sexta-feira, 30 de abril de 2010

"Classroom chaos": Escola 4

Texto na continuação de outros aqui publicados.

A professora, autora do documentário Classroom Chaos, confronta alguns dos registos vídeo que efectuou a outros professores, que referem ter as mesmas experiências em contexto de sala de aula

Não consegui entender-me com algumas raparigas quanto aos trabalhos a fazer e que a professora já tinha distribuído.

Professora: Era para fazer tudo…Tem calma!
Aluna: Estou calma! Se não estivesse, desatava aos gritos por aí, f…!
Professora: Estar calma é isso? Tenham calma, as outras!
Aluna: Sei o que tenho de fazer. Queres mandar em nós, mas a nossa stôra já disse o que tínhamos de fazer…
Aluna 2: Disse sim.
Professora: Importam-se de acalmar?
Aluna: Vou acalmar-me, stôra. Vou contar até dez…

Posso ser uma professora incompetente, que está “enferrujada” e desfasada da realidade, dos novos métodos de ensino, até aceito isso. Mas, quando se é professor substituto, as desvantagens estão todas contra nós: não conhecemos a escola, nem sequer sabemos as matérias que vamos ter de dar e, sobretudo, não conhecemos os alunos. Toda a gente sabe que os jovens provocam os professores substitutos, mas também sei que o nível de perturbação nas salas com que me tenho confrontado está bastante generalizado. Mostrei as gravações que fiz a professores de carreira.

Professora de História: É uma situação que se repete todos os dias. Os professores não ficarão surpreendidos ou chocados. Dirão que é a rotina diária que têm de enfrentar. Também passei por um incidente grave como esse, sozinha, numa sala de aula. Tinha um aluno que tinha agredido um docente na véspera, que teve de ficar em casa. Atravessou a sala de aula, enquanto eu estava a ralhar com um aluno, e começou a agredir um outro rapaz.

Não me limitei a falar com outros professores sobre o problema da indisciplina dos estudantes, também consultei os relatórios publicados recentemente. Vamos espreitar este. É um estudo de 2004 sobre as escolas escocesas e revela que 99% dos docentes referem o problema de os alunos estarem sempre a conversar ao mesmo tempo. 95% Dizem ter alunos a impedir os colegas de estudar. 94% Denunciam os alunos que comem e mastigam pastilhas, na sala de aula. Tenho aqui outro relatório da Universidade de Warwick. Revela que 81% dos professores dizem ter de enfrentar perturbações constantes durante a aula. Vamos ver este relatório da Universidade de Cambridge. Sabem qual é o principal problema relatado pelos professores? A indisciplina dos alunos. É o principal problema. Para onde quer que se olhe, a “música” é sempre a mesma. Não são professores substitutos. São professores a tempo inteiro. O problema não se resume unicamente a estas estatísticas, mas também os comentários de alguns docentes com os quais me identifiquei. Um diz que o simples acto de dar uma aula é uma luta constante. Tem toda a razão, na minha opinião. Este comentário foi feito por uma professora que entretanto desistiu da carreira de docente: “Era considerada como uma professora forte, mas a verdade é que me senti constantemente insegura e, por fim, nunca fui tão injuriada como nos últimos 12 meses.” São acusações graves!

Continuo na quarta escola. Sou chamada para dar uma aula de Artes, uma disciplina em que não estou particularmente à vontade.

Professora de História: Temos de lidar com noções tão básicas de disciplina como obrigá-los a sentarem-se… a levantar a mão antes de começar a falar.

Professor de Química: A segurança que se ganha em saber exactamente aquilo que os alunos conseguem e não conseguem fazer, pode expor a indisciplina típica destes jovens.

Mais tarde, nessa mesma manhã, pediram-me para dar aulas de Inglês a uma turma pequena de alunos com 13 anos. Até pensei que estava a reconstituir as lutas da Muralha de Hadrian, entre os Romanos e os nativos, depois de ver livros, caixas, bolas de papel pelo ar e que eram atirados uns contra os outros. Não conseguia impedi-los. Estiveram o tempo todo naquilo. Cheguei mesmo a ter de “montar guarda” junto à porta para impedir que alguns alunos saíssem. Ainda tentei pedir ajuda a algum professor que estivesse por perto, mas não vi nenhum, e conclui que não os podia travar. Um dos rapazes começou a passear pela sala de aula, batendo com a cabeça nas paredes. Chegou mesmo a intimidar-me e a ameaçar-me.

Aluno: Se não nos deixares sair…

Houve outro miúdo que disse que eu o tinha insultado, o que era completamente falso.

Professora: Podem parar?
Aluno: A stôra insultou-me, pessoal.

Alguns estudantes pensam que podem ameaçar os professores com queixas e denúncias à polícia, com notificações e processos.

Aluno: F…! Se me tocares… Já que me tocaste, vou já “tratar” de ti.
Professora: “Não te quero ver nem de longe, Jim!”

Era uma grande mentira. Conheço bem as regras do jogo.

Aluno: O que é que eu fiz?
Professora: A turma inteira pode…
Aluno: Por causa do quê?

Professora de História: É-nos dito que não podemos tocar no aluno. Nós é que somos os responsáveis. Nas escolas onde leccionei, os professores do sexo masculino nunca ficam sozinhos com as alunas. As professoras têm um pouco mais de “margem de
manobra.

Aluno 1: “Qual é a tua meu?”
Aluno 2: “Ela está a dizer mentiras.”

No fundo, quer dizer que temos de andar em terreno frágil”, e, quando isso acontece, não conseguimos disciplinar crianças. Parece-me que é um “pântano de pestes”.

Professora: “Não consigo ouvir o que as pessoas estão a dizer.”

A avaliação desta escola reconhece que alguns alunos manifestam um comportamento inaceitável, mas a verdade é que o dia que passei aí tive problemas em todas as turmas.

Escola 4: Avaliação disciplinar detectou alguns problemas. No geral, o comportamento é satisfatório (Novembro de 2002).

PÂNICO NO CLIMA EUROPEU


Minha crónica no "Sol" de hoje (na imagem um dos balões dos irmãos Montgolfier):

A recente crise atmosférica com origem no vulcão de Eyjafjallajökull, no Sul da Islândia, e que lançou o caos nos aeroportos da Europa esteve longe, bem longe, de ser a mais grave das crises do mesmo tipo na Europa. De Junho de 1783 a Fevereiro de 1784 a erupção de um vulcão com um nome mais simples de pronunciar, Laki, a cerca de 140 km do primeiro, originou um nevoeiro seco por todo o continente europeu, de Lisboa a Moscovo. O fenómeno foi mesmo reportado no Rio de Janeiro por um astrónomo português, Bento Sanches Dorta.

O livro “Terra. Acontecimentos que mudaram o mundo”, de Richard Hamblyn, acabado de sair na Bertrand Editora, dedica todo um capítulo ao evento com o título “Pânico no clima da Europa, 1783”. Os efeitos das cinzas lançadas pelo vulcão foram avassaladores, com um Verão de tal forma encoberto que se podia olhar directamente para o Sol sem prejudicar a vista e um Inverno que foi dos mais frios da história: as cinzas vulcânicas causaram um arrefecimento global, contrariando o conhecido efeito de estufa, uma vez que elas impediam não só a luz como o calor do Sol de chegar à superfície terrestre. O cheiro sulfuroso sentia-se em Paris e noutras cidades europeias. O pânico foi generalizado. Há quem opine que teria sido por causa dos prejuízos causados na agricultura em França, que, passado meia dúzia de anos, se deu a Revolução Francesa...

Na Islândia, devido, directa ou indirectamente, à erupção do Laki, que causou o maior fluxo de lava de sempre, morreram cerca de dez mil pessoas, quase um quarto da população, um vlor que só fica atrás do número de vítimas do Vesúvio, no ano 79 depois de Cristo, no cômputo de todas os fenómenos vulcânicos havidos na Europa. A Dinamarca, que administrava a Islândia, chegou mesmo a pôr a hipótese de abandonar a ilha.

