domingo, 7 de março de 2010

Bullying: para grandes males, grandes remédios






"Eu sou eu e as minhas circunstâncias" (Ortega y Gasset, 1883-1955).

De um comentário de Carlos Medina Ribeiro no Passatempo com prémio, publicado no blogue Sorumbático (06/03/2010), respigo:

“Quando andava no liceu, era o mais novo da turma, com as consequências habituais nesses casos…O ‘assunto’ só se resolveu quando, já mais crescidote ( farto de levar ‘porrada’…) resolvi aprender defesa pessoal!

Então, eu e outro jovem nas mesmas circunstâncias dirigimo-nos ao ATENEU, e quisemos inscrevermo-nos no judo. Era, no entanto, necessário comprar um quimono, e não tínhamos dinheiro para ele!

Fomos, então, encaminhados para a luta greco-romana (!), onde se podia usar uma roupa qualquer.

Nem sabíamos onde nos estávamos a meter! Depois da primeira sessão de treino, ficámos de cama sem nos podermos mexer, com distensões em todo o corpo.

Mas, depois de recuperarmos, voltámos lá…e acabou por valer a pena: os músculos cresceram, a auto-confiança também, e nunca mais levámos ‘porrada’ dos outros…”

A seu exemplo, motivado pelo seu percurso de vida “desportiva”, vieram-me à lembrança as circunstâncias que me levaram a praticar pesos e halteres.

Inicialmente, motivado por um colega de turma, inscrevi-me no então 6.º ano do liceu numa classe de ginástica educativa do Ginásio Clube Português, dirigida por um afamado professor de Educação Física sueco, chamado (se a memória me não falha e a ortografia me não atraiçoa) Kurt Johanson. Era uma classe, como se diria agora, sem discriminação de idades. Eu, na altura, com os meus 16 anos tinha como companheiro de classe o hoquista Sidónio Serpa, ex-campeão do mundo, já “reformado” das andanças dos patins, de compleição física invejável (dizia-se que o espirómetro que soprava nos exames médicos acusava mais de 6 litros!).

A páginas tantas, achando que precisava de algo mais para me pôr os músculos salientes para poder mostrar o muque (flexão do antebraço sobre o braço para contrair o bicípite), e não apenas o escanzelado osso do braço, resolvi dirigir-me à classe de halterofilismo dirigida por um antigo campeão da modalidade, o senhor Sales. Aí chegado, disse-lhe ao que vinha. Olhando para mim de soslaio, como quem tem um sósia do Woody Allen pela frente, com um ar, de certo modo, condoído, aconselhou-me : “Vai para casa, come umas sopinhas, e depois aparece”!

Não me resignei. No dia seguinte, lá estava eu novamente. Perante a minha persistência, pôs-me nas mãos uma barra de peso irrisório (10, 11 quilos, talvez), dizendo-me: “Levanta lá isto acima da cabeça”. Fi-lo como quem levanta uma pena. De carga em carga, levantei o meu próprio peso que, diga-se de passagem, não devia exceder em muito metade de um quintal.

O senhor Sales, entusiasmado, virou-se para um dos seus atletas, ordenando-lhe: “Vai à sala da luta greco-romana [frequentada simultâneamente pelos halterofilistas], e diz àqueles “maricas” que venham cá acima ver este lingrinhas levantar o seu peso”! Assim foi! Inchado, que nem uma rã, voltei a repetir a minha façanha. Poucos dias depois, desisti destes violentos treinos que me deixavam o corpo moído como se tivesse sido agredido selvaticamente por todos os meus colegas de turma.

Virei-me então para o culturismo (hoje eufemisticamente chamado musculação para não assustar a “clientela”). A minha saga aí foi diferente. O treinador era o senhor Jeremias, que tinha frequentado um ginásio da modalidade em Paris. Era um tipo pequeno, fibroso de carnes, um tanto fadista e de humor inconstante.

