domingo, 2 de janeiro de 2011

Doug and Dave

De tempos a tempos, mais do que a especulação, a afirmação da existência de extraterrestres-que-comunicam-com-os-humanos volta a estar na moda.

É o que me parece, mas posso estar enganada. E também me parece que a “receita” se sofistica à medida que os "consumidores" se tornam mais exigentes (e esclarecidos?): documentários e notícias (com ou sem aspas?) mais recentes que, ocasionalmente, tenho visto e lido em nada se distinguem, sob o ponto de vista da forma, dos correspondentes de carácter inequivocamente científico.

Na verdade, os seus autores não se limitam as colher depoimentos de observadores involuntários, a quem o fenómeno alien se impõe, dispondo apenas como prova a sua descrição, necessariamente subjectiva; apresentam provas colhidas com apoio de sofisticados instrumentos de registo por entidades de aviação civis e militares credíveis, incluem o depoimento de investigadores que nos gabinetes das universidades a que pertencem apresentam teorias, a que se segue a argumentação ou o teste empírico e, em sequência, a interpretação delas decorrentes. Tudo, como disse, numa configuração que costumamos atribuir ao modo de pensar e de funcionar da ciência e da sua divulgação.

Isto a propósito do texto de Miguel Gonçalves É desta: eles vêm aí!?, publicado ontem no De Rerum Natura, e de um bocado de programa que, também ontem, vi no canal de televisão Zone Reality.

Detenho-me neste programa, de realização recente, que incidia num dos mais deliciosos casos de "evidências" de extraterrestres: o caso dos Crop Circle ou, em tradução para português, da cereologia, que começou a ser falado há mais de trinta anos e que há vinte anos deu brados na comunicação social.

Em 1991, Rui de Carvalho, num artigo intitulado As mentiras da ciência, publicado no jornal Expresso de 19 de Outubro de 1991, comentava o assunto da seguinte maneira:

"Um dos mistérios mais populares dos últimos tempos, especialmente na Grã-Bretanha, foi recentemente desfeito quando dois pacatos ingleses, David Chorley e Douglas Bower, ambos já entrados na casa dos 60, confessaram que se tinham entretido, nos últimos treze anos, a abrir os célebres círculos nas searas.
O «fenómeno» deu origem a todo um conjunto de trabalhos científicos a que se dedicaram de boa ou má-fé, nomes conhecidos das ciências. «Nenhum ser humano podia ter feito isto», dizia não há muito tempo o engenheiro Pat Delgado, que fez fortuna a escrever livros acerca dos círculos. A sua última obra, escrita em colaboração com Colin Andrews, vendeu 50 mil exemplares.
A brincadeira dos dois reformados ingleses, cujo exemplo foi seguido em diversos países, deu origem à criação de uma nova ciência, a cereologia. Para tal contribuiu a intensa actividade da Unidade de Investigação do Efeito dos Círculos, um grupo fundado pelo físico Terence Meaden. Nem a circunspecta revista Nature escapou ao publicar o artigo do físico japonês Yoshi-Hiko Otsuki, que atribuía a formação dos círculos a uma esfera relampejante gerada por micro-ondas na atmosfera. Como o artigo fora publicado pela Nature, cujos apertados critérios de avaliação são bem conhecidos, muitas outras publicações consideraram que o problema dos círculos estava resolvido."

Ora, segundo entendi nesse programa de televisão a que me refiro, o caso foi retomado, com novas, diversificadas e muito sérias contribuições científicas (tudo isto com ou sem aspas?)...
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Sobre este assunto, de entre os muitos vídeos disponíveis na internet sobre o assunto, vale a pena ver um que se centra na explicação e demonstração da brincadeira de Doug (Douglas Bower) e Dave (David Chorley), onde eles próprios contam as muitas noites em que se entretiveram a inventar o mistério dos círculos em plantações extensas, esperando depois pelo impacto que teriam: aqui.
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Vale a pena também ver algumas dissertações de Patrick Delgado, o cientista, entretanto falecido, que fez nome e fortuna com a explicação sobrenatural do mistério (em virtudo, sobretudo, dos vários livros que escreveu e que se venderam muitíssimo bem): aqui.

E, por último, vale a pena ver como se trata de um mistério (inexistente?) que muitos parecem estar apostados em perpetuar: aqui.

11 comentários:

Anónimo disse...

Acho demasiado presunçoso colocar um "label" de fraude. Estou ciente de que há oportunistas e fraudes mas acredito que por detrás do folclore e aproveitamento, de facto, os extraterrestres existem. Quantas pessoas estarão dispostas a afirmar a sua convicção?

Anónimo disse...

Um novo e magistral testemunho do subtil humor britânico. Quem não se lembra do mistificado caso do crâneo de Piltdown?... Que bela maneira de alguns ociosos brincalhões rirem, à socapa, da boa-fé do zé-pagode, ou seja, neste caso, dos cientistas e quejandos! Depois... são os próprios mistificadores que revindicam par si a genialidade do embuste. Vá-se lá saber... de que lado se encontra a "diáfana" verdade, como diria o Eça!... JCN

Anónimo disse...

A verdade é que os argumentos e as provas acumuladas justificariam uma abordagem muito mais céptica à posição "é tudo tretas". Aliás, o documentário www.iknowwhatisawthemovie.com traz testemunhos que são tudo menos de "loonies", e documentos que convinha ponderar. A posição "são tudo tretas" - apoiada apenas nos aspectos periféricos e mais folclóricos, ignorando os mais problemáicos - não é uma boa atitude de inquérito científico.

Ana disse...

O que está aqui em causa não é o facto de os ets existirem ou não. É, sim, se foram Ets que desenharam esses símbolos nos cerais. E a resposta é: não, não foram.

Ana disse...

Contudo, mais interessante será o documentário "into the universe with stephen hawkings: aliens"
http://www.youtube.com/watch?v=m3zLzepBNvc&feature=fvw

argumentos e provas acumuladas por quem?...

Ana disse...

"mistério" bem mais interessante é o das linhas de nazca no perú... ;)

Ana disse...

quanto à chamada "posição isso é tudo tretas", acho bem mais poético citar Carl Sagan:

"Para mim, é muito melhor compreender o Universo como ele realmente é, do que persistir na ilusão, por mais satisfatória e tranquilizante que ela seja."

Anónimo disse...

Em qual peru... o do Natal ou do Ano Novo? JCN

Anónimo disse...

Suponho que Carl Sagan não tera querido... fazer poesia! JCN

Ana disse...

Peru, JCN, Peru :)

Pelo contrário, JCN, Carl Sagan traduziu a Ciência de formas poéticas e tocantes. Transformou átomos, moléculas, células, enfim, universos, em Poesia pura.

Anónimo disse...

Haverá Poesia... que não seja pura? JCN

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