terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Ainda os Esqueletos no Armário dos Ensinos Básico e Secundário

“Onde Sancho vê moinhos, / D. Quixote vê gigantes. / Vê moinhos? São moinhos! / Vê gigantes? São gigantes! " (António Gedeão, 1906-1997).

Em consideração ao direito ao contraditório que lhe assiste (e só por esse facto), respondo ao comentário do anónimo (3 Jan.; 17h30) ao meu post “Os Esqueletos do Armário dos Ensinos Básico e Secundário”.

Para não pôr foice em seara alheia, desde já declaro que excluo neste meu texto factos reportados à extensa notícia do jornal "I”, para, como escrevi no 2.º parágrafo desse meu meu post, não "entrar em pormenores, mais ou menos polémicos, sobre as hossanas cantadas pela 5 de Outubro sobre as melhorias no PISA/2009”.

Passo, portanto, aquilo que tenho como a substância do comentário em causa: “O Ensino só pode estar mal, por isso só valem os estudos que dizem mal. Isto no fundo é só para dizer mal dos professores, pois são esses que ensinam os alunos, não são os Ministros da Educação. Os resultados só podem ser maus porque os professores são maus, andaram pelas Escolas Superiores de Educação... até a actual Ministra...”

Começo por recordar ao referido comentador que, como proclamou Luís de Camões, “um fraco rei faz fraca a forte gente" . Ora, atribuindo eu ao Ministério da Educação (ME) a fraca regência do sistema educativo não superior, o ensino padecerá, forçosamente, de várias maleitas por melhores, mais esforçados e dedicados que sejam os professores, apesar de não comungar de forma alguma da ideia da bondade de todos os professores, como o sistema de avaliação em vigor até bem poucos anos atrás quis fazer crer com a atribuição da classificação mínima de bom quer eles ensinassem bem ou mal, quer faltassem ou não (abro um parêntesis para lamentar novamente o facto do ME e os sindicatos docentes, sempre tão pressurosos em fazerem ouvir as suas "razões", nunca terem satisfeito o meu pedido mil vezes repetido de dar a conhecer publicamente a percentagem de professores avaliados negativamente).

Passando adiante, aponto como causas possíveis do descalabro do sistema educativo, a depreciação da Filosofia, base de todo o pensamento lógico, que deixou de estar submetida a exames nacionais, e a exclusão de grandes obras de autores portugueses consagrados, v.g., Eça, Garrett, Aquilino, que foram substituídas por resumos de duvidosa qualidade. Ademais, registo exames nacionais da Língua Portuguesa com respostas de cruzinhas tipo totobola e os maus resultados nas resoluções de problemas matemáticos, por vezes, pela não compreensão do respectivo enunciado, etc. Em resumo, a qualidade dos verdadeiros professores nada pode fazer contra programas desarticulados entre os ensinos básico e secundário porque, como escreveu Saint-Exupéry, “se cada tijolo não estiver no seu lugar não haverá construção”.

Mas passo ao cerne da questão em que o comentário em causa julga estar como peixe na água: a formação de professores. Aceito o repto que me é dirigido (pedindo desculpa para a importância que julgo ser-me atribuída na crítica que fiz a parte dessa formação), entrando no campo da regra abstraindo possíveis excepções que apenas servem para a confirmam. Dificilmente qualquer pessoa de bom senso e não menor consciência, sem fazer ruir as estruturas de uma sociedade que deve louvar o mérito e condenar o demérito, concebe que a formação de um licenciado universitário (antes de Bolonha: a.B.), por exemplo, para ministrar apenas Matemática no 2.º ciclo do ensino básico possa ser considerada de igual qualidade (como o é face a textos legais) à de um licenciado (a.B.) pelas escolas superiores de educação, ainda para mais, para ministrar simultaneamente Matemática e Ciências da Natureza. Mas, pelos vistos, há quem pretenda meter na estreita Rua da Betesga da competência diplomados oriundos do amplo Rossio da incompetência.

Depois, é um ver se te avias de alunos que chegam ao 3.º ciclo do básico sem serem capazes de resolver problemas para os quais os antigos diplomas da antiga 4.ª classe da instrução primária capacitavam, e bem! Como costuma dizer o povo, “depois da casa roubada trancas na porta”, com cursos de complemento de formação feitos à pressão para tentar minorar o pecado original de uma deficiente formação anterior desses docentes.

Isto já para não falar do caso de escolas privadas que concederam, a antigos professores do ensino primário, de posse de uma habilitação de ensino médio, diplomas de licenciatura para o ensino do 2.º ciclo do básico com a duração de escassos meses. Ninguém, como soe dizer-se, com dois dedos de testa, ou um mínimo de isenção, pode encontrar coerência e seriedade num sistema educativo permissivo, para uns e draconiano para outros, que com meras finalidades estatísticas (para consumo da Comunidade Europeia e aumento do ego dos nossos governantes) passa diplomas de licenciatura como quem passa moeda falsa.

Quanto à Ministra da Educação, como escreve, “ter andado” pelas Escolas Superiores de Educação, como disse alguém, “uma boa linguagem é a própria essência do pensamento”, convém esclarecer que apenas foi docente da ESE de Lisboa, estando habilitada com uma licenciatura e um mestrado universitários (a.B.). Em ocasião alguma me atreveria a pôr em cheque a boa fé das medidas por si tomadas, até porque as medidas sobre a formação de professores tiveram génese em consulados anteriores que a salvaguardam, em parte, da crítica de Silva Lopes, antigo professor catedrático de Economia, quando acerca da Educação escreveu: “É um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje” (Público, 10/11/2004). E esta constatação pública muito se agrava quando, passados meia dúzia de anos, pouco, ou nada, se fez para emendar os erros do passado prosseguindo, pelo contrário, na desastrada senda de a erros antigos acumular novos erros!

Last but not least, se algumas incorrecções devem ser apontadas ao artigo do “I”, o competente pedido de rectificações deve ser aí apresentado e não aos seus citadores por se tratar de um periódico de referência não susceptível de prestar favores a quem critica, como eu e em boa consciência, o estado actual do sistema educativo português. De forma alguma, como diria Eça, "de pena ao vento".

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