quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Mas os velhos e doentes, Senhor Ministro Vitor Gaspar, porque lhes dais tanta dor?


“A cura está ligada ao tempo e, às vezes,  também às circunstâncias” (Hipócrates, 460 a. C. – 377 a. C.).

As deduções para efeitos de IRS, plasmadas na Proposta de  Orçamento de Estado / 2013, dão expressão  a nuvens que se vinham a acastelar no horizonte de um País em evidente descalabro económico e social e onde  boa parte da factura está a recair sobre os reformados achacados pela velhice e pela doença que, normalmente, lhe subjaz.

Não é de agora a minha crítica a este statu quo! Competindo-me o ónus da prova, detenho-me nas deduções  com despesas de saúde em vigor até 2011,  último ano em que os portugueses podiam  deduzir sem limite 30% das despesas com a saúde no seu IRS. Porém, se for aprovado o actual Orçamento de Estado, os doentes, em alguns escalões da classe média, apenas poderão deduzir 10% destas despesas até um valor de 838,44 euros. Ou seja, em Portugal,  a condição de velho e doente crónico, com “pesares que os ralam na aridez e na secura da sua desconsolada velhice” (Garrett), em vez de ser havida como uma desgraça, passa a ser taxada como um luxo de quem costuma passar férias nas Bahamas. Que não se pense que a minha posição pública sobre esta temática  sofre do oportunismo  em  chamar a atenção para algo que só agora ocupa a minha preocupação social. Vade retro, Satanas!, escrevi neste blogue um post intitulado “IRS, Doença e Velhice" (13/05/2011), de que transcrevo partes:

“Em vésperas de mais uma eleição legislativa, teve lugar na SIC, no dia 11 do corrente mês, um frente a frente entre José Sócrates e Francisco Louçã em que seria confirmada pelo Partido Socialista a redução do tecto destinado a despesas com a saúde, para efeitos de IRS: 2/3 da que está actualmente em vigor. Por seu turno, em Francisco Louçã - bronzeado por umas férias da Páscoa em praias de Cabo Verde, enquanto os membros da  'Troika' tentavam encontrar uma solução para evitar que a bancarrota se instalasse no nosso país -, assistiu-se, ao contrário da sua habitual agressividade tribunícia, a uma certa bonomia, ou mesmo apatia, ao debater esta temática como se estivesse perante uma questão de lana caprina.”

Mesmo sem  a intenção de estabelecer uma cronologia de diversos outros títulos por mim publicados neste local  sobre esta temática, reproduzo, apenas,  integralmente,  um intitulado “A Balada da Neve, os velhos e os doentes” (01/03/2012). Nele escrevi:
“Em medida preconizada pelo actual governo [do Partido Socialista], passará a contar para efeitos de desconto do IRS apenas 10% de despesas de saúde do contribuinte agravadas por um determinado tecto, enquanto, em anos anteriores, essa dedução abrangia 30% sem qualquer limitação. Ou seja, em Portugal, país de brandos costumes para quem não merece e de mão de ferro para quem não deve, a condição de velho e doente crónico, em vez de ser havida com uma desgraça, passa a ser taxada como uma bem-aventurança.

 (…) Digno de crítica me parece - porque afectando pessoas idosas muito diminuídas por doenças graves e/ou crónicas, e, como tal, 'com pesares que os ralam na aridez e na secura da sua desconsoladora velhice ' (Garrett) - uma outra medida do Partido Socialista em defesa de uma redução do plafond com as despesas de saúde para efeitos de IRS, penalizando, desta forma, inevitáveis gastos com médicos e medicamentos. Aliás, medida aproveitada pelo actual Governo em terreno previamente adubado pela governação de Sócrates.

 Como escreveu Jean-Baptiste Colbert, ministro de Estado e da Economia de Luís XIV, 'o acto detributar é idêntico ao depenar de um ganso, procurando obter o máximo de penas com a menor gritaria'. Pelos vistos, os queixumes dos velhos e os gemidos dos doentes vítimas desta penalizante redução não serão suficientemente ruidosos para evitar o actual depenar dos que sofrem. Mas não deverá ser obrigação de qualquer governo de rosto humano a constante preocupação com a saúde dos seus cidadãos? Ou seja, como advertiu, já no século XIX, Henry Thoreau, 'os cidadãos hão-de aprender que a política não é moral ocupando-se apenas do que é oportuno'.

