domingo, 4 de julho de 2010

Seleccionador nacional de futebol e jogadores: culpados ou vítimas?

“Atingir o ideal é compreender o real” (Jean Jaurès, 1859-1914).

O meu último post (02/07/2010), intitulado, “Cristiano Ronaldo Superstar”, mereceu um comentário de Sérgio O. Marques que transcrevo:

“Um treinador que consegue colocar uma vara de marretas nos oitavos de final é merecedor de consideração e estima. No entanto, não resisti em deixar aqui a marca da minha sincera e enorme satisfação com a excreção dessa quadrilha (a que chamam selecção das quinas) do mundial. Espero que fiquem de fora logo de início no próximo mundial, não importa qual seja o treinador ou seleccionador ou lá que outro nome lhe queiram dar”.

Descontando a amargura que transparece do referido comentário, numa altura propícia a críticas feitas a quente, julgo ser ele um belíssimo ponto de partida para não deixar cair no esquecimento os reais males que afectaram a participação da Selecção Nacional no Campeonato do Mundo de Futebol a decorrer na África do Sul.

Por esse motivo, eu torno a abordar uma temática que tanta tinta tem feito correr, tantas horas televisivas tem ocupado, tantas conversas de café tem merecido entre treinadores de bancada, embora não me pretenda assumir-me como árbitro de opiniões, minhas ou de outros, que possam ser tidas como fora-de-jogo.

Mas seja como for, entendo que os campeonatos mundiais de futebol se tornaram numa feira de vaidades em que são sentados no banco dos réus apenas os seleccionadores nacionais. Haja em vista todos aqueles que foram despedidos, ou se despediram de motu proprio, depois das derrotas das respectivas equipas na África do Sul.

Mas serão eles os único e verdadeiros culpados? Porventura, estarão isentos de culpa os jogadores, estrelas de um firmamento futebolístico que nem sempre cintila, que fazem deste tipo de campeonato uma feira de venda de si próprios atingindo os seus passes cifras astronómicas e, ipso facto, mandando às urtigas o jogo de equipa? Salvaguardando-se as honrosas excepções, por exemplo, de Fábio Coentrão, quem sabe se por ainda não ser uma superstar, ou o caso de Ricardo Carvalho, feito de uma argamassa ética diferente.

Com tenho escrito outras vezes, o desporto profissional corre o risco de se tornar num verdadeiro circo romano sem ter conhecido sequer o apogeu de uma educação integral helénica. A assistir, nas bancadas VIP, verdadeiros Neros que se escondem à sombra das suas responsabilidades, enquanto na arena seleccionadores e jogadores se tornam pasto de verdadeiras feras que enchem as bancadas e tudo exigem deles, passando das palmas aos assobios, num abrir e fechar de olhos, já que não podem exigir o sacrifício das suas vidas, em desforço de uma nação humilhada.

E, desta forma, são esquecidos os aumentos de impostos, um serviço nacional de saúde deficiente e deficitário, um ensino que não ensina, uma economia que decresce e, principalmente, o aumento de desemprego - o maior flagelo de qualquer sociedade. Ironicamente, são, por vezes, estas as bandeiras de solidariedade e êxito governativo agitadas em mãos de uma sociedade em que os pobres deste mundo de Cristo estão cada vez mais pobres, a classe média passou a pobre e os ricos estão cada vez mais ricos por aqueles que mandam apertar o cinto por usarem suspensórios. Poderia a nossa selecção de futebol fazer melhor?

Escreveu José Esteves, em “O desporto e as estruturas sociais” (Prelo Editora, Lisboa, 1967, p. 15): “Só há uma forma de entender o fenómeno desportivo: na perspectiva das estruturas sociais. O que há de característico e fundamental no desporto é, justamente, o que define e caracteriza a sociedade em que ele se realiza”. Assim, renovo a pergunta: “Poderia a nossa selecção fazer melhor?” Só por milagre. E os milagres não acontecem todos os dias. Por isso, mesmo, é que são milagres.

