos referimos às suas origens antropogénicas, que carecem de comprovação real no meio natural.
Porque a comprovação da teoria no meio ambiente do fenómeno é também um dos passos importantes do método científico para fundamentar e robustecer o corpo de conhecimento das ciências.

Carlos Ricardo Soares disse...

Nunca é de mais salientar os riscos e a ameaça das falsas ciências. Arrogar-se de científico, mais coisa menos coisa, corresponde a arrogar-se de válido/credível/confiável/verdadeiro. Ora, deve estar para aparecer alguém que, por exemplo, ao vender um horóscopo, declare "isto é falso". Ou alguém que, ao defender que não existe aquecimento global, vá dizendo "mas isto é uma falsidade", etc..
O que é difícil não é compreender e aceitar o método científico e o espírito crítico (entendido redutivamente como espírito científico, porque o espírito crítico relativamente aos valores traduz-se mais num espírito construtivo).
Nunca encontrei ninguém que pusesse em causa ou não estivesse de acordo com o método científico. A comunidade dita (e autoproclamada) científica deve muita da sua credibilidade à aptidão de se rever e reformar a si própria.
O que me parece difícil é aceitar os limites e as objecções àquilo que, cientificamente, se conhece.
Às vezes, fico com a impressão de que ao dizerem conhecimento científico querem dizer e querem que acredite que é o único conhecimento e que fora disso não fica mais nada.
Mas, se assim for, mais uma vez, estamos perante falsa ciência e é contra esta que temos de nos precaver.
Não é apenas o problema dos falsos cientistas e da falsa ciência que nos deve preocupar. É, de igual modo, o problema dos cientistas falsos e da ciência falsa.
Nunca vi um astrólogo a defender que o horóscopo era científico. Nunca encontrei ninguém que dissesse acreditar no horóscopo, porque tinha explicação científica. Mas encontro imensas referências à astrologia como exemplo, não apenas do que não é científico, mas sobretudo do que as pessoas tomam por científico sem o ser.
No entanto, as pessoas que fazem horóscopos e as que se divertem com eles, acreditam num princípio científico: o de que os astros têm influência e determinam de algum modo os acontecimentos da terra.
De cientista e de louco todos temos um pouco.
Mas quando se trata de enganar os outros, todos invocam o estatuto da ciência e ninguém se assume como louco.
Não raro, em todo o caso, os "cientistas" ficam longe de satisfazer a curiosidade e a necessidade de saber das pessoas. Sabem sempre muito menos do que aquilo que é preciso, mas, muitas vezes, caiem na tentação de fazer crer e de apregoar o contrário.
Estão mais capacitados para dizer o que não é, do que para mostrar e sustentar o que é?
É minha convicção que é tanto mais fácil ser enganado por um falso cientista quanto mais predisposto se estiver a dar crédito a um cientista de verdade.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Este livro fora divisor de águas a fronteira do conhecimento.

Unknown disse...

Uma das questões muito interessantes sobre a ciência (e a sua própria credibilidade) que os próprios divulgadores da ciência, muitas vezes se "esquecem de abordar" são os limites da própria ciência. Cometendo frequentemente o erro de maravilhar e fascinar a audiência com as grandes descobertas e enormes avanços da ciência, ocultando que em muitos casos não se conseguem explicar e interpretar das coisas mais mais simples com que os próprios cientistas lidam no seu dia a dia. E as próprias pessoas ficam com uma falsa ilusão do que realmente se conhece. Quando, em ciência, uma das coisas com que tem que se lidar é muito mais com o que falta conhecer. Aqui convinha alguma pedagogia, por parte dessas pessoas, que muitas vezes a ideia que dão é que a fronteira do conhecimento está cada vez mais aqui à mão (da humanidade, bem entendido). De resto esta arrogância com que se vai descrevendo (e divulgando), a ciência não é nova, é algo que já vem do final do século XIX, a mim parece-me que alguma humildade e moderação só fazia sentido, nomeadamente para quem se dedica a esta tarefa (isto no pressuposto que se quer fazer algo mais do que apenas marketing, digamos algo mais honesto).

Anónimo disse...

Só queria dizer que estou totalmente de acordo com o que Vasco Gama e Carlos Ricardo Soares, cada um à sua maneira, conseguem comentar em relação ao espírito um tanto ou quanto, digamos, inquisitorial, que o tipo de tentativas aparentemente inócuas de denunciar as designadas pseudo-ciências acaba por revelar. Continua a ser fundamental para qualquer amante do conhecimento meditar sobre o antiquíssimo "Só sei que nada sei". Que melhor ilustração para o tipo de erro em que tropeçam este tipo de tentativas radicais de estabelecer uma fronteira demasiado rígida e arrogantemente pretensiosa entre o que é e o que não é admissível como conhecimento, que a desastrada inclusão do conceito de "aquecimento global" (uma demonstrada fraude científica, sob todos os ângulos por que se observe) no domínio da ciência considerada legítima.

Pedro Nunes

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