terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Mendigo e o Imperador

Novo texto de opinião recebido de Ângelo Alves (na imagem Bertold Brecht):
Em “O Mendigo e o Imperador”, uma das primeiras peças do dramaturgo alemão Bertold Brecht, com apenas um acto, um imperador, que acaba de infligir uma derrota pesada ao seu inimigo, encontra, ao regressar ao seu palácio,  um mendigo cego à porta. Entre os dois trava-se um diálogo, sem que o imperador repare na cegueira do seu interlocutor. A dada altura, o imperador indaga-o sobre a história:
    “Mendigo – Não há história.
    Imperador – E Alexandre? E César? E Napoleão?
    Mendigo – Histórias! Quem é esse Napoleão?
    Imperador – Aquele que conquistou meio mundo e sucumbiu pela sua própria soberba!
    Mendigo – Só dois podem acreditar nisso. Ele e o mundo. É mentira. A verdade é que Napoleão foi um homem que remava numa galera e que tinha uma cabeça tão grande que todos diziam: Não podemos remar porque não temos espaço para os cotovelos. Quando o barco se afundou, porque eles não remavam, ele encheu a cabeça de ar e sobreviveu, só ele, e porque estava acorrentado teve de continuar a remar. De lá de baixo não conseguia ver para onde ia e todos se afogaram. Então ele abanou a cabeça sobre o mundo e como ela estava demasiado pesada caiu.”                                               
     A resposta do mendigo, que de néscia nada tinha, traduz o que se passa hoje em Portugal. O “doutor” Relvas, o doutor Passos Coelho e o professor Cavaco Silva não deixam o povo remar, escolhendo eles o rumo, por terem cabeças desmesuradas. Assim o país vai à deriva, e seu destino é o fundo do mar. Afundar-se-á porque o dinheiro nos bolsos de alguns é muito, sem exsudação, e porque os políticos não sabem remar.

   No passado dia 5 de Outubro, o Presidente Cavaco Silva, depois de um discurso amorfo em torno dos  jovens e da formação e cultura, conseguiu escapulir-se de uma senhora que sobrevive com 200 euros por mês (tal como a minha mãe viúva e tantas outras pessoas). A televisão, bem amestrada, não gravou, ou se gravou não mostrou, as palavras que eu ouvi pela rádio, da boca da referida senhora: “Fascistas…Fascistas” – gritava ela enquanto o Presidente falava em cultura. Por falar em cultura: Não sei se o presidente viu o último filme de Manoel de Oliveira “O Gebo e a Sombra”; se não viu, recomendo-o, assim como toda a obra de Raul Brandão.  

    Como é possível que os jornais e a televisão nos bombardeiem diariamente com violações dos direitos humanos em Cuba, na Venezuela e na China, quando esses mesmos direitos são espezinhados aqui? Enquanto a referida senhora é agarrada e silenciada, vemos políticos com regalias intermináveis, empresários analfabetos na lista dos mais ricos (neste ponto concordo com António Borges: há, de facto, empresários analfabetos), empresas camarárias a cobrarem valores exorbitantes por metro cúbico de água, funcionários a trabalhar nas bibliotecas sem nunca terem aberto um livro, empregos conseguidos para si e para os seus por meio de cunhas, etc. O Estado, as regiões autónomas, os municípios e as empresas públicas contraíram enormes dívidas, mas os responsáveis insistem em afirmar que a culpa é dos outros: apenas do PS e não dessa “troika” que nos tem governado formada pelo PS, PSD e CDS; ou que é da União Europeia e não deles. E somos nós que temos de pagar a dívida rapidamente. 

      Em Junho de 2014 o FMI já cá não estará, diz o ministro Vitor Gaspar. Mas não diz onde o país estará nessa altura. Eu sei.

           Termino com um breve excerto da “Balada do Lucro” de Attila József, um escritor surrealista húngaro e    expulso do Partido Comunista:

           « Não quero aborrecer-te, proletário:
            Sabes que não engordas com caviar!”
        
Ângelo Alves
      
 
     

2 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Geralmente o intelectual está por reclamar da conta, mas enfim.
Honestamente, eis um bom exemplo de afiar navalha na pedra de outrem, e creio que sem perceber ou incosciente o senhor Ãngelo Alves, e com perdão a palavra mas, vos elevais de outra a nem vossa cultura; assim é que começa ou seja, e indago vos se nos milenares nem houvera, citação de vossa terra que justifique o anseio a compreensão.

fygurata disse...

A crise e a divida (ou a crise da divida)

Mantendo uma ignorância crucial nas questões económicas e politicas mas mantendo atento ao que se passa e ao que decorre de informação que é gerada em catadupa, com a tal chapéu da generalização que tudo cobre mas nada protege, ressalta desta observação permanente dúvidas e evid~encias que gostava de ver esclarecidas porquem por direito e saber se dedica a estas áreas. Perante uma divida que se acumulou pelas diferentes razões e circunstâncias são colocadas condições que não tendo directamente a ver com a divida não existam quando do empréstimo? Ou seja uma divida tem sempre dois responsáveis: quem a contrai e quem a empresta. Não podemos dizer que uma qualquer divida é da responsabilidade de quem solicitou o dinheiro pois para esta se efectivar teve alguém de emprestar. Quem empresta deve solicitar as garantias necessárias para que possa reaver o dinheiro emprestado, tendo para isso exigido condições para que este pressuposto se verifique. Portanto quem contrai uma divida sabe à partida que está submetido a determinadas condições e sanções se não cumprir o estipulado.
Introduzir novas condições no pagamento da divida subverte a relação económica gerada e sobretudo subverte as condições espectáveis para o pagamento se e sobretudo se estas novas condições são transversáveis a toda uma sociedade condicionando as estruturas sociais, económicas e politicas de um determinado País. Não se pode impor condições, nem se pode aceitar condições que adulterem de forma óbvia a Constituição desse País, o regime politico e o estado social.
Por outro lado temos que ter em consideração, e etndo em conta precedentes do Tribunal Internacional que qualquer divida pública só deve ser considerada quando foi contraida para satisfação das necessidades do bem publico. Sabemos de antemão que a actual crise teve origem na especulação financeira e que as dividas publicas se viram agravadas e descompensadas quando os governos tiveram necessidade de salvar o sector bancário da bancarrota. Esta divida não é publica pois não serviu para satisfação do bem publico. Os credores originados do sector bancário não impuseram regras nem condições à própria banca para esta pagar as suas dividas e para que a sua actividade passasse a estar regulamentada minimizando a ocorrência de novas crises. A crise da divida é mais uma generalização com que nos tentam cobrir, não para nos proteger mas sim para nos enganarem com um problema colateral da sociedade que é a questão financeira e para que nos deixemos de focar no essencial que é a economia e as soluções que nos conduzam a uma resolução atempada e efectiva da crise. As dividas soberanas acabam por ser os produtos financeiros mais desejáveis para quem esta´no mercado da especulação pois apesar destas circunstâncias todas, a procura supera a oferta e isto diz tudo.

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