O primeiro cientista a relacionar o clima anormal na Europa com o vulcão na Islândia foi Benjamin Franklin, o inventor do pára-raios, na altura embaixador americano em França, com residência perto de Paris. Tornou-se assim pioneiro dos estudos sobre a relação entre poluição atmosférica e alterações climáticas. Não podia na época haver perturbação da aviação devido à perturbação atmosférica pela simples razão de que ainda não havia aviões. Mas foi nesse mesmo ano que ocorreram as famosas experiências francesas de ascensão em balão, de que o Padre Bartolomeu de Gusmão tinha sido pioneiro muitos anos antes. A 4 de Junho de 1783, os irmãos Montgolfier efectuaram, em Annonay, no Sul de França, uma primeira exibição pública do seu balão, à qual, em 21 de Novembro, em Paris, se seguiu o primeiro voo tripulado, presenciado por Franklin. O nevoeiro que toldava o Velho Continente não impediu o vasto público de ver esses engenhos subirem no céu...

A guerra

Como é habitual destacamos à sexta-feira a coluna de opinião de José L. Pio de Abreu, no "Destak":

Parece que a direita americana, derrotada nas eleições, se transferiu para Wall Street. Para já, tem andado a evitar a discussão no Senado do projecto de lei de regulação dos mercados proposto pelos democratas e que, segundo Obama, poderia evitar novas crises.

Entretanto, os mercados estão mais predadores do que nunca. Os produtos tóxicos e as instituições que produziram a crise recente estão a laborar de novo sem freio. E aqueles que foram salvos pelos Estados e seus contribuintes destroem agora os seus salvadores.

Estamos a senti-lo na pele. Existe uma guerra declarada à Europa que pode alastrar a todo o mundo à velocidade dos cliques electrónicos. Pouco importa para os republicanos, para a elite endinheirada, ou para quem colocou o Iraque em guerra.

Pouco importa para a direita americana e seus cúmplices locais. Mas importa para os europeus, sejam de direita ou de esquerda. Declarada que nos foi a guerra, estamos todos no mesmo barco.

Muitos dizem que a distinção entre direita e esquerda está agora esbatida. Ela foi clara no tempo do nazismo e dos fascismos do século XX. Existia então uma guerra, perante a qual havia que tomar posição. A guerra do século XXI está aí de novo e, com ela, a distinção entre a direita, representada pelos agentes de mercado, e a esquerda, representada pelos agentes da política. Por outras palavras, estamos numa guerra entre o capital e a democracia.

O capital atacou de surpresa e ganhou as primeiras batalhas. Haverá destroços, mas espero que a democracia acabe por vencer.

J.L. Pio Abreu

PLANO INCLINADO COM PAULO GUINOTE



Quem ainda não viu o último "Plano Inclinado", com o convidado Paulo Guinote a falar sobre a educação em Portugal, pode ver aqui.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Sílvio Lima e o Desporto

“Eu não tenho o meu corpo, eu sou o meu corpo” (Gabriel Marcel, 1889-1973).

Em frutuoso acervo de artigos, comentados em louvável labor académico, foi publicada recentemente uma tese de mestrado, orientada pelo professor catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, José Boavida, em livro intitulado “Sílvio Lima e o Desporto”, da autoria de Pedro Falcão, licenciado em Filosofia por essa universidade.

Debruçou-se o seu autor, de forma exaustiva, sobre o riquíssimo espólio, de várias matizes temáticas, da obra de Sílvio Lima (1904-1993), professor universitário de Filosofia da Universidade de Coimbra e investigador da área de Sociologia e das Ciências da Educação, com um extenso acervo de artigos (97) publicados no jornal portuense “O Primeiro de Janeiro”, entre os anos de 39 a 43, cuja riqueza envolve matérias de frondosa árvore de que colho títulos como estes: “Reflexões Críticas Sobre o Desporto”, “Desporto e Sociedade”, “Desporto, Mocidade e Velhice”, “Desporto e Ciência”, "Medicina Desportiva”, “Desporto e Economia” e “O Desporto e a Beleza”.

A publicação deste livro ficou-se a dever ao director da Imprensa da Universidade de Coimbra, João Gouveia Monteiro, professor da Faculdade de Letras, que assim deu um testemunho público do interesse da "Velha Torre" das margens do Mondego pelas “coisas” do corpo. Aliás, como o acontecido anteriormente, quando esta vetusta academia acolheu em seus claustros a sua oitava faculdade, a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, que encontrou no seu antigo Reitor da Universidade de Coimbra, Rui de Alarcão, ao tempo professor da sua Faculdade de Direito, um entusiasta para a sua criação, facto que é da mais elementar justiça relevar numa época que pouco prima pelo reconhecimento de que o desporto, segundo Sílvio Lima, “é uma questão grave (grave, quer dizer etimologicamente, pesada) que só parece leve aos de cabeça leve como o sabugo e o algodão”.

Prova evidente de estar o simples pontapé na bola para o desporto como o reboco das paredes está para a engenharia, por exemplo. E quando evoco "o ponta pé na bola", inspirado na crítica de Sílvio Lima “à prática irracional do desporto, realizada de forma inconsciente, indisciplinada e desregrada” , ao arrepio de “sólidos conhecimentos científicos”, como transcreve Pedro Falcão, não ouso, sequer, referir-me aos saudosos tempos "das balizas às costas" que remontam ao início do futebol moderno de cunho científico nacional porque, como escreveu Jacob Bronowski (1908-1974), matemático e biólogo, autor da obra “O Senso Comum da Ciência”,” os processos da ciência são característicos da acção humana, porque se movem pela indissolúvel união do facto empírico e do pensamento racional”.

O futebol moderno, conservando a sua componente de sorte inerente a toda e qualquer forma de jogo que o torna aliciante para as multidões, exige, hoje, condições científicas inerentes à respectiva metodologia de treino e conhecimento profundo da “máquina humana”, questões que, por vezes, são mantidas na sombra do esquecimento quando se tem José Mourinho, apenas, ungido por essa sorte pela não referência da sua licenciatura em Desporto,pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, acrescentada mais tarde por esta universidade ao atribuir-lhe o doutoramento honoris causa (2009). Reconheceu ele própria na altura que “seria sempre treinador de futebol, mas sem faculdade seria assim-assim e nunca muito bom" (“Record”, 24/03/2009).

Ou seja, nasce-se predestinado para a prática do futebol de alta competição, Eusébio e Cristiano Ronaldo são prova disso mesmo, mas não se nasce treinador de futebol por se ter sido, apenas, um jogador de nomeada: José Mourinho e Carlos Queirós, ambos licenciados em Educação Física, foram medianos praticantes do chamado desporto-rei. Com honrosas excepções de antigos praticantes, em evidente e louvável esforço de auto-didactismo, é esta confusão que tem retardado, em parte, o reconhecimento cientifico do futebol, uma técnica, uma arte, um fenómeno social que arrasta multidões - servindo de bandeira a países que pautam a sua glória em função das medalhas de ouro obtidas em competições desportivas mundiais -, de há anos para cá, com foros de cidadania académica em universidades espalhadas pelas sete partidas do mundo.

Apesar da riqueza da obra de Sílvio Lima em defesa do Desporto, que João Boaventura (citado na tese de Pedro Falcão) descreve, em 1987, como “um diamante na inexistente literatura desportiva portuguesa”, ou, ainda, nesse mesmo ano, que “Sílvio Lima, foi, neste século [reportando-se ao século XX] , o primeiro e único catedrático que desceu à análise filosófica e sociológica do desporto, dando-lhe a roupagem digna de que já carecia”, persiste, em nossos dias, por vezes, a subalternidade cartesiana do corpo relativamente à mente, enunciada e logo criticada em síntese sublime, no livro “O inumano”, pelo filósofo da nossa contemporaneidade, Jean-François Lyotard: “Toda a energia pertence ao pensamento que diz o que diz, que quer o que quer; a matéria é o fracasso do pensamento, a sua massa inerte a estupidez”.

Conceito ultrapassado e criticado na prosa filosófica e humanistica de Sílvio Lima, merecedora de uma leitura atenta de académicos, educadores e praticantes desportivos que aí encontrarão respaldo sólido de um vulto de uma cultura multifacetada em defesa de uma prática desportiva que nada tem a ver com uma mesa de montagem de esplêndidas bestas destituídas de “Matéria Pensante”, apropriando-me do título de um livro escrito em conjunto por Jean-Pierre Changeux, notável neurobiólogo, e Alain Connes, célebre matemático, ambos membros da Academia de Ciências de França.

