O Governo anda desnorteado, mas muitos ainda ajudam à festa, acrescentando a desorientação e não percebendo (ou percebendo muito bem) que o prejuízo é geral.
É claro que o Governo fez alguns grandes disparates, desbaratando o capital de confiança e de esperança que lhe tínhamos dado e que tanta falta faz. Estaríamos por certo melhor em termos de coesão social e de motivação sem as trapalhadas e as jogadas do incrível Relvas, a solidariedade do Primeiro-Ministro para com ele e a falta de jeito de António Borges. Passos Coelho não percebeu o desgaste a que, por causa do Relvas, estava a ser sujeito, numa altura em que tudo o que conseguisse em termos de confiança e de coesão era pouco.
Perdeu-se um capital precioso, e isso é dramático. Não falo da nossa Esquerda, para quem esta erosão é muito boa. A nossa Esquerda que está sempre contra tudo, para quem o gasto público é a lei, mesmo sem dinheiro, e que fala para os 15, 16% da população que gosta de ouvir as suas vozes. Refiro-me aos outros, à grande massa. Os que compreendem que se andaram a fazer asneiras, em termos internos e externos, e que alguém tem que as pagar. Mesmo vendo nisto alguma perfídia, porque a maior parte foi apanhada por uma estratégia de gastos incentivada em clima de facilidade, que agora nos é cobrada à má cara. E de injustiça, porque durante anos nos andaram a dizer: gastem, gastem, porque favorece a economia, e agora nos dizem poupem e paguem porque o que gastaram não era produtivo, nem rentável, ou seja, era economicamente um logro.
Tirando uns poucos (Ernâni Lopes, Ferreira do Amaral, Medina Carreira, Manuela Ferreira Leite, vistas como aves de mau agouro) ninguém, de entre os que tinham obrigação de o fazer, nos preveniu ou nos aconselhou prudência.
O certo é que, face às dificuldades, o País está a radicalizar-se e a perder clarividência. E pior, há muitos, sem pudor nenhum, a querer saltar da carroça dos sacrifícios comuns. Aí está de novo o PREC.
Muitos dos que reclamam e fazem barulho são dos que menos motivos têm. Desde as corporações tradicionalmente mais protegidas (Forças Armada, magistrados, juízes, autarcas, etc.) aos sindicatos das profissões mais defendidas e bem pagas (pilotos, maquinistas, estivadores, por exemplo). Ao fim de tantos anos de Democracia não conseguimos integrar harmonicamente no conjunto estas aristocracias profissionais. As corporações estão em alta, essa é que é a verdade. Vindas do salazarismo, que fez delas ideologia política e dinâmica económico-social, e nelas assentou a estrutura jurídica e laboral do Estão Novo, as corporações ganharam raízes. Tão fortes, que não só se manteve o corporativismo entranhado nas mentalidades, como, por via sindical e intersindical nasceram, depois da Revolução de Abril, outras ainda mais fortes e poderosas. E que agora gritam por privilégios, se manifestam, ameaçam, fazem abanar governos, destroem ministros, arrasam a economia, e sem problema nenhum, porque a lei os protege.
Para quem não tem formação, moral e legal é a mesma coisa. Fazendo o mal e a caramunha, transformam-se em arautos da desgraça muitos dos próprios agentes dela. Todos estão puxando para o buraco sem querer perceber que, se nele cairmos, também eles para lá vão. Lembrem a passagem de São Mateus: «Cegos são e condutores de cegos, e quando um cego guia outro cego ambos vão cair no barranco».
João Boavida
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5 comentários:
Meu Caro Professor: E o ensino foi uma seara fértil para distribuir diplomas como quem distribui um bodo aos pobres. "Pobres" que ocupam lugar de destaque na sociedade portuguesa relegando para lugares subalternos quem se preparou, "com sangue, suor e lágrimas", para obter um diploma que o não lançasse na vil tristeza do desemprego ou empregos para que a antiga 4.ª classe primária habilitava.
Exemplos? Deixo para o leitor interessado elaboração da lista dos casos seus conhecidos (sem se distrair com o "caso Relvas") num Portugal, no dealbar de um novo milénio, em que, como escreveu Eça, "um dos piores males, e digamos o maior, é a ignorância; a completa, a perfeita, a absoluta ignorância”. Ignorância mascarada com o ouropel de diplomas de licenciatura e mestrado obtidos, por vezes, em escolas privadas de vão de escada.
