quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins" e Ordem dos Professores (2)

De Herodes para Pilatos prosseguiu o SNPL a sua acção constante e concertada, de que dei notícia, na então minha qualidade de presidente da respectiva Assembleia Geral (de que me demiti aquando da entrada deste organismo sindical na chamada Plataforma de Sindicatos em comunhão com a Fenprof e mais de uma dezena de sindicatos), num artigo, a página inteira, publicado no Jornal de Notícias, de 8 de Março de 2006, intitulado “Ordem dos Professores e AR”, que transcrevo na íntegra:

"O exercício da política pode ser definido com uma só palavra dissimulação"- Benjamim Disraelli.

Em 17 de Julho de 92, noticiavam os jornais a conferência de Imprensa dada pelo Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL) para a criação de uma Ordem dos Professores (OP). Anos depois (20 de Junho de 1996) é entregue pelo SNPL na Assembleia da República uma pequena brochura contendo uma Proposta de Estatutos da Ordem dos Professores. Em 25 de Fevereiro de 2004, apresenta a supracitada organização sindical, também aí, uma petição com 7857 assinaturas para a criação da OP. Finalmente, em 2 de Dezembro do ano passado, foi debatida, na Assembleia da República, a petição n.º 74/IX (2.ª) do SNPL e outros.

No referido debate, a própria deputada do PCP, Luísa Mesquita, não se escusa em reconhecer: "Hoje, havendo condições para a inversão deste processo, a verdade é que, até hoje, apesar dos momentos críticos, mesmo de crise, na educação - e, sobretudo, no seio dos profissionais, os professores -, nunca se procedeu à codificação formal de regras deontológicas e para a tal formulação de uma ordem e de um código, considero que outros são os caminhos que os professores terão de percorrer para garantir, e mesmo exigir, a dignidade da função que exercem".

O deputado do Bloco de Esquerda João Teixeira Lopes, numa intervenção blasé de cábula que não se dignou fazer os trabalhos de casa marcados por um professor demasiado permissivo ou até banazola, apresentou como motivo impeditivo para a criação da OP este esfarrapado argumento: "A docência é um serviço público e, como tal, compete ao Estado, antes de mais, definir os critérios de acesso à profissão, bem como os códigos ético e deontológico". Exemplo acabado de um atestado de menoridade passado aos professores pela incapacidade de se auto-regularem como o fazem outras profissões com o estatuto de serviço público como a dos médicos, por exemplo!

Por seu turno, declarou o deputado João Bernardo, do Partido Socialista "A criação de novas ordens, no momento em que o poder das mesmas, em Portugal, precisa de ser reflectido e devidamente estruturado numa lei-quadro que estabeleça de forma criteriosa as suas funções e as suas competências, que não se confundam com os legítimos representantes dos interesses laborais das diversas classes profissionais, deve ser muito bem ponderada". Sendo este deputado vice-secretário- geral do SINDEP seria de estranhar não ser ele porta-voz de um determinado sindicalismo docente que vê na criação da OP um verdadeiro papão, pese embora a legislação existente não deixar lugar a dúvidas sobre as competências das ordens e dos sindicatos representando estes apenas uma percentagem da classe docente pulverizada por ideários políticos diferentes e/ou interesses profissionais dissemelhantes. A própria Constituição Portuguesa ressalva, no respectivo Art.º 267, n.º 3, que as associações públicas, logo as ordens profissionais, "não podem exercer funções das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos" .