Que me perdoe o leitor o alongar destas minhas descolorida linhas que encontram indulto na riqueza da prosa de Sílvio Lima que justifica uma leitura reflectida de quem neste estudo irá encontrar o respaldo sólido de um dos vultos da cultura portuguesa em prol de uma prática desportiva ao serviço da saúde, de uma melhor aptidão física, de um bem-estar geral.

Eu próprio, se fosse um profundo conhecedor da obra de Sílvio Lima (que infelizmente não sou), podia ter encontrado na sua valiosa obra exímio timoneiro para me orientar em mar sem escolhos na defesa intransigente que tenho feito das actividades corporais, como por exemplo, numa conferência por mim proferida na Sociedade de Estudos de Moçambique (1971), intitulada “Educação Física, Ciência ao Serviço da Saúde Pública” .

Há lacunas imperdoáveis no enriquecimento da nossa cultura. Faço aqui a minha penitência, logo eu admirador da obra de Ramalho Ortigão que, quando se refere ao seu tempo, escreve de forma cáustica sobre os seus conterrâneos: “Como cultura física, indigência igual à da cultura mental. Se falando metem os pés pelas mãos, calados metem os dedos pelo nariz. Não têm ‘toillete’, não têm maneiras e têm caspa”.

E se na Ramalhal figura, como a descreveu Eça, tenho encontrado sólido bordão que me ajuda na minha modesta jornada em defesa das actividades corporais, sob a sombra de Almada Negreiros, esteta de fina sensibilidade e um dos vultos mais marcantes da cultura portuguesa, das belas-artes às belas-letras, encontro, igualmente, amparo sólido quando endeusa o corpo do atleta com o exórdio: “É preciso criar a adoração dos músculos”.

No encerramento destas minhas descoloridas linhas e na mais que justa rendição ao valor da sua obra, regresso a Sílvio Lima e à sua exortação, citada no livro de Pedro Falcão: “Ensinemos o intelectual a compreender e…a amar o desporto, a ver nele obra de ciência e arte; e por sua vez, ensinemos o desportista a compreender e a amar a vida mental, a ver na ciência e na arte maravilhosos exercícios desportivos, já que a ciência e a arte são afinal a alma radiosa do verdadeiro e humano desporto”. Na simbiose desta aprendizagem muito terão a ganhar o intelectual, o desportista e a própria sociedade portuguesa.

GRANDES ERROS - A VIDA DE BRIAN


Já aqui referi que nem um grau em Física nem sequer o Prémio Nobel da Física conferiam imunidade contra o cometimento de grandes erros. O grande Wolfgang Pauli, Prémio Nobel da Física pela sua proposta do princípio de exclusão de Pauli, enveredou a certa altura da sua vida pelo misticismo, procurando soluções mais ou menos esotéricas para problemas de física.

Mas há outros casos, embora poucos, com algumas semelhanças. O físico britânico Brian David Josephson, que obteve em 1973, com apenas 33 anos (o que é, de facto, notável), o Prémio Nobel da Física, em merecido tributo pela sua previsão do chamado efeito Josephson, um fenómeno da área da supercondutividade, conheceu também, tal como Pauli, uma grave crise pessoal a dada altura da sua vida. Procurou sair dela através desenvolvendo o interesse por temas que os seus colegas de física acharam estranhos e da prática da meditação. Tem procurado, embora debalde, soluções físicas para questões esotéricas. Hoje, com 72 anos, Josephson ainda acredita em fenómenos paranormais, para os quais não existe qualquer evidência científica, como a telepatia, julgando ver na teoria quântica as bases de uma explicação.

No ano de 2000, muitos colegas seus criticaram um parágrafo que ele escreveu sobre a teoria quântica para uma publicação dos correios britânicos:

"Quantum theory is now being fruitfully combined with theories of information and computation. These developments may lead to an explanation of processes still not understood within conventional science such as telepathy, an area where Britain is at the forefront of research."

David Deutsch, físico da Universidade de Oxford, não teve papas na língua em apontar a heresia:

"It is utter rubbish. Telepathy simply does not exist. The Royal Mail has let itself be hoodwinked into supporting ideas that are complete nonsense".

Essas críticas não impediram Josephson de continuar a liderar o Projecto de Unificação Mente-matéria na Universidade de Cambridge, cujos resultados têm tido dificuldade em serem aceites em revistas científicas de topo.

A crença na telepatia não é o único erro na vida de Brian Josephson. Ele também acredita, por exemplo, que o fenómeno da fusão fria, anunciado por Fleishmann e Pons, deve ser real e merece mais investigação. Um erro raramente vem sozinho...

"Descobre o Som!" em Aveiro


Informação recebida da Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro (CCVA):

CAFÉ, LIVROS e CIÊNCIA

Descobre o Som!
Carlota Simões e Constança Providência
5.ª feira, 06 Maio, 18h00

Na Fábrica CCVA Carlota Simões e Constança Providência conduzem-nos numa aventura com o seu livro “Descobre o Som!” da colecção "Ciência a Brincar", da editorial Bizâncio. Será apresentado um conjunto de actividades experimentais feitas com materiais simples e baratos, pensadas para os mais pequenos e muito interessantes para todos. Partindo de princípios simples, os princípios da música e da ciência interligam-se e completam-se.

Num ambiente informal, onde o café acompanha os livros, Café, Livros e Ciência acontece na primeira quinta-feira de cada mês para promover a leitura de ciência junto do público em geral. Poderá visionar um apontamento multimédia sobre os eventos já decorridos no sítio internet de cada parceiro, bem como no CVTV, e ainda algumas edições da rubrica “Escolhas de Livros de Carlos Fiolhais”.

local: Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro
horário: 18h00-19h00
público-alvo: jovem e adulto
contactos: 234 427 053 ou fabrica.cienciaviva@ua.pt
entrada livre

TESOUROS DE COIMBRA APRESENTADOS EM LISBOA


Informação recebida da Imprensa da Universidade de Coimbra (clicar para ver melhor).

O Jogo da Política Moderna!


Informação recebida da Câmara Municipal de Lisboa (clicar para ver melhor).

CONVERSAS DE ESCRITORES


Informação recebida da Gradiva (Clicar para ver melhor).

O desporto segundo Sílvio Lima

Texto de João Boavida, antes publicado no diário As Beiras, a propósito da recente publicação do livro Sílvio Lima e o desporto, de Pedro Falcão.

Um acaso feliz da vida académica fez-me estar na origem de um livro de Pedro Falcão, lançado agora pela Imprensa da Universidade de Coimbra, Sílvio Lima e o desporto.

O livro resulta de uma investigação de Mestrado e teve a sorte (e o mérito) de descobrir cerca de cem artigos sobre desporto, publicados por Sílvio Lima entre começos de 1939 e finais de 1943, tão esquecidos que deles se tinha perdido notícia e localização. Foram agora editados com uma introdução bastante desenvolvida, de Pedro Falcão, e que, juntamente com os livros que Sílvio Lima escreveu sobre o tema (Ensaios sobre o desporto, Desporto, jogo e arte, Desportivismo profissional – desporto, trabalho e profissão) nos dá uma visão rica e completa das suas concepções desportivas.

Fui ainda aluno de Sílvio Lima. A sua carreira académica foi, como se sabe, profundamente prejudicada pelo Antigo Regime, como retaliação pelo seu agudo espírito crítico, inteligência fulgurante e extraordinária coragem. E apesar de o ter como professor já no final da sua carreira, ele foi um mestre de rigor científico, de largueza e profundidade cultural, de erudição adequada, de correcção sintáctica e linguística. Sílvio Lima está entre os mestres que nos ensinavam a reflectir, a investigar com rigor, a ser logicamente exigentes e a medir as palavras.

Este livro revela a clareza como pensava e o modo impecável como escrevia. Da novidade dos temas, para a época, ao modo profundo e frontal como abordava os problemas; da dignidade académica que lhes conferia, à importância que reconhecia à matéria desportiva; da capacidade filosófica com que analisava os desportos, à crítica à mentalidade reinante; da variedade dos temas à qualidade e clareza da sua escrita, tudo nele é exemplar.

