quarta-feira, 28 de abril de 2010

Vem recriar a tua interpretação de forma lúdico-pedagógica

No dia 10 de Junho próximo, a revista Forum Estudante comemora, pela primeira vez, o Dia da História, o que se traduz num concurso nacional dirigido a alunos do 3.º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário. Essa iniciativa, que decorre durante todo o dia, terá por cenário o Castelo de S. Jorge, em Lisboa.

Se o leitor estiver a par do modo como é (mal)tratada a História nos sistemas educativos ocidentais, não poderá deixar de pensar: excelente iniciativa e excelente sítio!

O sítio é, na verdade, excelente, mas a iniciativa...

Explico o que justifica as minhas reticências, tomando a liberdade de sublinhar as expressões que entendo serem contestáveis:

"Vem recriar a História de Portugal. Com a tua Escola, escolhe um facto da nossa História e através do teatro, da música, da dança ou da internet, vem apresentar a tua interpretação..."

"tem por objectivo proporcionar um aprofundamento do conhecimento da História de Portugal, de forma lúdico-pedagógica e em clima de festa."

E são contestáveis porque podem desencadear equívocos por parte dos alunos, o que se deveria pugnar por não acontecer. Explico:
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Por um lado, é possível os alunos entenderem que, não obstante a sua condição de aprendizes, podem, com legitimidade, fazer, ter e apresentar publicamente "a sua interpretação" de factos históricos. Ora, a interpretação de factos históricos deve estar reservada aos especialistas que, em virtude de os terem estudado e de, por isso, os conhecerem a fundo, têm legitimidade para se pronunciarem interpretativamente acerca dos mesmos. Logo, quem dá os primeiros passos no conhecimento dos factos históricos deve, neste tipo de circunstância, representá-los; não recriá-los segundo a sua versão. Dar-lhes a entender o contrário é enganá-los ou enganarmo-nos.
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Por outro lado, o lúdico e o pedagógico têm um lugar distinto, ainda que fundamental, na vida dos jovens. O lúdico não é suportado, nem tem de ser, em conhecimento científico; o pedagógico não pode deixar de o ser.
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Neste passo, devemos perguntar quem apoia esta iniciativa? Quem a apoia é o Ministério da Educação através da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular; a Câmara Municipal de Lisboa através dos pelouro da Cultura e Turismo e da Educação e Juventude; do Castelo de S. Jorge; a Associação de Professores de História e o Centro de Estudos de Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, da Universidade Católica Portuguesa.
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A sociedade portuguesa, portanto!
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Para mais informações sobre o assunto, consultar o sítio da DGIDC.

3 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Ora, bem me parecia que iniciativas destas tinham que ter o apoio de alguma entidade inovadora...
São inovações destas e doutras que temos tido há décadas, com os resultados que todos conhecemos, e que têm responsáveis, mas em que as culpas vão direitinhas para os coitados dos professores. Como se eles mandassem alguma coisa ou fossem ouvidos por alguém.

Armando Quintas disse...

Todos os dias se recria a história à maneira de cada um, tantas vezes recriada e reciclada que muitos já nem sabem qual a versão original.

Andam pra ai muitos artistas armados em historiadores e muitos historiadores que dão erros ortográficos em cada frase que escrevem!

A história não serve só para dar aulas, serve para muita coisa, investigação, projectos diferentes, reabilitação, intervenções de paisagens, etc..
Processos que são executados ostracizando-se a importância dos historiadores dão burradas, há uma mania que os arquitectos ou engenheiros civis sabem tudo!

A fct também contempla verbas para projectos de investigação histórica, das mais diversas temáticas, podem ir à torre do tombo que encontram lá muita malta a desvendar os segredos dos documentos, mas também por esses arquivos distritais fora e bibliotecas publicas..

Infelizmente não se dá o devido valor às coisas, a história não é excepção, quantas vezes se perde a memória porque é extinto um organismo ou uma escola e a documentação de arquivo vai para o lixo ou para a fogueira, bem como se destroem estruturas por esses campos ou cidades sem consciência que valem mais que as possíveis moedas que se encontrem e a ignorância leva tantas vezes a destruir estruturas onde nunca haveria ouro ou prata como as estruturas pré históricas antes da utilização dos metais!

Ao se legitimar processos como o descrito acima estamos a dizer às pessoas que a história é o que quisermos que seja, isto aliado a obras de carácter duvidoso que se dizem de história e se vendem por ai, então estamos mesmo no mau caminho!

Ana disse...

Peço desculpa pela intromissão, mas penso que está em causa (como em muitas outras questões), apenas (parece-me, pode contudo parecer-me mal :) ) a semântica. No site indicado, encontra-se a seguinte frase:

"Da iniciativa da revista Fórum Estudante, o Dia da História é um concurso nacional de trabalhos de recriação de factos da História de Portugal, dirigido a alunos do 3º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário, e que tem por objectivo proporcionar um aprofundamento do conhecimento da História de Portugal, de forma lúdico-pedagógica e em clima de festa."


Portanto, fala-se de recriação de factos históricos e da interpretação de factos históricos do ponto de vista artístico, não cientifico ou factual.

No campo da arte, nomeadamente Teatro, Cinema, Música, que nome se dá ao actor ou cantor? Intérprete. E este faz o quê? Uma interpretação artística.

Portanto, penso que a palavra interpretação está a ser descontextualizada e mal...interpretada :).

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Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...