segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O que comem no sábado e no domingo?

"Começámos a pensar na alimentação na sexta-feira passada, com o envio para casa de um pedido às famílias: registar tudo o que as crianças comessem no sábado e no domingo. Hoje analisámos, com as crianças, os registos e verificámos a distribuição do que comeram na roda dos alimentos (cada uma pintou uma roda e registou as ocorrências). Verificámos que temos um problema: os meninos comem poucos vegetais e pouca fruta! Oh! Depois decidimos fazer uma surpresa aos pais sobre a roda dos alimentos. A roda foi composta na rua (...) e quando os pais e os avós vieram buscar os meninos encontraram aquela surpresa. Agora falta pôr em prática o que os meninos aprenderam hoje..."
O texto acima é a transcrição do relato duma actividade lectiva de que tomei conhecimento num blogue de acesso livre e foi escrito por uma professora de crianças que se iniciam na escolaridade.

Talvez alguns leitores a considerem inocente, interessante, apelativa, capaz de estabelecer uma estreita ligação entre a escola e a família, um trabalho-para-casa leve, nada aborrecido, que implica pesquisa, algo que dinamiza a motivação dos pequenos alunos e os chama para a aprendizagem...

Mas, não é nada disso. Vejamos...

Desconhecemos se as crianças aprendem melhor (e depende muito do que se quer que aprendam e com que fins) quando a aprendizagem é contextualizada na sua vida privada e íntima. Esse desconhecimento deve-se ao facto de não haver investigação que nos esclareça. Não há, nem haverá, entendo eu, dado que os problemas de ordem ética que levanta impedem que ela venha a ser desenvolvida: não se pode, deliberadamente, constituir grupos homogéneos a que aplicar-lhes metodologias distintas - contextualizadas na vida privada e íntima dos alunos e não contextualizadas - para verificar os resultado.

Efectivamente, sob o ponto de vista moral e ético, a vida privada e íntima dos alunos (eu sei que estes conceitos são difíceis de precisar) só em circunstâncias muito excepcionais poderá ser convocada em contexto escolar ou investigativo.

Assim, no caso em apreço, já seria questionável que tal actividade fosse pedida a alunos, os quais, pela sua idade e condição, não podem, em consciência, aceitá-la ou rejeitá-la. Mas, mais grave é que os dados recolhidos possam ser visto por todo o mundo, literalmente. A escola está identificada, professora e alunos também, há fotografias suas. A isto acresce o juízo expresso sobre o que as famílias comem... nas suas próprias casas. E sugere-se-lhes o que devem comer...

As interrogações que aqui poderia deixar já as tenho sistematizadas noutros textos que publiquei neste blogue, nada mais me ocorre sobre o assunto.

1 comentário:

José Batista disse...

Não é preciso dizer mais nada, estimada Professora Helena Damião.

Está claro, sucinto e completo.

A isto eu chamo pedagogia. Séria.

Que agradeço. Muito.

Não haverá uma alma caridosa que, discretamente, faça chegar este texto àquela bem intencionada professora?

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