Muitas das suas ideias sobre o desporto são hoje correntes, mas que não o eram há setenta anos. Como, por exemplo, a sua função educativa e catártica, a força para vencer o medo e a inibição, a fonte de vida e de saúde que representa, a coragem que desenvolve, a beleza, harmonia e libertação que proporciona. Sem esquecer que o jogo e a competição obedecerem a regras, valorizando a disciplina, a interacção, o espírito de equipa e a união de forças. Importante também a sua apologia do desporto feminino, sobre o qual reinavam absurdas ideias.

Em suma, um livro da maior actualidade e importância para quem queira pensar o desporto, fazê-lo objecto de reflexão filosófica, livrá-lo da distorção que a actual profissionalização e a mercantilização descabelada lhe provocam. É ainda um bom exemplo de como, em plena escuridão política, se pode ser (e se foi) clarividente, moderno e actuante.

"Caos nas salas de aulas": Escola 3

Texto na continuação de dois antes aqui publicados.

Nesta escola a professora, que através da BBC realizou o documentário Classroom Chaos, confronta-se com duas medidas terríveis de combate à indisciplina: arame farpado e polícia no recinto escolar. No excerto que, a seguir se transcreve, não se refere, no entanto, que muitas escolas londrinas, recorrem também a medidas que já nos são familiares: câmaras de filmar e detectores de metais.

Esta é a via pela qual estamos a enveredar no Ocidente: transformamos as crianças e os jovens em prisioneiros de cadeias de alta segurança, que, paradoxalmente, deixamos que funcionem de modo anárquico. Não podemos deixar de perceber que as crianças e os jovens ficam entregues uns aos outros, vingando a força e, em muitos casos, a crueldade, mas, ainda assim, não cuidamos que conheçam e cumpram as regras de convivência social mais elementares. Até quando continuaremos a repetir o slogan “ideologicamente correcto” mas falacioso, de que eles se auto-orientam e descobrem, por si mesmos, essa regras?

As linhas que se podem ler de seguida conduzem-nos a interrogação em que temos insitido neste blogue: onde nos conduzirá a nossa demissão de educar e de ensinar?

"Estou a caminho da minha próxima escola. Reparem, o que posso esperar de uma escola cercada por muros com arame farpado? Esta escola é de grande dimensão, com 1200 alunos, e fui chamada para duas aulas de Estudo e Comunicação com uma turma de alunos de 15 anos, numa sala de informática bem equipada. Neste emprego, todos os dias há uma surpresa nova, e hoje não foi excepção.

Professora: Então rapazes? Não devem trazer bebidas para a sala de aula! Sabem disso.

Eles conhecem as regras de uma sala de aula, estão escritas em todo o lado: nada de comida na sala. Mas, mesmo assim, abrem descaradamente os pacotes de batatas fritas, como se quisessem chamar a atenção.

Professora: Já te pedi para guardares a comida, e não estava a brincar.

Fica-se com a impressão de que estão a desafiar-nos, do estilo “vamos ver até onde vai, stôra”.

Professora: Endireitem os monitores e acabem com a palhaçada. Não vão entrar no eBay, nem ver o sítio do Arsenal…
Aluno: Não vamos fazer nada disso.
Professora: Não vamos fazer isso. Se apanhar alguém a fazer isso, vai logo para a rua.
Aluno: Stôra, porque não se senta e aproveita para ‘tirar uma soneca’?
Professora: Não me vou sentar nem ‘tirar uma soneca, porque quero ter a certeza de que aprendem.
Aluno: Que m… é esta?
Professora: Desculpa, o que é que disseste?... Até parece que estamos na cabeleireira. Não te importas de parar de mexer no cabelo?
Aluna: Um segundo… ela está mesmo mal!
Professora: O que está a fazer nesse sítio?

Reparei que tinha escrito “sexo anal” na página do Google.

Aluno: Sim, acabei de escrever “sexo anal”, não é? Sim, porque eu…

Professora: Sabes uma coisa? Vais já lá para fora! Já pedi para te virem buscar e para te levarem para outra sala.

Alguns minutos mais tarde, um agente da autoridade entra na sala de aula, perguntando se pode dar-me uma palavrinha. Fiquei a saber que era um agente da Polícia Municipal. Queria confirmar comigo o tal incidente. Pareceu-me um bocado excessivo chamar-se a Polícia por causa de alguns rapazes daquela turma. Afinal, ele era o agente residente daquela escola. Nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Era novidade para mim. Na realidade, em Abril de 2005, há 260 agentes de serviço, a tempo inteiro, nas escolas inglesas. Não é chocante? Só passei um dia naquela escola e tive problemas com quase todas as turmas.

Escola 3: A avaliação disciplinar é boa. Os alunos mais novos não sabem ser disciplinados (Março de 2004).

(CONTINUA)

O "TIP TOP"



O "tip top" é um pião, semelhante aum cogumelo, que se vira quando gira.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Vem recriar a tua interpretação de forma lúdico-pedagógica

No dia 10 de Junho próximo, a revista Forum Estudante comemora, pela primeira vez, o Dia da História, o que se traduz num concurso nacional dirigido a alunos do 3.º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário. Essa iniciativa, que decorre durante todo o dia, terá por cenário o Castelo de S. Jorge, em Lisboa.

Se o leitor estiver a par do modo como é (mal)tratada a História nos sistemas educativos ocidentais, não poderá deixar de pensar: excelente iniciativa e excelente sítio!

O sítio é, na verdade, excelente, mas a iniciativa...

Explico o que justifica as minhas reticências, tomando a liberdade de sublinhar as expressões que entendo serem contestáveis:

"Vem recriar a História de Portugal. Com a tua Escola, escolhe um facto da nossa História e através do teatro, da música, da dança ou da internet, vem apresentar a tua interpretação..."

"tem por objectivo proporcionar um aprofundamento do conhecimento da História de Portugal, de forma lúdico-pedagógica e em clima de festa."

E são contestáveis porque podem desencadear equívocos por parte dos alunos, o que se deveria pugnar por não acontecer. Explico:
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Por um lado, é possível os alunos entenderem que, não obstante a sua condição de aprendizes, podem, com legitimidade, fazer, ter e apresentar publicamente "a sua interpretação" de factos históricos. Ora, a interpretação de factos históricos deve estar reservada aos especialistas que, em virtude de os terem estudado e de, por isso, os conhecerem a fundo, têm legitimidade para se pronunciarem interpretativamente acerca dos mesmos. Logo, quem dá os primeiros passos no conhecimento dos factos históricos deve, neste tipo de circunstância, representá-los; não recriá-los segundo a sua versão. Dar-lhes a entender o contrário é enganá-los ou enganarmo-nos.
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Por outro lado, o lúdico e o pedagógico têm um lugar distinto, ainda que fundamental, na vida dos jovens. O lúdico não é suportado, nem tem de ser, em conhecimento científico; o pedagógico não pode deixar de o ser.
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Neste passo, devemos perguntar quem apoia esta iniciativa? Quem a apoia é o Ministério da Educação através da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular; a Câmara Municipal de Lisboa através dos pelouro da Cultura e Turismo e da Educação e Juventude; do Castelo de S. Jorge; a Associação de Professores de História e o Centro de Estudos de Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, da Universidade Católica Portuguesa.
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A sociedade portuguesa, portanto!
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Para mais informações sobre o assunto, consultar o sítio da DGIDC.

Hospital Virtual


Nova crónica de António Piedade, saída antes no "Diário de Coimbra":

O ensino à distância, ou não presencial, não é uma novidade fruto da internet. De facto, o envio de conteúdo com objectivos pedagógicos de um emissor, normalmente um professor ou um detentor de conhecimento (sábio?), para um aprendiz, é algo muito antigo e comum à própria vida.