O seu comentário, meu caro Sérgio O. Marques, suscitou, em boa hora, uma discussão, que seria conveniente ser alargada o mais possível, em que a substituição de um jogador feita por Carlos Queiroz no jogo entre Portugal e Espanha se assemelha a uma discussão do tipo de mezinha de curandeiros para uma simples borbulha numa carne apodrecida pela gangrena dos reais problemas que afectaram a nossa participação no Campeonato Mundial de Futebol da África do Sul. Ou seja, processos kafkianos para entregar numa bandeja de prata a cabeça de Carlos Queiroz e, assim, calar os descontentes, os treinadores de bancada e os próprios ingénuos.

A preparação do próximo Campeonato Europeu de Futebol bate-nos à porta. As agruras da vida serão esquecidas, por discussões sobre a escolha dos seleccionados, e tudo voltará à paz podre do dia-a-dia até que as bancadas dos estádios do mundo, ou apenas da Europa, se encham de novo, ainda que mesmo no esquecimento das sábias palavras de Stephen Covery: “Se continuarmos fazendo o que estamos fazendo, continuaremos conseguindo o que estamos conseguindo”.

8 comentários:

Anónimo disse...

Não tem nada a ver com este post, mas venho apresentar uma sugestão. Tenho lido e visto na tv notícias sobre pessoas que em Portugal e no Estrangeiro vivem sem comer.Umas alegadamente por auto-educação (não sei como hei-de designar); e outras na sequência de acidentes, que lhes "desarranjaram" o cérebro.

Porque é inegável a realidade dos factos, já que essas pessoas foram testadas, isoladas e vigiadas, e não ingeriram nada nem excretaram nada, como pode explicar a Ciência tais factos?

Obrigado, e queiram desculpar a falta de termos adequados, pois não tenho formação científica.

Eduardo M.

Rui Baptista disse...

Caro Eduardo:

Esperemos que haja alguém que nos possa elucidar sobre uma notícia televisiva que me parece não ter qualquer suporte, sob o ponto de vista científico.

Mas lá que dava jeito, dava numa altura em que os baixíssimos ordenados mal dão para prover o sustento do dia-a-dia. Ou, em certos casos, de pobreza extrema, levam à procura de alimentos nas sobras dos contentores em desumanidade para os próprios vira-latas.

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Rui Baptista: "mutatis mutandis", de vilões se tratando, ocorre-me este verso:

De um João Brandão,
por muito que às senhoras beije a mão,
não se pode fazer, diz o rifão,
um cavalheiro de salão!

JCN

Carlos Medina Ribeiro disse...

Guardo como verdadeira relíquia (ou Bíblia?) o livro - aqui referido - do Prof. José Esteves, que devia ser de leitura obrigatória para muito boa gente, a começar por todos os candidatos a comentadores "desportivos"...

Tenho apenas um exemplar (velhinho e muito anotado) e não consigo encontrar mais nenhum, nem mesmo em alfarrabistas. Se alguém souber quem tenha algum para venda, agradeço que me informe.

Rui Baptista disse...

O livro que refere tem uma nova, e recente edição, publicada pela Universidade Lusófona que atribuiu o doutoramento “honoris causa” a José Esteves, aliás, igualmente atribuído pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa.

Carlos Medina Ribeiro disse...

Caro Rui Baptista,

Obrigado, vou então procurar!

Abraço

CMR

Rui Baptista disse...

Caro Carlos Medina Ribeiro:

O seu comentário a uma personalidade que ambos muito apreciamos servirá de motivo para a redacção de um post meu a ser publicado brevemente.

Um abraço
Rui Baptista

Adelino disse...

Drº Rui
Após algumas leituras e reflexões,continuo sem respostas, quedando-me em meras hipóteses.
Asim: Será que os "jornalistas" ditos desportivos que escrevem "umas Larachas" ao gosto de "Alguns" que de desporto apenas vêem os golos, os resultados finais,os Euros que saíem e entram, a FOFÓQUICE" e o maldizer?
Será que a estatística dos resultados e das transferências é o mais importante?
Quantos se interrogam porque é que um atleta falha uma determinada marca ,um ponto ou um golo?
Apesar dos prémios que cada um recebe, quantos é que estão motivados para o objectivo do grupo?
Quantos falam da parte biomecânica do atleta?
Quantos leram arigos ou livros aém do autor mencionado de Pr. DrºJorge Teixeira de Sousa, Prof. Drº Jorge Bento, Prof Drº António Marques,K.P.Jarov,entre outros?
Sei, que para mim como profissional ligado às prática de actividades físicas,se torna díficil perceber determinados testos.

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Adelino

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