Texto da nossa leitora Dina Soares, que o De Rerum Natura agradece:
Como professora de Música no Ensino Básico, debrucei-me sobre o mais recente “ranking das escolas” (Ranking Expresso/Sic, coordenado por Cátia Nunes, integrou 450 agrupamentos de escolas e secundárias não agrupadas. In Caderno Destacável do jornal Expresso, de 13 de Outubro de 2012), tendo-me detido nos dados relativos às públicas.
Uso o plural propositadamente pois basta olhar para os dados obtidos para se perceber a diversidade.
Como se sabe, neste estudo cruzaram-se as variáveis sociais e económicas dos alunos com os resultados dos exames nacionais. O que sempre pareceu óbvio, pôde agora ser comprovado pela investigação: as médias obtidas pelas escolas correlacionam-se com essas variáveis.
Outra das novidades que apresentou foi a inclusão dos resultados dos exames nacionais do 6.º ano (que se realizaram pela primeira vez no ano lectivo transacto) às disciplinas de Português e Matemática. Está escrito no referido Caderno (página XIV) que “a grande maioria das mais de 1100 escolas onde se realizaram provas acabou por atingir a positiva”, havendo grupos que se destacam pelos resultados positivos que conseguiram alcançar.
Nesses grupos encontramos três escolas de música nos primeiros trinta lugares.
Ainda que de uma forma empirista, pois não investiguei com preceitos científicos esta questão, estou convencida que as vantagens da aprendizagem musical se estendem a outras áreas disciplinares.
Foi, pois, com contentamento que li a opinião da directora do secundário artístico do Conservatório Calouste Gulbenkian, Ana Maria Caldeira: os lugares que estas escolas ocupam não são por acaso, “as oito horas semanais de música fazem mesmo a diferença nos resultados finais… o ensino artístico ajuda os estudantes nas tarefas da escola, tornando-os mais organizados e concentrados… sabem estar em silêncio e atentos quando mais é preciso” (in Caderno... pág. XIV). E acrescentou que há sempre muitos candidatos para poucas vagas que essas escolas podem oferecer.
Vejamos, agora, à luz da recente reorganização curricular, qual o lugar que a Educação Musical ocupa nas escolas públicas que não as do ensino artístico.
No 1.º Ciclo, continua incluída no grupo das Expressões, dividindo o seu tempo com a Expressão Plástica, a Expressão Dramática e a Expressão Físico-Motora. É também a área que os professores afloram mais à superfície, explorando, na melhor das hipóteses, algumas canções, por vezes com batimentos rítmicos corporais e danças de roda. Relativamente às Actividades de Enriquecimento Curricular, uma vez que estas não são obrigatórias, não me deterei nelas.
No 2.º Ciclo, essa reorganização trouxe novidades: se até ao ano lectivo transacto as escolas podiam optar por atribuir 90 minutos ou 135 minutos à Educação Musical, actualmente vemo-la limitada a 90 minutos (com as excepção das escolas de ensino artístico). Ainda se consegue, apesar de tudo, que todos os alunos dos 5.º e 6.º anos usufruam desta disciplina!
No 3.º Ciclo, a reorganização não poupou a Educação Musical, tendo-a praticamente banido destes três anos terminais do ensino…
Ou seja, esta área disciplinar é ministrada por docentes devidamente qualificados, mas resume-se a dois anos de escolaridade (5.º e 6.º). Com 90 minutos semanais, havendo 35 semanas de aulas, por ano lectivo, na melhor das hipóteses serão 6.300 minutos, ou seja, 105 horas! (sem contar com feriados ou faltas do docente).
Cento e cinco horas de aulas de Educação Musical é tudo o que os nossos alunos podem usufruir ao longo da sua escolaridade, nas escolas públicas!
Se a minha conjectura está certa, se existem vantagens da educação musical para desenvolver competências transversais de aprendizagem, então, há razões sérias para nos preocuparmos.
Dina Maria Soares
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
105 horas de Educação Musical
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
UM CRIME OITOCENTISTA
Artigo meu num recente JL: Um dos crimes mais famosos do século XIX português foi o envenenamento de três crianças, com origem na ingestã...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
«Na casa defronte de mim e dos meus sonhos» é o primeiro verso do poema de Álvaro de Campos objecto de questionamento na prova de Exame de P...
3 comentários:
A escola onde atualmente trabalho bem como aquela onde anteriormente trabalhei distam escassas centenas de metros entre si e têm próximo um conservatório de música de onde, quer uma quer outra, recebem alguns alunos que, feito o nono ano de escolaridade, se transferem para o ensino secundário "normal".
Por isso, ao longo dos últimos dezassete anos fui tendo um ou outro aluno com maior formação musical do que é comum. E já tinha a impressão de que, realmente, esses alunos são, normalmente, mais serenos e com maior capacidade de concentração. Mas admitia que fosse impressão minha ou mesmo o desejo de acreditar em tal verdade.
Agrada-me confirmar que há mais quem tenha essa ideia.
Vigotsky adoptou o princípio de Blonsky de que “o comportamento só pode ser compreendido como história do comportamento”, que creio poder explicar o desempenho destes alunos. Com efeito, ao desenvolverem, deste muito cedo, uma actividade onde é fundamental usar a atenção voluntária e a memória voluntária (funções psicológicas superiores), estão muito mais preparados para a aprendizagem de outras disciplinas do que crianças que não tiveram oportunidade de desenvolver estas “ferramentas da mente”
Ora, nem todo dia é dia. De quando dia e, noite.
Enviar um comentário