Muito antes de termos sido capturados pela rede da World Wide Web, já ensinávamos /aprendíamos através de navegantes ou galopantes cartas manuscritas, de livros que chegavam fumegantes em comboios vaporosos. Alguns de nós deve lembrar-se da telescola e das aulas televisionadas da Universidade Aberta, nas quais professores utilizavam novos suportes multimédia para ensinar “hertzianamente”, desde sala de aula até para o sofá lá de casa. Também foram comuns, em tempos idos, os cursos por correspondência. Nestes, o aluno recebia por correio material pedagógico que utilizava para estudar, a que se seguia o envio de um exame feito sozinho, num apelo à honestidade e probidade intelectual para o próprio avaliar se tinha aprendido.

Actualmente, a World Wide Web veio encurtar tempos e iludir distâncias, permitindo uma interactividade quase, se não mesmo, em tempo real, entre professores e alunos afastados quilométricas distâncias. Actualmente, são inúmeras as aulas, cursos, seminários (“WebSeminars”) transmitidas em tempo real (a instantaneidade só depende da largura de banda disponível) que enchem o ciberespaço pedagógico.

Talvez este seja uma dos aspectos democratizantes da World Wide Web no que ao acesso ao conhecimento diz respeito: disponibiliza-se conhecimento e capacidade validada pedagogicamente para o transmitir, com a didáctica possível e ajustada a esta nova realidade, por um professor em qualquer parte instalado e a este conhecimento têm acesso os alunos, aprendizes curiosos, interessados e ou aceites, consoante o modelo estabelecido.

Até aqui, quase nada de novo. Só foi mudando o veículo de transmissão da informação: do suor dos cavalos diligentes às sucessivas reflexões na fibra óptica transoceânica.

Mas desde que o universo cibernáutico deu “à luz” o território “bítico” conhecido por “Second Life” algo tem vindo a mudar neste paradigma. Há cerca de dois -três anos, a prestigiada universidade inglesa Imperial College de Londres, mais precisamente a sua Faculdade de Medicina, começou a investir seriamente no desenvolvimento e implementação de um Hospital Universitário Virtual (aqui), para permitir uma experiência clínica mais “intensa e envolvente”, quer quantitativa, quer qualitativa, entre os futuros médicos e um infindável número de doentes virtuais, mas representantes fiéis de situações clínicas reais (aqui). Numa réplica fidedigna da Faculdade de Medicina e Hospital Universitário, os estudantes (de medicina e de enfermagem) interagem com doentes virtuais em cenários que reproduzem os reais, o que lhes permite fazer uma ponte entre a experiencia virtual e a realidade física onde irão exercer medicina, com pessoas que só morrem uma vez.

Mas este não é o único hospital virtual no Second Life como se pode verificar aqui .

BOUNCE - INSANE IN THE BRAIN



A companhia britânica Bounce vai apresentar no Auditório dos Oceanos no Casino de Lisboa de 18 a 30 de Maio uma adaptação em "street dance" de "Voando sobre um Ninho de Cucos". A 29 de Abril celebra-se o Dia Mundial da Dança.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Que compromisso com os cientistas?

Transcrevo um artigo de opinião, do deputado José Soeiro do Bloco de Esquerda, publicado no site Esquerda.net a propósito dos projectos de lei, actualmente em discussão pública, para a alteração do Estatuto do Bolseiro.


A capacidade de criar conhecimento e de fazer e difundir ciência é uma condição essencial do desenvolvimento de um país. Em Portugal, há hoje mais gente a trabalhar na investigação científica e temos centros que são referência para toda a Europa. A "aposta na ciência" enche a boca do senso comum governativo. Ninguém está disposto a voltar atrás nesse domínio, e ainda bem.

Contudo, a criação de uma cultura científica não sobrevive sem que aqueles que lhe dão corpo tenham o mínimo de condições e de reconhecimento. A maioria das pessoas que se dedicam hoje à produção de conhecimento é invisível e desconsiderada nos direitos sociais mais básicos. E isto coloca-nos não apenas perante um problema laboral, mas perante um problema social e um problema científico de grande profundidade. Sem darmos condições aos investigadores, as pessoas optarão por outros empregos, sairão do país e nós não conseguiremos fixar a massa crítica que produzimos. Ou seja, a discussão sobre o estatuto dos bolseiros, a sua remuneração e a sua protecção social está hoje no centro das escolhas sobre que política científica queremos.

A maioria dos quase 20 mil bolseiros de investigação que trabalham no nosso país ganha 745€ por mês e não vê as suas bolsas aumentadas desde 2002. Aqueles que trabalham integrados em projectos para fazerem os seus doutoramentos recebem 980 euros. E os que são hiper-qualificados, ou seja, aqueles que vão no primeiro, no segundo e por vezes no terceiro pós-doutoramento recebem cerca de 1400 euros. Sem estes bolseiros, não haveria investigação científica. Muitos deles, sobretudo os mais qualificados, estão à frente de equipas e têm um conhecimento especializado que é único e necessário ao país. Alguns fazem trabalho científico há 5, 10 ou 15 anos. E nunca na sua vida inteira tiveram um contrato de trabalho. Nenhum deles beneficiará do subsídio de desemprego se precisar. Ficarão sem nenhuma protecção se os seus projectos acabarem e vierem para a rua. E mais tarde, as suas reformas serão calculadas a partir do valor do indexante de apoios sociais, ou seja, 419,22 €. As suas reformas serão por mês, por isso, apenas uma parte desses 419 €. (Alguém falou em aposta na Ciência?)

Tivemos oportunidade de discutir no Parlamento, há duas semanas, propostas da esquerda para proceder a um aumento extraordinário das bolsas de investigação. O PS votou contra, o PSD e o CDS abstiveram-se. O projecto foi chumbado. Como é possível? A resposta do Governo e do PS é que não há dinheiro. Certamente um tão qualificado jovem do PS como Rui Pedro Soares, nomeado para a PT pelo Governo, pode e deve ganhar, só no ano de 2009, 1 milhão e 200 mil euros. Mas não há dinheiro, claro, para aumentar 28€ por mês a um investigador em pós-doutoramento. (Não tinham falado em aposta na Ciência?)

Mas o problema dos bolseiros não é só o do valor das bolsas. É o facto de aquilo que fazem não ser reconhecido como trabalho. Nenhum bolseiro tem contrato e sem contrato não há segurança social como para os outros trabalhadores. Sem uma resposta a este problema, continuaremos a não responder ao essencial.

O que quero dizer com isto? Que todos os bolseiros devem ter contrato de trabalho permanente com um centro de investigação? Não. Mas que têm de ser respeitadas pelo menos duas coisas.
Primeiro: bolsas são para os estudantes que iniciam o contacto com a investigação e sempre que esteja associada à actividade de investigação uma componente explícita de formação de carácter curricular, como a realização de disciplinas ou a participação em seminários. Tudo o resto, da participação em projectos de investigação até à investigação propriamente dita no âmbito de um projecto de doutoramento ou pós-doutoramento, é trabalho. Ninguém que faça investigação é contra a mobilidade entre instituições e projectos. Mas todos vos dirão, ainda que queiram ter experiências diversas, que a investigação é o seu trabalho. Têm, por isso, de ter um contrato. Ou seja, direitos sociais na eventualidade de doença, na parentalidade e adopção, no desemprego, na invalidez, descontos decentes para a segurança social e para terem uma pensão de reforma minimamente aceitável.

Segundo: tem de se acabar com as "falsas bolsas de investigação". O pessoal de apoio à investigação (tal como os investigadores, aliás) deve ter contrato a termo se a sua função for a termo, e deve ter contrato permanente se a sua função é uma necessidade permanente de um centro de investigação. Combater estas "falsas bolsas", utilizadas para todo o tipo de funções e necessidades, implica financiar os centros de modo a que tenham possibilidade de contratar os profissionais indispensáveis à sua existência, desde os que atendem telefones aos que fazem a manutenção dos laboratórios, por exemplo.

Dentro de um mês, o Parlamento votará algumas propostas que vão neste sentido, ainda que com soluções diferentes, como a do Bloco de Esquerda e a do PCP. PS e PSD, pelo seu lado, mostram-se muito sensíveis a este problema, mas não apresentaram nenhuma proposta. Até o CDS já reconhece a necessidade dos investigadores beneficiarem do regime geral da segurança social, apesar de ter um horror ideológico ao contrato de trabalho, o que os leva a propor uma solução bizarra e incoerente.