Por seu turno, o deputado Fernando Antunes, do PSD reconheceu que "a ambição de criar uma ordem dos professores surge, pois, aliada a um forte sentimento de união de classe, responsabilizando-a face a esse importante desígnio nacional que é a educação". Condiciona-a ao facto de "haver um longo caminho a percorrer, desde logo o preenchimento de premissas que julgamos absolutamente essenciais, como seja a existência de um amplo consenso entre todos os intervenientes no leque enorme de abrangência do exercício da docência". Ou seja, lança o apelo aos professores para que se manifestam se estão, apenas, atidos a interesses sindicais, como sejam reivindicações de natureza laboral estipuladas em lei (questões salariais, horários de trabalho, assistência social e idade de reforma) ou se, pelo contrário, estão também na disposição de contribuir para a dignificação da profissão de professor, respectiva titulação e melhoria do nível da Escola portuguesa no competitivo contexto da Comunidade Europeia numa altura em que o ensino anda nas bocas nacionais e em estudos comparativos com outros países europeus pelas ruas da amargura!
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Finalmente, o deputado do CDS/PP Abel Baptista foi claro e incisivo na sua intervenção de que respigo: "Ao contrário do que diz o Partido Socialista, entendo que a criação da Ordem dos Professores acrescentaria, desde logo, a dignificação da actividade docente que, ultimamente, tem andado muito mal e sido criticada pelo actual Governo". E acrescentou: "Nesta medida, julgamos que a Ordem dos Professores pode e deve ser criada".

Pelo exposto, em função (apenas) de factos que o jornalismo anglo-americano tem como sagrados, e ao contrário do que alguns querem fazer crer e deixaram em letra impressa, recentemente, em artigo de opinião nestas colunas (8/Fev/2006), "não foi a ideia de uma ordem para os profissionais docentes larga e duramente criticada" (sic)! Apenas foi vítima de uma pontual ambiguidade parlamentar de "dar uma no cravo e outra na ferradura"!
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Até aos dias de hoje, medeia uma década da primeira medida oficial do SNPL para a criação da OP. Se tivermos em linha de conta que a iniciativa para a criação da Ordem dos Economistas remonta ao início da década de 50, o caminho a percorrer pelos professores poderá e deverá ser facilitado se, sem peias sindicais ou de qualquer outra natureza, rejeitarem, como escrevi em tempos, "a submissão a uma tutela estatal, ulcerada de injustiça e com pústulas de compadrio, que parece não querer abdicar do papel de mãe galinha de medíocres, madrinha de oportunistas e madrasta dos de maior merecimento"!

Segundo, o caderno “Ípsilon” do jornal Público (09/07/2010), que publica, em duas páginas com algumas gravuras, uma extensa e detalhada análise crítica deste dicionário histórico,” durante este ano serão ainda publicados os primeiros de oito dicionários reunindo os diferentes temas, com entradas mais desenvolvidas em relação à versão inicial”. É chamada, ainda, aí a atenção para “pormenores, todos eles, a merecer revisão nas futuras edições parciais”. Com toda a justiça e em nome da verdade dos factos, entendo que a acção do SNPL em prol da criação da Ordem dos Professores merece ser contemplada nessa revisão.

Existem actualmente catorze ordens profissionais (e perfilam-se no horizonte outras), duas delas, aquando da sua criação, integrando parte de profissionais não licenciados, como, por exemplo, as ordens dos enfermeiros e dos técnicos oficiais de contas.
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Apesar do filósofo espanhol e professor de Ética da Universidade Complutense de Madrid Fernando Savater ter considerado “professores e professoras como a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático”, será, porventura, o ensino em Portugal uma actividade profissional a merecer pouca, ou nenhuma, atenção das entidades oficiais, do poder político e dos próprios profissionais?

9 comentários:

Jorge Pires Ferreira disse...

O "Ípsilon" é do "Público"

Rui Baptista disse...

Caro Jorge Pires Ferreira:

Obrigado pela correcção. Vou já fazer a devida correcção. cumprimentos cordiais.

Rui Baptista disse...

Já agora, cumpre-me esclarecer que o jornalista autor do notável artigo do caderno "ípslon" (com letra inicial minúscula)do Público se chama António Marujo.

joão viegas disse...