E, desta forma se substituiu o incitamento dos progenitores de épocas passadas para que os filhos estudassem para serem alguém. Bem avisados andam os pais dos nossos dias, ou a juventude, ela própria, quando entendem, em oportunismo que alcandora a lugares cimeiros, , ser a inscrição nas juventudes partidárias que fazem os “alguéns”. Ou mesmo aquelas que se fazem na idade adulta em prestação de préstimos de cerviz curvada!
A leitura dos escritos do PCP de há 25 anos deixou-me admirado pela antecipação de quase tudo o que está a acontecer. Dei comigo a pensar: ninguém quis ouvir? porque deixamos acontecer?
Percebe-se que ao capital não interessasse esse debate, pois, encaixaram ganhos exponenciais enquanto a responsabilidade para com o país e os portugueses diminuiriam constantemente. Sabe-se hoje que não pagaram (cá) impostos. A economia real foi intencionalmente destruída. A agricultura e pescas receberam avultadas somas para a sua desativação. E lendo o seu texto, as minhas perguntas são, JB:
A culpa é do PCP e do BE? Estes desejaram que o capital não fosse taxado? Que não houvesse dinheiro para tornar sustentável o Estado Social?
Hoje dizem que os problemas agravaram-se depois do €uro. E mais uma vez, lendo o que foi escrito sobre este assunto, de novo, está lá tudo. A dependência económica, o ataque às políticas públicas e sobretudo às sociais, a perda de soberania, enquanto sairiam intocáveis e reforçados e os interesses dos "poderosos".
JB, nesta fase histórica, não foi a esquerda que governou o país! Não foi a esquerda que alimentou e geriu as “sôfregas” expectativas de uma classe média egoísta para suportar as políticas de descarado favor ao capital especulativo e mistificou conceitos e acelerou a introdução de devastadoras alterações do nosso nível de vida e expectativas de proteção social.
Que melhor pretexto e justificação senão a crise por todos considerada irresponsável do imobiliário e da falsificação dos titulos da divida? Com a decisão que impôs aos Estados (os contribuintes) que salvassem os bancos foi criada a oportunidade para transformar tudo em negócio, inclusivé o Homem. Ainda ontem o governo assumiu mais "reformas do Estado" aludindo a uma refundação que mais não visa senão retirar o Estado de qualquer intervenção na economia e no mundo do trabalho, sair da educação e da saúde como áreas de negócio, desregular e abolir leis e regulamentos que impeçam a entrada no mercado ou limitem a concorrência, disposições de protecção ambiental e dos consumidores, entre outras. Com um imenso mundo sedento de produzir (China, India, Brasil, etc), para quê manter uma plataforma e estruturas “caríssimas”, assentes no chamado Estado Social?
Está a triunfar o 'Washington Consensus' da década de 90, cartilha do FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouro dos EUA, que o Tratado de Mastricht acolheu e o tratado do "Porreiro Pá" (em português de bom entendedor) apadrinhou. Após resultados catastróficos nas economias e sociedades latino-americanas, chegou a vez da Europa. Por lá as intervenções ocorreram em ditadura. Aqui, estão a ser executadas em "democracia"...
JB, não é a esquerda que nos está a arrastar para o buraco. Estamos lá metidos há anos!. Que responsabilidade tem ou tiveram os gestores da “causa pública”? E das corporações que lavam as mãos depois de se alimentam de um Estado subserviente até à exaustão?
E a esquerda pode achar estes resultados como bons? É uma leitura enviesada como tantas outras. E não devíamos ter sido todos contra toda esta farsa e não apenas a esquerda? Leituras e posições oportunistas do "se não podes vencê-los junta-te a eles" não lhes deixaram alternativa senão em alimentar corporações no pressuposto de salvar a sua pele.
Fomos caindo no conto do vigário. E de algum modo fomos cegando com o deslumbramento de um estilo de vida assente no vazio do consumismo e do novo riquismo.
Não é de esperar que seja feita justiça por este sistema e por isso mesmo, parece-me que o seu texto de algum modo moralista e deturpador não acrescente nada de novo ao que efetivamente ocorreu e está a acontecer-nos.
O problema é mais complicado do que arranjar culpados!!!