Chegados a este ponto, aproxima-se uma hora decisiva. Aquela em que veremos, na prática, se há ou não uma aposta séria na ciência. Isto é, se existe vontade de passar a ter mais respeito por quem faz ciência, ou, pelo contrário, se continuamos num modelo descartável em que o "compromisso com a ciência" gostaria, em última análise, de dispensar essas pessoas que são os cientistas.

José Soeiro

"Caos nas salas de aulas": Escola 2

Texto na continuação de outro antes aqui publicado.

No documentário da BBC, intitulado Classroom Chaos, a professora tece considerações sobre uma segunda escola da zona de Londres. Faz notar, como excepção, o funcionamento normal de uma turma:

Agora, vou a caminho de uma escola que tem tido problemas bastante graves. Contudo, tomou posse uma nova Direcção e consta que estão a tratar dos problemas. Esperemos que a experiência de hoje seja um pouco melhor que a dos outros dias. A segunda escola que filmei é de dimensão média e conta com cerca de 600 alunos. Hoje tive uma experiência bastante engraçada. Estive numa escola de Londres com problemas sociais graves.
(...) A escola é frequentada por muitos filhos de imigrantes e de requerentes de asilo, assim como por muitos alunos repetentes.

Nesta aula de Geografia para miúdos de 12 anos, ao fim de quinze minutos, pensei: “o que se passa aqui?”. Pensei: “Meu Deus, isto está tão calmo!”. Manteve-se assim, e os miúdos portaram-se lindamente. Contudo, foi a experiência mais estranha que já vivi. Há muito tempo que não via algo assim.

Professora: “Sabia que conseguem assimilar isto três vezes mais rápido do que a outra turma?”

Contudo, a minha satisfação não durou muito mais, já que as duas, três aulas seguintes eram com outros alunos, jovens com 14 anos. É o velho problema da idade. Convencê-los a despir os casacos, a guardar as mochilas por baixo da mesa, e apresentar os trabalhos e a prestar-me atenção foi de todo impossível. Eu era uma mulher invisível. Segundo a avaliação desta escola, sabe-se que os alunos portam-se mal com os professores substitutos.

Escola 2: A nível disciplinar, a avaliação é boa. Alguns alunos têm problemas com os professores substitutos (Fevereiro de 2003).

(CONTINUA)

Seis livros de divulgação de ciência

Os seis livros recomendados por cinco cientistas numa iniciativa da Ciência Viva e da FNAC que aconteceu (como diria Carlos Pinto Coelho) no Dia Mundial do Livro:

Dancing naked in the mind field, de Kary Mullis


Uma Aventura em Alto Mar, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada


Proust era um neurocientista, de Jonah Lehrer


Um Pouco Mais de Azul, de Hubert Reeves


O Mensageiro das Estrelas, de Galileu


O Sistema Periódico, de Primo Levi

(Edição em Português da Gradiva em 1988, infelizmente esgotada. 2011, Ano Internacional da Química, seria uma boa oportunidade para o reeditar)

Reportagem do Ciência Hoje.

E mais livros recomendados por cientistas no site da Ciência Viva.

Pitágoras & Os Pitagóricos

Informação recebida pelo De Rerum Natura.

O grupo Origem da Comédia realiza a sexta sessão do ciclo de Tertúlias Pré-Socráticas, dedicada a Pitágoras & Os Pitagóricos.

Pitágoras é um nome de todos familiar, pelo teorema que lhe é atribuído. Efectivamente, os números desempenham um papel importante em toda a sua filosofia, em que insiste na ordem e proporção do cosmos, realidade que exprimia com o conceito, bem conhecido, de música das esferas. É também um dos principais introdutores no Ocidente da ideia da reencarnação e do vegetarianismo. Contudo, a sua figura permanece envolta em mistério e lendas, à falta de informações fidedignas. O certo é que as suas doutrinas (ou dos seus seguidores) tiveram um impacto formidável no curso da filosofia grega, tendo influenciado de forma decisiva não apenas outros tantos pré-socráticos, como essa figura maior do pensamento ocidental: Platão.

Realizar-se-á no dia 28 de Abril, quarta-feira, às 18:00, no Teatro Académico de Gil Vicente, e contará com a presença de José Pedro Serra, da Universidade de Lisboa.

Ver mais em:
http://tertuliaspresoc.blogspot.com/2010/04/sexta-sessao-pitagoras-os-pitagoricos.html
http://tertuliaspresoc.blogspot.com/2010/04/alguns-textos-sobre-pitagoras.html

Aparelhos em Stand By


Este video faz parte de um projecto de investigação do Center for Environmental and Sustainability Research, da Universidade Nova de Lisboa.

Para colaborar basta responder a um pequeno questionário depois de ver o video, aqui.

A sinopse do projecto pode ser consultada aqui.

GRANDES ERROS: PAULI E JUNG


Que um diploma em Física não é uma garantia contra grandes erros é mostrado pelo caso do físico austríaco Wolfgang Pauli, um dos pioneiros da teoria quântica que é conhecido como o autor do princípio de Pauli sobre a ocupação de níveis de energia por partículas e também da ideia de neutrino. Ora acontece que Pauli consultou, em Zurique, numa dada fase da sua vida o famoso psicanalista suíço Carl Jung. Ele próprio explica porquê:

"[Contactei] o Sr. Jung por causa de certos fenómenos neuróticos que se relacionam com o facto de ser mais fácil para mim obter sucesso académico do que sucesso com mulheres. Uma vez que com o Sr. Jung sucedia exactamente o contrário, pareceu-me que era o homem mais indicado para me tratar medicamente."

Não só os dois ficaram amigos como Pauli depressa se tornou um estudioso das estranhas teorias psicológicas de Jung. Durante essa aproximação, Pauli tornou-se obcecado com o poder explicativo de certos números, como o 137 que descrevia a chamada "constante de estrutura fina", uma constante da física para a qual ele encontrou significados cabalísticos. Por seu lado, Jung queria obter de Pauli uma explicação física, quiçá quântica, para as suas delirantes teorias.

O seu trabalho conjunto conduziu, pegando na expressão de Jung, na exploração da "terra de ninguém entre a Física e a Psicologia do Inconsciente... o mais fascinante e o terreno mais escuro dos nossos tempos".

Tudo isto e muito mais está contado no livro "Deciphering the Cosmic Number. The strange friendship of Wolfgang Pauli and Carl Jung", do historiador de ciência inglês Arthur Miller (sem nenhuma relação com o escriror americano que foi casado com Marilyn Monroe), Norton, 2009.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

HAWKING E OS EXTRATERRESTRES



THE aliens are out there and Earth had better watch out, at least according to Stephen Hawking. He has suggested that extraterrestrials are almost certain to exist — but that instead of seeking them out, humanity should be doing all it that can to avoid any contact.

The suggestions come in a new documentary series in which Hawking, one of the world’s leading scientists, will set out his latest thinking on some of the universe’s greatest mysteries.

Alien life, he will suggest, is almost certain to exist in many other parts of the universe: not just in planets, but perhaps in the centre of stars or even floating in interplanetary space.

Hawking’s logic on aliens is, for him, unusually simple. The universe, he points out, has 100 billion galaxies, each containing hundreds of millions of stars. In such a big place, Earth is unlikely to be the only planet where life has evolved.

Fonte: aqui.

O FENÓMENO DE FÁTIMA: GRAÇA DIVINA, ILUSÃO OU FRAUDE?


Informação recebida da Editora Guerra e Paz:

Fátima é um verdadeiro fenómeno internacional. A sua história tem estado, desde o início, mergulhada em controvérsia e assim continua a poucos anos do seu centenário. Mas o Vaticano vive despreocupado. Tem tudo sob controlo. Ou não terá?

A 30 de Abril, antecipando a visita de Bento XVI a Portugal, a Guerra e Paz lança O Fenómeno de Fátima. O livro, escrito pelo jornalista Len Port, conta a história de Fátima e traz luz sobre o fenómeno português mais conhecido em todo o mundo.

Factualmente informativa e provocadora, sem ser ofensiva, a investigação conta com um amplo leque de opiniões, reunindo pessoas directamente envolvidas na história e especialistas nos vários campos associados ao fenómeno.