Caro Rui Baptista,

Muito obrigado pelos dois posts, interessantes e informativos. Tentando elevar o debate, que não me parece ter nada a ganhar com a sua inevitavel ligação a questões de estratégia politico-partidaria, quero apenas fazer dois reparos, que são acima de tudo duas interrogações :

1. Não me parece que exista incompatibilidade de principio entre a existência de uma ordem e a existência de um sindicato. São duas coisas distintas que têm alias funções complementares. Um sindicato tem por missão velar pelos interesses profissionais de uma categoria de trabalhadores, normalmente para negociar condições de trabalho com a entidade patronal. Salvo erro (mas não resido em Portugal, portanto posso estar enganado nesse ponto) não existe apenas um sindicato de professores, e menos ainda um sindicato abarcando todas as categorias de professores (do publico, do privado, etc.), cujos interesses meramente profissionais não são inteiramente coincidentes. Ja uma ordem é outra coisa. So tem sentido se for unica. Pretende velar, não pelos "interesses" dos professores, mas pelo respeito das regras deontologicas que caracterizam a profissão no seu todo. Estas regras não visam principalmente proteger os membros da profissão, visam antes proteger o interesse publico, ou seja impedir que os profissionais percam de vista a utilidade social do seu ministério. E' claro que os bons profissionais também têm "interesse" no cumprimento dessas regras deontologicas, porque um bom médico, um bom advogado, um bom veterinario, tem interesse em que os charlatães não se reclamem impunemente da sua arte, mas estas regras não têm por objecto principal assegurar os seus interesses particulares, e até podem às vezes implicar que esses interesses particulares sejam sacrificados em beneficio do interesse publico. Um médico, um advogado, um veterinario, etc., também tem obrigações deontologicas, para com a sociedade, e essas obrigações fazem parte da sua deontologia. São pois regras cujo respeito não diz apenas respeito aos membros da ordem profissional, mas à sociedade inteira. E' perfeitamente possivel, e até salutar, existirem simultaneamente uma ordem profissional e um ou varios sindicatos profissionais. Pode mesmo haver inter-acção entre eles : por exemplo na medida em que os sindicatos propõem candidatos aos orgãos representativos da ordem.

(continua)

joão viegas disse...

(Continuação do comentario anterior)

2. Pelas razões expostas acima, a questão de saber de onde emanam as regras não me parece realmente crucial e pode até ser considerada como metafisica. Em principio, as regras deontologicas nascem da tradição e da historia, ou seja do comportamento dos profissionais que deram consistência e sentido social à sua actividade profissional. No entanto, é frequente, e inteiramente legitimo, que estas regras sejam sancionadas por uma lei (muitas vezes elaborada apos consulta dos profissionais), o que lhes confere um valor superior e uma força vinculativa que se justifica pelo facto de serem também de interesse geral. Um exemplo : o segredo profssional é uma regra deontologica (e começou por ser apenas isso), mas é também uma regra penal, isto porque a sociedade no seu todo tem interesse em que os cidadãos que se dirigem a um médico, ou a um advogado, o façam em condições de plena confidencialidade e na certeza de que as informações que dão ao profissional que consultam não irão ser divulgadas. Assim se explica que existam codigos deontologicos que constam de diplomas legais, o que apenas significa que a que a sanção do seu cumprimento, em vez de ser deixada unicamente ao cuidado dos orgãos ordinais, é confiada aos tribunais comuns. Existe depois outra questão, diferente, que consiste em saber em que medida os profissionais devem ser consultados na elaboração das regras que fazem da sua deontologia uma norma geral, invocavel por quaisquer cidadãos. Parece-me obvio que a prudência manda que os profissionais sejam associados à elaboração desse tipo de normas legais, e parece-me ser o que se passa na pratica em todos os casos, da mesma forma que os profisionais também devem ser, e são, consultados para a elaboração das regras de acesso à profissão, etc. No entanto, esta regra de prudência não deve ocultar que existe um interesse geral, de todos os cidadãos e não apenas dos profissionais que exercem a profissão, em definir as regras basicas de exercicio da profissão. Isto porque uma profissão – e por maioria de razão uma profissão LIBERAL, conceito que implica que o seu exercicio beneficie a todos – não é apenas uma fonte de rendimento para aqueles que a exercem. Tem um valor social, que lhe da sentido util e que é sempre o que devemos ter em conta quando estamos a falar de deontologia, sob pena de esvaziar completamente de sentido esta palavra tão importante quanto nobre.