Simples contas de cabeça são suficientes para demonstrar a falta de razoabilidade em deixar adoecer a população por poupança forçada nos respectivos cuidados de saúde que terão como desfecho trágico passar-se a gastar rios de dinheiro da fazenda pública com o subsequente estado de agravamento de doenças em estratos de pessoas menos abastadas. Aliás, a excepção das grandes fortunas confirma a regra de uma pobreza quase generalizada por um desemprego crescente e diminuição acelerada do poder de compra, fazendo com que a classe média seja substituída por uma legião de remediados obrigados a contar os cêntimos no dia-a-dia gastos para sobreviver com um mínimo de vergonha na cara para não acumular dívidas difíceis de saldar.

É reconhecida a humanização da saúde em países com preocupação de natureza social. Só se ignora em Portugal onde, por exemplo, foi defendida, por Manuela Ferreira Leite, na 'SIC Notícias' (10/01/2012), a medida economicista de serem restringidos os gastos com a saúde, através da não comparticipação estatal de sessões de hemodiálise para maiores de 70 anos. Desta forma desapiedada (em que a partir dos 70 anos de idade os pobres e remediados perderiam o 'direito à vida', consignado no artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos) seriam reduzidas as despesas com as reformas e com a saúde dos portugueses vítimas de letais patologias renais.

Mas abandonar os doentes à triste sina de uma criminosa l eugenia nem sequer é original. Segundo o filósofo romano Séneca, 'matam-se os cães quando estão com raiva; exterminam-se os touros bravios; cortam-se as cabeças das ovelhas enfermas para que as demais não sejam contaminadas; matamos os fetos e os recém-nascidos monstruosos se nascerem defeituosos e monstruosos. Afogamo-los, não devido ao ódio, mas à razão, para distinguirmos as coisas inúteis das saudáveis '.


Ou seja, por a doença ser tida, ao longo dos tempos, como pesado fardo de uma sociedade que encara a saúde em termos de gastos públicos, os recém-nascidos da Roma Antiga, com malformações congénitas, e os actuais doentes renais, no Portugal do século XXI, com 70 ou mais anos de idade e carências económicas, necessitados da hemodiálise para sobreviver como que se identificariam num destino trágico. Daqui, a reevocação adaptada que faço da 'Balada da Neve': 'Mas os velhos e doentes, senhores governantes,/ Porque lhes dais tanta dor?!... / Porque padecem assim?! '.”

Mas sabendo nós (e o ministro Vitor Gaspar, com o seu prestígio académico, dentro e fora de fronteiras nacionais, melhor o saberá!) que os recibos passados pelos médicos e farmácias constituem  um fonte  de receita do IRS, o previsto relaxamento desta medida constituirá uma perda evidente de rendimentos para a fazenda pública, criando uma forma de economia paralela que vigora em profissões que não passam recibos porque o cliente o não exige, por não ganhar nada como isso,  amontoando, como tal,  papelada para lançar no lixo na altura de preencher a respectiva declaração de IRS de quantias que excedam os 838,44 euros anuais.  Não será uma  forma de poupar na farinha sem proveito para o farelo?
Por último, perante as actuais medidas constantes do Orçamento de Estado, Senhor Professor Vitor Gaspar, digníssimo  Ministro das Finanças, não existirá o perigo de termos de dar razão a Woody Allen quando ele nos diz que  “o político de carreira é aquele que faz de cada solução um problema” ? Vossa Excelência, prosseguindo na senda de medidas preconizadas em anterioridade pelo Partido Socialista, limita-se, agora,  a dar-lhes forma legal por não conseguir (ou não querer?) procurar uma solução que tivesse em devida conta as exigências mínimas de humanidade para com os velhos e doentes.

Apostando dobrado contra singelo, acredito que quem votou no Partido Social Democrático, e em consequência num Governo que toma dolorosas medidas restritivas no âmbito da Saúde,  não o fez por querer mais do mesmo. Mais acredito que Vossa Excelência, por sua vez, nos recônditos da vossa consciência, concordará comigo por " a vida ser o último hábito que se quer perder por ser o primeiro que se toma", como escreveu Alexandre Dumas Filho. 

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