Len Port nasceu e cresceu na Irlanda do Norte. Durante a sua longa carreira de jornalista, colaborou com vários meios de comunicação social, em Hong-Kong e na África do Sul, entre outros países. Reside há vários anos em Portugal, no Algarve, a partir de onde continua a escrever artigos para jornais e revistas.

- O Fenómeno de Fátima, Len Port, Guerra e Paz, 2010.

Bolseiros forçados a dar aulas de graça


Encontram-se em discussão pública os Projectos de Regulamentos do Estatuto da Carreira Docente Universitária na Universidade de Lisboa. No artigo 13, que transcrevo, contempla-se a possibilidade de ser atribuído serviço docente aos bolseiros sem qualquer remuneração:
Artigo 13.º
Serviço docente dos bolseiros de investigação

1 — Aos bolseiros de investigação da Universidade de Lisboa pode ser atribuído o serviço docente previsto no artigo 3.º.
2 — O serviço lectivo não deve exceder quatro horas semanais de aulas e seminários.
3 — Compete ao Conselho Científico proceder à distribuição do serviço docente aos bolseiros de investigação, de acordo com as respectivas qualificações.
4 — Pelo serviço lectivo atribuído aos bolseiros não é devida qualquer remuneração adicional.
Não se trata de um convite ou proposta, que estou certo que seria do acordo de muitos bolseiros, mas da pura e simples atribuição. Eu sei que as universidades estão estranguladas financeiramente. Mas isto é roubar os pobrezinhos.

Infelizmente o problema está longe de ter origem na UL.

Os bolseiros exercem funções em regime de exclusividade, ou sejam não podem exercer outras actividades remuneradas. Exceptuam-se algumas situações, entre as quais a docência no ensino superior. Mas a Fundação para a Ciência e Tecnologia deduz a remuneração da docência ao valor da bolsa (até um mínimo de €250).

Consideremos um bolseiro de doutoramento, que recebe €980. Se ganhar €500 a dar aulas a FCT paga-lhe apenas €480. Se ganhar mais de €730, a FCT paga-lhe sempre €250. E não há limite de número de horas de aulas, pelo que a questão não é o tempo retirado à investigação.

No fundo o que a UL diz com este regulamento é qualquer coisa como "vocês não ganham mais de qualquer forma, ao menos não somos nós a pagar".

Transcrevo dois artigos do estatuto do bolseiro de investigação em vigor, que me parece claramente desrespeitado por esta docência forçada:

Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica

Lei Nº 40/2004, de 18 de Agosto

ARTIGO 1º
ÂMBITO DE APLICAÇÃO

(...)

5. É proibido o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.
ARTIGO 2º
OBJECTO

São abrangidas pelo presente Estatuto as bolsas destinadas a financiar:

a. Trabalhos de investigação tendentes à obtenção de grau ou diploma académico pós-graduado;

b. Actividades de investigação científica, desenvolvimento tecnológico, experimentação ou transferência de tecnologia e de saber, com carácter de iniciação ou actualização, independentemente do nível de formação do bolseiro;

c. Actividades de iniciação ou actualização de formação em qualquer área, desenvolvidas pelo próprio, no âmbito de estágio não curricular, nos termos e condições previstas no regulamento de concessão da bolsa, salvo o disposto em lei especial.

(...)

Financiar aulas não está incluído...

ARTIGO 4º
NATUREZA DO VÍNCULO

Os contratos de bolsa não geram relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, não adquirindo o bolseiro a qualidade de funcionário ou agente.

Para o bem e para o mal. Que legitimidade há então em "atribuir serviço docente"? Que acontecerá se o bolseiro recusar? É despedido? O mecanismo efectivo é a coação. Lembremos a fragilidade do bolseiro: basta o orientador não dar um parecer favorável à renovação da bolsa e esta não é renovada.

Viagens científicas a estabelecimentos de ensino europeus no século XIX


Post convidado de António José Leonardo, historiador de ciência sobre o intercâmbio científico internacional da Universidade de Coimbra (UC) no século XIX:

Desde o início do século XIX que se foi sentindo a necessidade de efectuar reformas no ensino das ciências tomando como exemplo as instituições europeias similares. Estas tinham também o objectivo de conhecer as novidades científicas e permitir o contacto com professores eminentes e com os instrumentalistas, permitindo formar os congéneres portugueses nas novas técnicas e métodos e facilitar a aquisição de novos aparelhos, instrumentos e colecções científicas, em favor do apetrechamento dos estabelecimentos de ensino portugueses.

No âmbito do ensino das ciências físico-matemáticas, destacaram-se no princípio do século XIX as viagens de José Bonifácio de Andrada e Silva (entre 1790 e 1800), de João António Monteiro (Carta Régia de 9 de Julho de 1804, não tendo regressado a Portugal), Paulino de Nola de Oliveira e Sousa (com início em 1804), Sebastião Navarro de Andrade (em 1805) e Manuel Pedro Homem de Mello (entre 1801 e 1815). Andrada e Silva, ao longo de dez anos, esteve na Itália, Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Hungria, Noruega, Dinamarca, Inglaterra e Escócia, tendo contactado com os mais importantes cientistas da época, como Lavoisier, Humboldt, Volta, etc. António Monteiro distinguiu-se na mineralogia, trabalhando na Alemanha, onde frequentou as lições de Werner em Freiberg, na Áustria, em Inglaterra e em França, onde publicou muitas memórias tendo-se estabelecido em Paris. Paulino de Nola foi pensionado em Paris, Freiberg e Londres. Manuel de Mello, docente da Faculdade de Matemática, passou por muitos estabelecimentos científicos de vários países europeus, como França, Bélgica, Itália e Inglaterra, tendo, inclusivamente, estabelecido contactos com fornecedores de instrumentos, enviando alguns para a UC para serem utilizados nas aulas de Física Experimental e Hidráulica.

O período de instabilidade em Portugal, durante e após as invasões francesas, impediu a realização de missões científicas ao exterior, no entanto notou-se um ressurgimento destas iniciativas já na década de 1850, no período da “regeneração”. Estes investigadores reportavam os resultados das suas missões através de relatórios, alguns dos quais foram publicados n’O Instituto.

Um primeiro exemplo foi a viagem científica de Matias de Carvalho Vasconcelos, iniciada em 1857. Os objectivos eram diversos, desde o estudo dos novos métodos de Química prática, em particular os processos metalúrgicos, até aos desenvolvimentos da Física, designadamente no estudo do magnetismo terrestre e da meteorologia, e ao conhecimento dos modernos aparelhos de medida em uso nos observatórios europeus. Apesar de ter estado na Inglaterra, Bélgica e Alemanha, Matias de Carvalho centrou-se em Paris, onde esteve durante mais tempo. Enviou três relatórios das suas viagens. O primeiro abordou o magnetismo e a meteorologia, de acordo com as visitas ao Observatório de Greenwich, perto de Londres, e ao Observatório Real de Bruxelas, onde participou activamente e em conjunto com Quetelet nos trabalhos de observação do eclipse de solar de 15 de Março de 1858. O segundo relatório incidiu na análise química de ligas metálicas estudada no laboratório da Casa da Moeda em Paris. Neste relatório, Matias de Carvalho alertou o Conselho da Faculdade de Filosofia para a necessidade de adoptar como novo manual para a cadeira de Química Orgânica o livro de Cahours dado este ter grande e merecida aceitação, correspondendo a um grau superior de instrução pública. No último relatório, de 16 de Dezembro de 1858, Matias de Carvalho abordou os novos processos metalúrgicos e a mineralogia. Apesar da só ter regressado a Portugal em 1865, para ocupar o lugar de provedor da Casa da Moeda em Lisboa, não voltou a enviar relatórios. Continuou em representação oficial da UC e mediou a aquisição de vários instrumentos e exemplares de História Natural. Foi o único representante português no Congresso Internacional da Química que ocorreu em Karlsruhe, na Alemanha, em 1860, o primeiro congresso científico internacional que foi preponderante no desenvolvimento da Química.

