quinta-feira, 18 de outubro de 2012

AS CIÊNCIAS DA TERRA NA IDADE MÉDIA (1)

Primeiro texto de uma trilogia sobre as Ciências da Terra na Idade Média que nos foi enviada pelo Professor Galopim de Carvalho e que muito agradecemos.

Escolástica

Cronologicamente situada entre, aproximadamente, os séculos V e XV, a Idade Média foi um tempo de alastramento do cristianismo e da vida cultural na Europa ocidental, sobretudo através do surgimento de mosteiros da Ordem Beneditina. Seguidores de São Bento de Núrcia (480-547) os monges desta comunidade cristã, iniciadores do movimento monacal, foram os herdeiros da cultura latina e os depositários do essencial do saber do mundo antigo, com destaque para Santo Isidoro de Sevilha (560-636), considerado o primeiro dos grandes enciclopedistas medievais, que nos deixou Etymologiae sive origines, obra monumental em 20 volumes, na qual estão registados os conhecimentos da época sobre matemática, astronomia, medicina, anatomia humana, zoologia, geografia, meteorologia, geologia, mineralogia, botânica e agricultura.

Este grande erudito, que foi arcebispo de Sevilha, canonizado em 1598 e proclamado Doutor da Igreja em 1722, não observou nem experimentou, não descobriu nada de novo nem reinterpretou ideias antigas, pelo que não inovou. Limitou-se a compilar o saber disponível na época, o que não deixa de ter a maior importância na história do saber científico. Durante este período, o estudo e o ensino transitaram dos mosteiros e conventos para as chamadas escolas catedrais, criadas por toda a Europa, centros de sabedoria que, por seu turno, foram substituídos por universidades [1] nas cidades mais importantes, privilegiando o ensino de disciplinas como teologia, gramática, retórica, dialéctica (lógica), aritmética, geometria, astronomia, direito, medicina e música.

A filosofia natural, herança da Grécia antiga, não era ainda uma disciplina autónoma. Era dentro da medicina que se falava de plantas e de algumas pedras (minerais e outras fantasias) com realce nas suas virtudes terapêuticas e mágicas.

Com a queda do Império Romano do Ocidente, na segunda metade do século V, parte importante do conhecimento produzido e ensinado na Antiguidade sobreviveu graças à recuperação das obras clássicas feitas, sobretudo, por tradutores árabes e judeus. A par da filosofia grega assim recuperada e da alquimia herdada das culturas chinesas, babilónicas e egípcias, foi o tempo da escolástica (do grego scolastikós, instruído), o método de pensamento dominante no ensino nas universidades medievais europeias. Entendida como um via de harmonização da razão com a fé, esta disciplina procurou conduzir a filosofia no interesse da teologia ou, numa outra versão, conciliar o pensamento de Aristóteles com a doutrina da Igreja.

As obras escritas, então publicadas, revelam a redescoberta do fundador do Liceu de Atenas e da sua ênfase no racionalismo e no empirismo, numa corrente do pensamento que conduziu à introdução da lógica nas ideias e no discurso teológico, constituindo uma via interessada em abordar, conjuntamente, a razão e a verdade da fé.

Ao longo do século X, os membros de uma fraternidade de filósofos ismaelitas, conhecida por “Ikhwan al-Safa”, expressão árabe traduzível por “Irmãos da Pureza”, que se pensa terem vivido em Bassorá, no Iraque, escreveram colectivamente, uma enciclopédia com mais de 50 volumes (Rasa'il Ikhwan al-safa') inspirada nas filosofias pitagóricas, platónicas, aristotélicas e na do próprio Corão. O principal objectivo destes “Irmãos” era o conhecimento do Universo, na sua grande harmonia e beleza, apontando a necessidade de uma preocupação que fosse para além da existência material.

Nesta enciclopédia descreveram, como grande modernidade, conceitos fundamentais da geodinâmica externa, hoje por demais evidentes, mas inovadores para a época. Diz-se aí que “a erosão destrói perpetuamente as montanhas e que o escorrer das águas pluviais arrasta rochedos, pedras e areia para o leito das torrentes e rios”; diz-se ainda que, “por seu turno, ao escoarem-se, os rios acarretam tais materiais para os pântanos, lagos e mares, onde os acumulam sob a forma de camadas sobrepostas”. Escreveram aí que os continentes, uma vez arrasados, ficavam ao nível do mar, um ensinamento que é uma notável antecipação ao conceito de peneplanície formulado, em finais do século XIX, pelo geomorfólogo norte-americano William Morris de Davis.

Uma outra ideia que, embora errónea, testemunha a preocupação desta comunidade de filósofos pelo conhecimento do planeta, diz que, “estando o mar cheio de sedimentos trazidos dos continentes, o seu nível subia e as águas invadiam as terras”. Assim, segundo eles, “periodicamente, todos os 36 000 anos, as planícies se transformavam em mares”. Nesta concepção, igualmente errónea, de ciclicidade, já apontada por Aristóteles, no século IV a.C, diz-se ainda que “as terras actuais são antigos fundos marinhos e que os mares do presente serão futuros continentes”.

[1] Salermo, Bolonha, Paris, Oxford. Montpelier, Arezzo, Salamanca, Pádua, Orleães, Roma, Siena, Lisboa, entre muitas outras.

Continua.

Galopim de Carvalho

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Pelo labor do post do professor Galopim de Carvalho e homenagem a este singelo evento que fora escola a saber, a escola clássica por evoluir e compartilhar idéia e arte europeia.


Turno



Houvera tempo, em que arte
a qualquer parte atribuia-se
por querê-la conquistar-se,
d'arte o baluarte.

Houvera tempo no esmerado.
Outrora; o segmento esperado
esculpia-se, era pia o artista
e pintura de moldura em lista.

Revigora e noutro qual marte
encontrar-se-ia, a toda parte?!
É, que pulsa em lá da estima

embate é arte a nem esgrima,
por comum o estudo, a disciplina!
Nem arte: de lana caprina.

UM CRIME OITOCENTISTA

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