Um dia, aconselhei-me com ele que prometia fazer de mim um campeão: “Senhor Jeremias, não acha que preciso de mais dorsais?” Estava nos seus dias de boa disposição: “Vais fazer estes exercícios assim-assim", e lá me indicou uns tantos. Segui-os religiosamente, como quem obedece a um moderno pastor de igreja.

No dia seguinte, com entusiasmo juvenil, voltei a aconselhar-me com ele: “Senhor Jeremias, não acha que preciso de mais peitorais?” Azar o meu. Estava ele num daqueles dias em que se fosse mulher eu diria estar com o “período”. Respondeu-me, com ar desdenhoso: “O senhor precisa é de …TUDO!” Apesar desse “TUDO”, continuei a fazer musculação até hoje, em idade provecta. Do meu modestíssimo currículo desportivo consta o de campeão de Moçambique de Levantamentos Culturistas, andava eu então na casa dos trinta e tal anos.

Moral da história: Cheguei à conclusão de que os atletas mais fortes, com que privei na minha juventude, de entre eles o Hipólito Cruz, campeão nacional de halterofilia e de luta greco-romana, eram pacholas, não se servindo da força física para humilhar, ofender ou bater nos mais fracos, aquilo a que hoje se dá o nome de “bullying”. Eram, isso sim, um exemplo a seguir para não fazermos da fraqueza força tornando-nos nos “valentões” que povoam escolas oficiais actuais em que a lei da selva se fez rainha e senhora!

11 comentários:

joão boaventura disse...

Já que estamos em tempo de desabafos, também vou dizer da minha experiência que terá sido bastante rodada.

Comecei no Secção do Liceu Pedro Nunes (situado num palacete que foi demolido para dar lugar ao Centro Cultural de Belém), depois frequentei
Liceu Passos Manuel
Secção do Passos Manuel (no Largo do Carmo), e acabei no Liceu Gil Vicente.

Em todos eles, excelentes professores, e quanto a duelos e pancadaria, nem por sombra, pelo que concluo que andei em paraísos liceais.

joão boaventura disse...

Quem quiser videos de bullying podem fazê-lo neste
youtube.

ingénuo renitente disse...

Faço notar que bulling existe quer em Escolas Públicas, quer nas Privadas, com graus de sofisticação física e psicologica diversos.

As soluções propostas/indicadas (criar aracaboiço muscular) sendo uma solução, não solucionam o problema de fundo, que é o facto de haver umas criaturas que se arrogam no direito de "xingar" colegas muito para lá do admissível e sem respeitar "o outro".

Mais proprisamente, "o outro" é "xingado" só porque está ali, e não tivesse outra função para lá servir para "ser xingado".

Aliás, no que foi escrito, nada garante que os alvos do "xingaço" não passem a ser outros ...

Resumindo, é pelo facto de se confundir disputas, por vezes violentas, com o amesquinhamento sistemático e contínuo de alguém, que o bulling é o que é, e não tem sido combatido.

E o seu combate envolve os pais (felizmente que já se começam a criticar os pais ausentes da escola, façam os filhos o que fizerem), os colegas que pactuam, quando não apoiam estas atitudes, o facto dos agressores ficarem impunes, visto que quem é obrigado a "sair de cena" é o "alvo", a Polícia, o facto de agressões a mais de não sei quantos metros da Escola, não serem sancionados por esta, (conjunção de esforços Escola & Polícia & Assostência Social é necessária) ...

Temo que esta "Solução pelo Culturismo" com sucesso, junta com o politicamente correcto do eduquês, impeçam um combate a esta práctica abjecta...

Não se esqueçam que os "xingadores de agora" ficaram a gerir a vossa Reforma ....

Carlos Medina Ribeiro disse...

A propósito dos hábitos de disciplina (ou da sua falta) que, possivelmente, já vêm da escola, um compatriota nosso, a residir na Alemanha, enviou-me a lista dos jogadores da Bundesliga castigados com cartões amarelos e vermelhos.
Veja-se, [aqui], como os portugueses Petit e Maniche estão bem classificados...

Rui Baptista disse...