Também Francisco de Sousa Holstein, doutorado em Direito, realizou uma viagem pela Europa em 1859, visitando algumas universidades estrangeiras de onde enviou para a UC os seus regulamentos e estatutos, estabelecendo relações científicas e ajudando a trocas bibliográficas com a Universidade de Madrid. Um ano depois, Jacinto António de Sousa, da Faculdade de Filosofia, e Rodrigo Sousa Pinto, da Faculdade de Matemática, deslocaram-se a Espanha, integrados numa comissão portuguesa para participar nas observações de eclipse solar de 18 de Julho de 1860. Finalizados os trabalhos, ambos os investigadores da UC partiram em viagem científica pela Europa, tendo Sousa Pinto como destino os observatórios astronómicos, e Jacinto de Sousa os observatórios meteorológicos e magnéticos, e Sousa Pinto os observatórios astronómicos de Madrid e de S. Fernando, em Espanha, de Paris, de Bruxelas e de Greenwich. Jacinto de Sousa visitou os estabelecimentos científicos de Madrid, Paris Bruxelas e Londres (Greenwich e Kew), lamentando-se por alguns deles se encontrarem fechados ou com os seu professores ausentes, devido a férias. Em Setembro regressou ao Observatório de Kew com o intuito de estudar o funcionamento e adquirir instrumentos para o futuro Observatório Meteorológico e Magnético da UC. Estes professores tinham a seu cargo, na altura, as cadeiras de Astronomia e de Física, respectivamente, o que subentende um impacto sensível das suas viagens no ensino destas disciplinas.

Os professores da Faculdade de Medicina António Augusto da Costa Simões e Ignácio Rodrigues da Costa Duarte viajaram até Paris, em 1865, para estudar os processos práticos de histologia e fisiologia experimental, tendo também visitado alguns estabelecimentos na Alemanha. Esta viagem foi decisiva para a criação de um gabinete de Fisiologia Experimental em Coimbra, para o qual foram adquiridos alguns dos mais modernos instrumentos.

Em 1866, foi a vez de António Santos Viegas obter apoio para uma viagem científica aos principais estabelecimentos científicos europeus no sentido de investigar a organização do ensino da Física e da Química, com especial ênfase na vertente da Física Experimental. No primeiro relatório, referente ao período de Dezembro de 1866 a Maio de 1867, Santos Viegas descreveu a visita à Universidade de Madrid, inferindo da disposição física dos anfiteatros que “o ensino se dá ainda pelo systema antigo, consistindo unicamente em prelecções oraes, com o auxílio do quadro para cálculos e construções graphicas, e acompanhadas, quando muito, da demonstração de um ou outro aparelho”. Em Espanha também visitou algumas escolas secundárias, designadas de Institutos, relatando com pormenor a forma como estava estruturado este nível de ensino no país vizinho. Destacou a proximidade orgânica dos Institutos com uma universidade central, referindo a carreira do professorado: um professor poderia ascender gradualmente desde um instituto de 3.ª classe até uma universidade central, de acordo com provas dadas. Nas universidades, os concursos eram abertos, especialmente, para cada cadeira, sendo o professor escolhido com base nas suas habilitações nessa área específica. Existiam então dez universidades centrais em Espanha. De Madrid partiu para Paris, onde conheceu os estabelecimentos de ensino superior, como a École Politechnique e o Collège de France, e frequentou cursos públicos de Física da Universidade de Paris/Sorbonne. Estes eram cursos semestrais para alunos dos 1.º e 2.º anos das escolas normais e para auditores voluntários. Suponham o conhecimento dos princípios gerais da física, adquiridos nos liceus, e neles já se fazia uso de projecção das lições por meio de luz eléctrica, uma inovação que Santos Viegas já tinha tentado em Coimbra. Aproveitou para fazer algumas encomendas de instrumentos de acústica a Koenig.

O segundo relatório de Santos Viegas referiu-se ao período de Junho a Novembro de 1867, quando esteve na Inglaterra e Escócia. Visitou a Universidade de Londres, na qual apenas eram examinadas as aptidões dos indivíduos que aspiravam aos graus académicos, provenientes de outras universidades ou colégios, as Universidades de Oxford e Cambridge e outras instituições científicas, como a Royal Society, a Sociedade de Química e a Royal Institution. Já na Escócia visitou as Universidades de Glasgow e Edimburgo.

Viegas descreveu com algum pormenor os estabelecimentos anexos dedicados à investigação, como os observatórios, os gabinetes de física, os laboratórios de química e os jardins botânicos e museus naturais, com particular incidência nos seus instrumentos e colecções, tendo também adquirido alguns instrumentos de química. Em 1870, numa data que coincidiu com a entrada das tropas italianas em Roma, Santos Viegas efectuou uma segunda viagem científica, desta vez a Itália, para estudar espectroscopia com Secchi, para preparar a observação do eclipse solar desse mesmo ano que seria visível no Algarve.

Embora não se tratasse de uma viagem científica propriamente dita, foi, em 1874, publicado n’O Instituto um “bosquejo histórico” relativos às faculdades de filosofia das universidades alemãs, da autoria de Bernhard Tollens. Este químico alemão e sócio do Instituto de Coimbra foi contratado como director dos trabalhos práticos de laboratório da UC, tendo permanecido em Coimbra no curto período de Abril de 1869 a Janeiro de 1870. Na sua memória, Tollens descreveu a evolução histórica das universidades na Alemanha, estabelecendo o conteúdo lectivo de uma Faculdade de Filosofia como “tudo o que não entra no quadro das Faculdades de Theologia, Direito e Medicina” . Apesar de referir alguns estabelecimentos onde a Matemática tinha sido separada da Filosofia, como Portugal, dizia que na Alemanha se tinha conservado o conceito mais alargado de Filosofia, partindo do ponto humano para o domínio das ciências naturais e incluindo as Letras (com a excepção da Universidade de Tuebingen). Os estudantes alemães tinham total liberdade na escolha das cadeiras que desejavam frequentar, sendo estas pagas separadamente, podendo eles seguir o percurso que desejassem. Tollens apresentou um quadro descrevendo a forma como se distribuíam, na generalidade, as disciplinas leccionadas nas Faculdades de Filosofia, divididas pelas áreas principais de Ciências Filosóficas ou Letras (que incluíam a Filosofia, Matemáticas, Linguísticas e Literaturas, História e Ciências auxiliares, História das Artes e Ciências Cameralísticas) e as Ciências Naturais ou simplesmente Ciências (que incluíam a Zoologia, Botânica, Mineralogia, Astronomia, Física, Meteorologia, Química, Farmácia, Agricultura), perfazendo um total de 68 cadeiras. De seguida, descreveu os estabelecimentos especiais das Faculdades de Filosofia, como: observatório astronómico, jardins zoológicos e botânicos, museu de história natural, gabinetes de física e observatório meteorológico, laboratórios de química, dispensário farmacêutico, academias agrícolas e biblioteca.

António José Leonardo

GRANDES ERROS: OPRAH WINFREY E A PSEUDOCIÊNCIA


Na mesma altura em que uma biografia não-autorizada, de Kitty Kelley, sobre Oprah Winfey para o topo das listas dos "best-sellers" dos Estados Unidos, contando, entre outras coisas, que os seus relatos sobre a sua extrema pobreza em jovem era algo exagerados, o filósofo e divulgador da matemática Martin Gardner (o grande homem, com 96 anos, continua lúcido e a escrever regularmente!), no vol. 34, número 2, de Março /Abril, da revista "Skeptikal Enquirer", conta o que muitos já sabem:

"A outra Oprah Winfrey is as attractive, intelligent woman with a heart of gold, but whio has only a plae understanding of modern science. On her daily television show (which she announced in November to stunned viewers, will end after its 25th season 2010-11) she promotes, as frequenty guests, men and women who preaches views and opinions that are medically worthless and ina few case can even lead to death".

Lembra que "o médico de Oprah", o cirurgião Dr. Mehmet Oz, um dos autores dos livros "You", é um campeão de suplementos alimentares caros mas inúteis assim como da métodos de acupunctura, cujo efeito não ultrapassa o de placebo. Foi também graças a Oprah que "O Segredo" teve o êxito que teve.

No melhor pano cai a nódoa, dir-se-á. O problema é que, aproveitando a metáfora, este pano, que até tem alguma qualidade (a promoção da leitura, por exemplo, pois cada livro anunciado por ela passa a vender logo milhares), está coberto de nódoas...

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...