quinta-feira, 4 de outubro de 2012

AS CIÊNCIAS DA TERRA NA ANTIGUIDADE (2)

Segunda parte de um texto do Professor Galopim de Carvalho.
A primeira pode ser encontrada aqui e a terceira aqui.


A concepção dos quatro elementos, ditos de Aristóteles, “terra, água, ar e fogo”, tem origem na Pérsia, em meados do século IX a.C., de autoria desconhecida.

Estes quatro elementos, então considerados como “princípios” universais da matéria, são, pois, o culminar de um modelo muito anterior a este filósofo, que se desenvolveu gradualmente até ser objecto de uma formulação, mais completa e abrangente, por Empédocles (c. 450 a.C.), conhecida por Teoria das Substâncias ou Teoria dos Quatro Elementos.

Relativamente a esta visão do mundo físico, coube a Aristóteles o mérito de a divulgar e de lhe dar um crédito tal que a fez singrar, incólume, por quase dois mil anos. A igreja romana não só aceitou esta ideia como a impôs no essencial do seu conteúdo, opondo-a, constante e tenazmente, à concepção atómica de Demócrito, considerada materialista. Ainda hoje o termo materialista é entendido como não religioso.

Discípulo e continuador de Aristóteles no Liceu de Atenas, Teofrasto (372-287 a C) deixou-nos, entre outros, um tratado, Das Pedras, tido como a primeira obra escrita acerca de minerais, rochas, minas e metalurgia. A ele se deve a primeira classificação de minerais, que tinha por base a utilidade desses produtos naturais como minérios, pedras preciosas e pigmentos. Os seus ensinamentos, neste domínio, mantiveram-se durante cerca de dezoito séculos, até finais da Idade Média. 

Nascido em Lampsaco, na Anatólia, Estratão (360-270 a C.), conhecido por O Físico, procurava explicar a natureza, buscando nela própria as causas do seu surgimento, do seu desenvolvimento e do seu declínio. No domínio do pensamento geológico e à semelhança de Aristóteles, defendia a ideia do cúmulo de um tempo imenso sobre os processos naturais extremamente lentos. Discípulo de Teofrasto e seu sucessor no Liceu de Atenas, Estratão foi um materialista na linha do atomismo de Demócrito, ensinando que a matéria era constituída de partículas e de vazio.

Alheio aos ensinamentos da teologia e da metafísica, explicava a natureza através de uma via exclusivamente materialista, a ponto de ter prescindido de Deus, no dizer de Cícero (106-43 a C), o grande filósofo latino. Aristarco de Samos (310-230 a C), foi o primeiro astrónomo a propor que a Terra gira em torno do Sol, em oposição ao geocentrismo há muito defendido por Eudóxio e por Aristóteles. Este audacioso modelo heliocêntrico só foi reconhecido e validado mais de mil anos depois, por Nicolau Copérnico (1473-1543).

Para Aristarco, era mais lógico admitir que um astro menor girasse em torno de um maior, numa visão que se opunha à dos seus antecessores. Aristarco defendia, ainda, que a Terra possui movimento de rotação. Aristarco realizou cálculos geométricos das dimensões e distâncias da Terra ao Sol e da Terra à Lua e tentou determinar o tamanho destes dois astros. Embora o método utilizado fosse correcto, os erros nos seus cálculos devem-se, sobretudo, à imperfeição dos instrumentos que utilizou. Astrónomo, geógrafo, matemático, poeta e bibliotecário da grande Biblioteca de Alexandria, Eratóstenes (285 - 194 a C.) determinou o valor de 23o 51' para a obliquidade da eclíptica, determinou os valores da circunferência e do raio da Terra, o que pressupõe que, já nessa altura, o planeta era visto como uma esfera.

Eratóstenes constatou, muito antes de Leonardo da Vinci, que havia conchas de moluscos marinhos, no interior das terras, a centenas de quilómetros do litoral, o que o levou a aceitar que, no passado, essas terras haviam sido fundo marinho. Estrabão (64 a C.-24 d C.) não aceitava a concepção de uma geografia imutável e, praticamente, eterna, de inspiração aristotélica. Este geógrafo grego chamou a atenção para a existência de “pedras com a forma de conchas” em regiões afastadas do litoral e concluiu pela presença do mar, nessas terras, em tempos passados. Assim, defendia que os mares se convertiam em terras e vice-versa.