Caro ingénuo renitente:

Tem razão. Casos pontuais não resolvem casos gerais.

O meu post (que estava para ser,inicialmente, um comentário)foi originado pelo comentário de Carlos Medina Ribeiro, e teve para mim o prazer de voltar à minha juventude.

Tem razão, outra vez. O bullying não é específico das escolas oficiais. Existe, também, em colégios. Mas aí o caso gira mais fino: o danoso estatuto do aluno não tem entrada. Há medidas disciplinares para o combater. O "bom selvagem" só o é enquanto o for. Caso contrário passa a ser o mau selvagem, e, como tal, a ser tratado.

Não fosse o receio do perigo nuclear e a humanidade já se teria envolvido numa III Guerra Mundial. Razão tem a a "vox populi": o medo guarda a vinha.Daí, o título do meu post: Para grandes males, grandes remédios. Ou até pequenos remédios.

Nada fazer porque só se pode fazer pouco é pactuar com o "statu quo" actual. Aliás, é pactuar com quem nos quer fazer crer que nada se passa quando muito se passa!O caso do rio Tua, aí está para despertar dolorosamente a consciência dos portugueses.

ingénuo renitente disse...

Caro Rui Baptita,

existe uma coisa chamada "paralelismo Pedagógico", que, se não estiver enganado, impõe às Escolas Privadas que a ele aderem, as regras das Escolas Públicas.

Aliás, os Diplomas e Certidões, em princípio, teem de ser passados pela Escola Pública, "associada" à Privada frequentada, a não ser que esta tenha "Autonomia Administrativa (?)".

Também, por isso, a "brinhante" reforma musical da Drª Lurdes não foi só aplicada nos Conservatórios Nacionais, mas também nos Privados "Paramelizados".

Sendo assim, parece-me que os Privados devem ser sujeitos ao estatuto de paralelismo a que aderiram, e responsabilizados pelo seu cumprimento.

Quanto ao Estatuto do Aluno, já vai sendo tempo de englobar a Família, Escola, Assitência Social e Polícia, com sancionamentos efectivos para quem não cumprir.

Por exemplo, se os Encarregados de Educação convocados pela Escola não aparecessem, tinham passavam a ser convocados pela Polícia ...

Rui Baptista disse...

Caro ingénuo renitente:

Desde já me confesso um peixe fora de água no que tange à legislação (obrigações e deveres) sobre estabelecimentos de ensino intervencionado

Pelo que julgo saber, estes contratos de associação destinavam-se a responder ao "boom" de alunos a que a escola oficial não podia responder em termos de matrículas ou em localidades onde esse ensino não existia (havendo um raio de acção em quilómetros delimitativo relativamente à proximidade das escolas oficiais).Esses contratos de associação obrigavam esses estabelecimentos de ensino privado/oficial ao cumprimento de certas regras estabelecidas para as escolas oficiais.

Hoje em dia, existem muitas escolas oficiais cuja população discente se encontra bastante abaixo das suas capacidades de frequência escolar. Ora, quando eu me refiro ao ensino privado não englobo neste sistema educativo escolas que eu considero uma espécie de Centauro moderno da Mitologia Grega. Ou seja, aquilo que o povo definiria como não sendo carne nem peixe.

Volto ao princípio do meu comentário: “desde já me considero um peixe fora de água no que tange (…)”. Alguém mais habilitado poderá desfazer dúvidas de que a minha única certeza é a minha não referência a estabelecimentos de ensino intervencionado quando me refiro ao ensino privado “versus” ensino público. E mais não posso adiantar…

ingénuo renitente disse...

Caro Rui Baptita,

Compreendo perfeitamente as suas dificuldades na teia legislativa, porque eu só só sei um pouco mais porque me tenho metido e dialogado com gente das Escolas Públicas e Privadas.

É perfeitamente disfuncional entre o que as "pessoas pensam que deve ser feito"
e a realidade legislativa e a sua possível concretização.