Desses dois pontos deduzo que a oposição entre os partidarios de um (ou varios) sindicatos e os partidarios de uma ordem, é largamente artificial e não corresponde a nenhuma dificuldade substancial. Não vejo nenhuma razão para colocar a questão em termos alternativos. Se me posso permitir dar um exemplo pessoal, eu sou, simultaneamente, membro de uma ordem e membro de um sindicato. Acho imprescindivel ser membro de uma ordem, porque considero exercer uma profissão que seria desvirtuada sem deontologia, e considero importante fazer parte de um sindicato, porque é legitimo velar colectivamente pelos interesses dos profissionais que exercem esta arte, uma vez que se não nos preocuparmos com isso, teremos uma belissima profissão no papel, sem nenhuns profissionais para a exercer na pratica. Mas sei que, no dia em que os meus interesses profissionais passarem à frente dos regras deontologicas da minha profissão, deixara necessariamente de fazer sentido continuar a exercer esta profissão. E sei que o primeiro dos meus interesses, mesmo pessoal, é nunca perder isto de vista…

Desculpe este longo cometario. Oxala possa ajudar a esclarecer a questão, que no meu entender é tão importante quanto melindrosa.

Anónimo disse...

O comentário de João Viegas acrescenta interesse e reflexão a questão. Mas ou entendi mal, ou parece-me que Rui Baptista não advoga a exclusão de sindicatos em função de uma Ordem, os sindicatos existentes, nomeadamente a Fenprof, é que se antagonizaram com a possibilidade de uma Ordem de Professores.

Abonimo o discurso partidarista porque tenho todo o sentido de realidade em relação aos políticos. Mas uma Ordem é necessariamente apartidária, essa independência é incontornável quando se viabilizam códigos deontológicos. E estou plenamente convencida de que a profissão de professor só poderá voltar a fazer sentido através de uma Ordem que a reconcilie com a sua verdadeira natureza que é simultaneamente o conhecimento e a sua transmissão, logo, de interesse público - com profundíssimas conseqûências para o devir da humanidade.

No entanto, pelo que me aprecebo, os profissionais que a poderiam implementar estão unicamente preocupados com questões salariais e pouco mais. E não lhes interessa um Ordem poque também o conhecimento não lhes acende a alma nem lhes estimula a curiosidade.

HR

Rui Baptista disse...

Tenho seguido com muito interesse os valiosos comentários sobre a criação da Ordem dos Professores. Julgo ser uma altura soberana para os professores deixarem de constituir um grupo profissional que procura criar sindicados a eito e sem jeito, como quem procura uma solução dos problemas e não a encontra,para resolver questões pontuais que lhes dizem directamente respeito de vencimento de mais uns tostões salariais ou de menos uns minutos de natureza laboral.

Gostaria que os docentes que se não manifestam em ocasiões como estas deixando as coisas correr como se fossem escravos acorrentados a interesses sindicais apresentassem as razões da sua passividade em deixar correr o marfim. Será que interesses pessoais se devem sobrepor à Educação dos nossos jovens?

Em devido tempo, responderei aos comentários que forem sendo feitos mesmo àqueles, ou precisamente mesmo a esses, que apresentem razões acerca da sua posição anti-ordem, com a ressalva do argumento de que estou contra a criação de uma Ordem dos Professores, "porque SIM!"

Anónimo disse...

Deus queira que a Ordem não acabe em Desordem! Que bom seria, caro Dr. Rui Baptista, que o marfim corresse em abundância em nossas vidas... tão carentes de pão para a boca! JCN

Rui Baptista disse...

Meu Caro Professor JCN:

Mais desordem que a actual?

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