quinta-feira, 4 de outubro de 2012

CAIXA BAIXA



Meu artigo de opinião no Público de hoje:

Numa altura em que circulam rumores sobre a privatização, pelo menos em parte, da Caixa Geral de Depósitos (CGD), esse banco estatal que não encontra equivalente com o seu peso nos países europeus (representa mais de 20 por cento da banca portuguesa), vieram a lume notícias sobre corrupção e peculato no interior daquela instituição. Parece que um director do serviço de prevenção e segurança daquele banco obteve no ano transacto um empréstimo de 800 000 euros, com metade a spread muito baixo e outra metade a spread zero. É caso para dizer que, numa altura de crise generalizada, alguém se quis prevenir e segurar... E um Tribunal Administrativo veio, como noticiou o Público de 1 de Outubro, anular a pena de suspensão de funções e vencimento durante seis meses imposto a um trabalhador da CGD que, há três anos, chamou a atenção para casos de abuso de poder no interior do referido serviço, que terão incluído escutas ilegais.

Para se reconhecer que Portugal é um país muito pequeno, atente-se nos nomes implicados. Quem nomeou o director cujos benefícios pessoais, aparentemente ilícitos, vieram agora a lume? Pois foi Armando Vara, o controverso político do Partido Socialista que saiu com uma promoção salarial da vice-presidência da CGD para ocupar funções similares no Millennium BCP e que, no seu estranho percurso académico, conseguiu ser pós-graduado antes de se graduar na Universidade Independente (o seu nome tem aparecido no âmbito do processo Face Oculta, cujo desfecho se aguarda). E quem assinou a ordem de castigo, evidentemente ilegal, do funcionário da CGD? Pois foi Francisco Bandeira, também ele afecto ao Partido Socialista, que tendo sido vice-presidente da CGD presidiu também ao Banco Popular de Negócios (BPN), o banco privado de José Oliveira e Costa que, para grande prejuízo nosso, o anterior governo decidiu nacionalizar (ouvido há dias no Parlamento, Bandeira afirmou que será impossível recuperar 500 milhões de euros do BPN afundados em off-shores, sabendo-se hoje que o prejuízo total será de pelo menos 3400 milhões). Acrescente-se que estes dois ex-gestores da CGD foram já este ano punidos pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários com uma multa de 50 000 euros por terem autorizado em 2006 e 2007 operações fraudulentas de crédito abrindo contas-fantasmas a alguns clientes para compra de acções de empresas.

Agora o banco do Estado tem administradores de outra área política. Mas nada garante que os negócios escuros e os compadrios tenham cessado. Os portugueses, muitos deles clientes da CGD (declaração de interesses: possuo lá uma conta desde que comecei a trabalhar na função pública, pois o Estado depositava os salários nesse banco), não podem deixar de estar perplexos com o facto de os actuais administradores ganharem mais do que o primeiro-ministro e de haver pensões elevadíssimas de ex-gestores, acumuláveis com outros vencimentos. E ficaram espantados quando ouviram recentemente um vice-presidente da CGD e quadro do Partido Social Democrata, António Nogueira Leite, dizer que emigraria se o governo aumentasse mais os impostos, como vai fazer. Escreveu ele no Facebook: “Se em 2013 me obrigarem a trabalhar mais de sete meses só para o Estado, palavra de honra que me piro, uma vez que imagino que quando chegar a altura de me reformar já nada haverá para distribuir, sendo que preciso de me acautelar”. Um primor de linguagem para um gestor público. Mas emigrará?

Se o governo, por absoluta necessidade de pagar aos credores, decidir vender, ainda que parcialmente, a CGD a privados, deve ver bem o melhor timing para o fazer. A Caixa está em baixa. A CGD, com casos como o da área de prevenção e segurança (dever-se-ia dizer falta de prevenção e insegurança completa), que não são explicados, tem vindo a desacreditar-se. Para além do negócio absolutamente ruinoso que foi a absorção do BPN, está envolvida noutras transacções catastróficas. Com efeito, a CGD anunciou há dias que ia perder cerca de 50 milhões de euros em Parcerias Público-Privadas (PPP) relativas a obras de construção de auto-estradas, neste momento paradas, na Espanha e na Grécia (os governos desses países estão a renegociar as PPP). Em economês chama-se a isto “imparidades”. A CGD declarou prejuízos de 12,7 milhões de euros no primeiro semestre deste ano, o que contrasta com lucros de 91,4 milhões de euros em igual período do ano passado. Nogueira Leite já avisou que as imparidades vão continuar e não há que duvidar da sua sinceridade.

Já que este é um artigo de opinião, não termino sem dar a minha. Julgo que não vale a pena ter um banco público que quase só serve os interesses da oligarquia partidária que, de um modo irresponsável e penoso, se vai alternando no poder. Escolham só a melhor altura para o vender.

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde Sr. Prof.
Permita-me que acrescente ainda outro caso: os milhões emprestados ao empresário(?)/investidor(?) Manuel Fino para comprar acções dando como garantia... as próprias acções. Hoje pouco mais valem do que zero! Tudo isto perante a complacência das entidades reguladoras!!
Permita-me que discorde da opção que defende de privatização da CGD. Tudo isto faz parte de uma estratégia generalizada de degradar os serviços prestados (passa-se na Saúde, nos Transportes, e noutros sectores) a vários níveis (na qualidade, na quantidade, com exemplos de corrupção) para depois se vir dizer que a solução é privatizar, que com privados nada disto aconteceria. Os gestores que permitiram tudo isso serão os mesmos que, na mesmíssima empresa ou noutra qualquer, agora privatizada, irão ser contratados pelos privados para finalmente porem tudo na ordem. Quando os utentes começarem a levar no pêlo com as "racionalizações" (ou deveria escrever "racionamentos"?) de preços e de oferta, dir-se-á que é o mercado, a lei da oferta e da procura, pá-tá-ti-pá-tá-tá. Regulamentar, fiscalizar, punir os responsáveis era o que se devia fazer. Mas não me parece fácil com os circuitos instalados...
Cordiais saudações.
Fernando Oliveira

José Batista disse...

É sempre ingrato, pelo menos para mim, apontar falhas a pessoas e mesmo instituições que deviam proceder irrepreensivelmente. Mas é obrigação de cada cidadão não fazer de conta que não é nada consigo, mormente quando a comunidade sai grandemente prejudicada. E de modo particular quando pessoas honestas não coniventes são cilindradas por indivíduos poderosos sem escrúpulos.
No caso, o meu incómodo é grande também por há várias décadas receber o vencimento através da CGD e por ser portador de cheques onde a CGD faz publicidade a si própria referindo-me como cliente há mais de ... anos (e o facto é que o sou ainda há mais anos do que os que menciona).
Por isso valorizo quem, tendo "nome" ou não, não se cala. Por isso agradeço ao Professor Fiolhais a escrita deste artigo, como agradeço tantos outros, alguns dos quais permanecem vivos na minha memória (por exemplo um com este título: "Bate, que é professor".
E hoje, dia de tão hipócritas comemorações, a que o povo há muito virou costas, a miséria da nossa situação é ainda mais chocante.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...