O que é certo, é que o Ministério da Educação fez paralelismo com Escolas Privadas, e não me parece que o espaçamento de quilometros seja importante, e que em muito aspectos não se esforça por ver se é cumprido.

Quanto ao resto, seja Pública ou Privada os problemas são os mesmos:

- Associação de Pais vazia;

- Encarregados de Educação ausentes e incontactáveis pela escola;

- Consenhos directivos públicos e privados branqueadores da realidade;

- Programas de ensino, algo surrealistas, veja o que se passa entre as matérias dee Física e Matemática, nos vários níveis estão desfazados, ausência da estrutura do átomo, mas dão a evolução das estrelas, etc;

- ao facto da Escola Pública, na escolaridade obrigatória pelo menos, não poder recusar ninguém, ao contrário das Privadas;

- etc

Não generalizando, mas se querem saber o que se passa nas escolas, participem nos Òrgãos das Escola e de Pais, sem esquecer a Secretaria e Pessoal "dito Menor", e que são essênciais para despistagem do Bulling.

E das dificuldades que uma Escola Pública tem para substituir um Contínuo ....

Rui Baptista disse...

Caro ingénuo renitente:

Por vezes, é preferível passarmos por "ingénuos renitentes" a saber todas as coisas que se passam nos BASTIDORES dos contratos das escolas convencionadas: uma delas, como bem aponta, é o não cumprimento da distâncias entre estas e as escolas ditas oficiais. Porque será?

Haverá um plano para dar cabo das escolas públicas que, tempos houve, foram paradigma de excelência, como o liceu Pedro Nunes, em Lisboa, e o Liceu D.joão III, em Coimbra, por exemplo? Só os crânios que têm estado à frente do chamado Ministério da Educação, nestas últimas décadas, o poderão dizer. Sabem-no com certeza, só duvido que o queiram dizer.

A própria crisma do nome liceu, com tradição no mundo "civilizado", para escola secundária (secundária de quê, se deixou da haver a escola primária?)denuncia um ocultar de consciências incomodadas com o ensino sério de antigamente. No caso do antigo liceu D.João III, de Coimbra, foi-se mais longe: crismou-se o próprio nome para José Falcão: Escola Secundária de José Falcão. Por outro lado, a frequência, nesta escola, de alunos baixou nos últimos anos de alguns milhares de alunos para umas tantas centenas. Será que o decréscimo da natalidade justifica, por si só, este avassalador decréscimo de alunos? Só ingénuos nisso poderão acreditar numa altura que o Pai Natal a descer pela chaminé das suas casas já não convence as próprias criancinhas.

Uma ensino primário, de décadas atrás, que exigia que os alunos que dela saíssem com o respectivo diploma lessem sem gaguejar, escrevessem sem erros, soubessem de gramática para não confundirem o presente do indicativo com o presente do conjuntivo e fossem capazes de resolver problemas da então chamada aritmética que para muitos alunos do actual 9.º ano de escolaridade são como uma espécie de quadratura do círculo mesmo sem a presença do Pacheco Pereira! Mas nada disto interessa. Aí estão as Novas Oportunidades e a Prova de Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos, qual catrapila para terraplenar o caminho tornando-o suave como uma pista de tartan em que qualquer aselha melhora as suas marcas de atletismo.

Finalmente, havendo um ensino secundário, em resguardo do prestígio do antigo ensino superior, não seria preferível crismá-lo de terciário?

Aqui fica um alvitre a quem muito agrada mudar o nome das coisas, como se mudar o nome de apito para trompete (v.g., 1º. ciclo do ensino básico em vez do antigo ensino primário) ele passasse a dar os acordes de Louis Armstrong, em “What A Wondeful World!...

Anónimo disse...

Obrigada por se lembrarem do meu pai Manuel Hipólito ele hoje se fosse vivo fazia 83 anos,foi um campeão até ao fim.M. Manuel

Rui Baptista disse...

Tem razão para ter muito orgulho em seu Pai. Além de campeão de halterofilismo, e destacado praticante de luta greco-romana, era um alma de elevada grandeza moral. Paz à sua alma.

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