Admitia, ainda, que movimentos verticais ascendentes e descendentes, quer dos continentes, quer do substrato oceânico, eram responsáveis por essa permuta de terras e mares. Procurou relacionar a elevação das montanhas (comprovada a partir da presença aí de conchas de moluscos marinhos) com a existência de um fogo central que alimentava os vulcões. Admitia afundamentos e soerguimentos dos terrenos motivados por sismos e por grandes deslocamentos de terras. Procurou mostrar que as montanhas se convertiam em planícies e estas, novamente, em montanhas e relacionou a erosão com o assoreamento. Na sua visão do mundo, as fontes e os rios surgiam e desapareciam. Ao observar o Etna e a ilha vulcânica de Ischia (Pitecusas) no Mar Tirreno, Estrabão admitiu que os ventos ateavam o fogo vulcânico.

Nessa altura, com o Vesúvio adormecido, descreveu-lhe o cimo “como um lugar que havia estado incendiado em outros tempos e que se apagara por falta de combustível”. A sua Geographia, um tratado monumental, em 17 volumes, foi uma das duas publicadas na Antiguidade. A outra, um pouco mais tardia, foi a de Ptolomeu.

Continua

Galopim de Carvalho

4 comentários:

José Batista disse...

O modo como Eratóstenes determinou o perímetro e o raio da Terra é extraordinariamente bonito e fácil de esquematizar, logo ao alcance de alunos muito jovens com preparação razoável.
A elegância da metodologia é tal que alguns sentem encantamento e chegam a afirmar: "afinal é fácil!", expressão muito gratificante de ouvir por qualquer professor.
Pena que o abandalhamento da escola tenha impedido tantos de aprender esta como muitíssimas outras coisas igualmente belas, interessantes e... úteis.

Ildefonso Dias disse...

Professor José Batista;

Permita-me uma observação ao seu comentário;
A determinação do raio de uma esfera pode ser feita se soubermos o valor do perímetro e a constante de proporcionalidade (PI), ora isto já era conhecido no tempo de Eratóstenes, dai que eu considero que o raio da terra foi uma consequência imediata, um conhecimento subsequente, e não uma descoberta, não é assim?... o seu comentário não distingue e associa as duas coisas (perímetro e raio) o que não é exato!!!

Cordialmente,

Ildefonso Dias disse...

Professor Galopim de Carvalho;

Ao seu belíssimo texto, segue-se o comentário do Senhor Professor José Batista, com uma falta de rigor que deveria servir de exemplo para uma análise cuidada daquilo que é necessário desenvolver nos alunos e a forma como isso se consegue (falo do poder de análise e sentido crítico necessários para uma boa leitura).

Imagine-se um aluno, - que desconhece a forma como Eratóstenes determinou o perímetro da Terra - mas que, ao ler o seu post, (espontaneamente, ou poderia surgir até de uma sugestão dada de um Professor) interessa-se, e de seguida faz uma pesquisa, e depois de descobrir, deve ou não estar apto para interpretar e perceber as suas palavras quando escreve “ (...) o que pressupõe que, já nessa altura, o planeta era visto como uma esfera”? Eu penso que sim, Professor Galopim de Carvalho, penso que para isso é importante ter bons Professores e ler textos muito bem escritos.

Mas o que é que é mais importante desenvolver no aluno “o poder de análise e sentido crítico” ou um amontoar de conhecimentos científicos livrescos? Eu penso que será o desenvolver do poder de análise e do sentido crítico.

Outra questão que se retira tem a ver com a qualidade dos manuais escolares, sim, porque num país como o nosso em que os Professores de excelência são poucos, pode-se imaginar o que significa a ausência de qualidade nos manuais.

O que poderia concluir um aluno de forma imediata, ao ler este texto do Professor Galopim de Carvalho, se lhe falta-se a frase “o que pressupõe que, já nessa altura, o planeta era visto como uma esfera”.[estaria a concluir, erradamente, o que implicitamente se pode concluir no comentário do Professor José Batista].

Cordialmente,

Cláudia da Silva Tomazi disse...

A ciência é expressão e engenho em ousado saber.

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