Meu caro Mário Reis
Agradeço a sua intervenção que é sólida, informada e coerente. Eu tenho noção de que a liberdade que foi dada ao capitalismo, depois da queda do muro de Berlim foi um desastre. Por natureza talvez do próprio capitalismo, mas sem dúvida favorecido pelas circunstâncias mundiais, a ganância e a especulação sem freio nem controlo tomaram conta da economia, desvalorizaram o trabalho e os trabalhadores, em jogos de fantasmas que teriam que rebentar, prejudicando o cidadão comum que vive do seu trabalho.Também sei que muito do nosso tecido produtivo foi desmantelado, a troco de uns tantos dinheiros, que a Esquerda foi denunciando, é verdade, mas também por razões de desindustrialização, que, infelizmente ocorreu por toda a Europa e E. U. em virtude da globalização e de outros fatores, em boa parte ainda relativos à ganância capitalista. E sei, eu próprio li bastantes, que textos da Esquerda têm vindo a denunciar muitas destas situações e têm tentado alertar para a gravidade delas. Mas há uma questão que, com toda a inocência e frontalidade lhe coloco: face à evidência, para vós, de que todos os governos fizeram entre nós políticas de direita, inclusive o PS, não competiria ao PC apresentar em textos programáticos e em campanhas de informação uma alternativa integral, de A a Z, a estas políticas? E com uma explicação integral não só das referidas políticas mas de todas as implicações que isso teria? Ou seja, penso que competia ao PC dizer assim: meus amigos, nós temos uma proposta que é melhor para todos, que acaba com a exploração capitalista e a apropriação excessiva na mão de alguns, mas, atenção, implica toda uma estrutura diferente do Estado, da economia, da propriedade e dos meios de produção, da distribuição da riqueza, do tipo de democracia e de participação dos cidadãos, etc? E já agora, explicar também as implicações previsíveis em relação ao espaço geográfico e social em que nos inserimos, ou seja, à Europa e àquilo a que se chama o Ocidente. Penso que isto nunca foi feito, que o PC mantém ambiguidades no discurso, meias verdades que as pessoas talvez não compreendam mas intuem e que temem. A verdade é que os exemplos históricos que temos não são famosos, muito pelo contrário, e sabendo nós o que é a natureza humana, por muito que o conceito seja ambíguo, é muito provável que outras formas de abuso e de exploração aparecessem nessa outra organização do Estado e das formas de podução e de distribuição.
Acrescento ainda que o texto não tinha pretensões de trazer grandes novidades. No que diz respeito a política e a economia, em virtude da crise, não têm faltado os opinadores de todas as cores e paladares. Mas há uma coisa que, apesar de tudo, não tenho ouvido denunciar, e parece-me urgente: o corporativismo e os seus malefícios. Diz-me que é mais uma forma de exploração de muitos por alguns. Sem dúvida, mas integrá-lo numa teoria geral da exploração de alguns acaba por diluí-lo no quadro das injustiças em que a nossa sociedade é farta, deixando-a passar como se nada fosse. Haveria vantagem em que todos nos apercebêssemos do que significa estar a sociedade cheia de núcleos ou grupos que têm um tratamento de favor, uma série de benesses e de vantagens que o povo tem de pagar, e que isso está tão entranhado em nós que já nem medimos bem o abuso que é e a exploração que representa, de todos por grupos particulares. Por que razão o povo português deverá pagar, por exemplo, as viagens de comboio que polícias, juízes, magistrados, funcionários da CP e seus familiares, e mais não sei quantas corporações fazem? Se vão em serviço oficial, muito bem, agora noutras condições, acho uma forma de medievalismo absurdo e ofensivo. Querem uma reforma estrutural mais importante do que se pensa e que poderia ser feita com certa facilidade? Aqui está uma. Querem um país moderno? Acabem com estas formas arcaicas, e com estes atitudes em que o Estado trata a uns como filhos e a outros com enteados.
Apenas um pequeno aparte:
Quando se questionam os tão agora célebres "direitos adquiridos" convém ter em conta que esses benefícios em género foram dados aos trabalhadores por troca de remuneração nos seus vencimentos, através da livre negociação entre os sindicatos e as entidades patronais.
Assim, não é justa a forma como agora se pretende nivelar por baixo, retirando aos trabalhadores algo que lhes pertence por direito e sem ter em conta o seu enquadramento histórico
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