terça-feira, 23 de março de 2010

Iogurtes psicopatas

Recentemente recebi este email que alertava para os perigos de tomar ACTIMEL (recentemente, mas também poderia ter sido em 1995 ou em 2020, já que não está datado):
"TODOS OS CUIDADOS SÃO POUCOS QUANDO SE TRATA DA NOSSA SAÚDE!!!!

(Reenviado por uma médica)

Tenho pena que isto não seja mais falado... há pessoas que não sabem mesmo os problemas que podem arranjar com certas coisas que ingerem.

Muito Importante !!!

Convém estarmos avisados de que... Há interesses económicos que põem e dispõem das nossas vidas a seu belo prazer e não param de nos surpreender com as suas artimanhas!

PARA CONHECIMENTO:

ACTIMEL:
Importante!

O ACTIMEL fornece ao organismo uma bactéria chamada L.CASEI. Esta substância é gerada normalmente por 98% dos organismos, mas quando é administrada externamente por um tempo prolongado, o corpo deixa de a fabricar e 'esquece- se' que deve fazê-lo e como fazê-lo, sobretudo em pessoas menores de 14 anos. Na realidade, surgiu como um medicamento para essas poucas pessoas que não a fabricam , mas esse universo era tão pequeno que o medicamento se tornou, não rentável; para o tornar rentável, foi vendida a sua patente a empresas do sector alimentar.

A Secretaria Estado da Saúde (Espanha) obrigou a ACTIMEL (a sereíssima) a indicar na sua publicidade que o produto não deve ser consumido por um tempo prolongado; e cumpriram, no entanto de uma forma tão subtil que nenhum consumidor o percebe ( p.ex. 'desafio actimel: tome durante 14 dias'). S

Se uma mãe decide completar a dieta com ACTIMEL, não recebe nenhum aviso sobre a sua inconveniência e não vê que pode estar a causar um dano importante ao futuro dos seus filhos ou ao seu devido às manipulações publicitarias da multinacional DANONE para incrementar os seus benefícios, sem se importar com a saúde dos consumidores.

Por favor, passe esta mensagem."
Não sou propriamente um grande fã de suplementos alimentares milagrosos, como estes conhecidos iogurtes, que penso que se arrogam de propriedades e benefícios muito longe de estarem provados, tal como aqui escrevi há umas semanas, a propósito de um artigo do Público.

Mas se a publicidade aos iogurtes é de credibilidade duvidosa, esta mensagem ainda é mais. A começar pela linguagem usada, que parece científica mas está cheia de erros. Vou enumerar alguns:
"O ACTIMEL fornece ao organismo uma bactéria chamada L.CASEI. Esta substância é gerada normalmente por 98% dos organismos"
L. casei (abreviatura de Lactobacillus casei) deveria estar em itálico ou sublinhado se tivesse sido escrito por uma pessoa de ciência. "98% dos organismos" é uma afirmação estranha. Que organismos? Todos os que se conhecem? Isto implicaria provavelmente que outras bactérias "geravam" bactérias L. casei, assim como os fungos e as plantas. O autor pretenderia presumivelmente referir-se a "98% dos organismos humanos". A escolha descuidada das palavras é suspeita. Mais suspeita ainda é a afirmação errada de que as bactérias são geradas por outros organismos. As bactérias propagam-se por divisão celular, umas a partir das outras.

E isto é só na primeira frase! Mais para a frente é reforçada a ideia de "organismos" a "fabricar" bactérias. Nem cientistas nem médicos falam assim ou cometem estes erros. Não sou propriamente um apologista de suplementos alimentares milagrosos, mas esta mensagem não tem credibilidade nenhuma. O que também não é surpresa nenhuma, dada a sua origem vagabunda ciber-espacial.

10 comentários:

Anónimo disse...

Já que não se publicou o meu comentário anterior porque feriu susceptibilidades, cá fica uma versão mais cordial:

"deveria esta em itálico ou sublinhado se tivesse sido escrito por uma pessoa de ciência." - isto é falso!

André Silva disse...

Exemplifica-se também o comentário do Sr. Anónimo - ou senhora - como exemplo de comentário sem crédito: afirma ser falsa uma frase mas não explica porquê.
O que o autor queria dizer é simples: a notação científica diz expressamente que nomes espécies têm que ser obrigatoriamente escritos em itálico ou, em alternativa, sob um sublinhado coisa que não aconteceu. Para quem é da ciência, seria algo imperdoável embora para quem dela não é seja apenas cosmético. A mesma coisa se põe para referências a publicações científicas, bem sabemos que dizer Silva, A. (2010). Bla-bla, Público, 2(22), 55-56. é totalmente diferente de uma referência errada com menos 1 ponto final ou vírgula mal colocada. Só como exemplo.

Anónimo disse...

E vem um puto de 21 anos a tentar ensinar-me o que é ser de ciência! Valha-me deus.

É tudo como vocês, sabichões, dizem. É é.

Anónimo disse...

a censura feita nesta caixa de comentários 'works like magic'.

Vamos lá tentar uma última vez, para passar a mensagem

"deveria estar em itálico ou sublinhado se tivesse sido escrito por uma pessoa de ciência."

Esta frase é falsa por duas razões:

A) porque ser de ciência e escrever coisas em itálico é algo uncorrelated; Com a agravante de ser uma mensagem de correio electrónico, e não uma publicação científica;

B) porque eu sou de ciência e não escrevo coisas em itálico.

Ressalva: se ser de ciência é ser um snob que escreve coisas em itálico e faz a citação segundo os canones, então as duas alíneas anteriores não se aplicam.

Deixem-me também aqui discordar: o marçal com o snobismo displicente que demonstra, está longe ser de ciência, tal como eu a entendo, claro.

Ou seja, mandando fora o snobismo bacoco da sua mensagem, o que resta do post? Absolutamente nada, é uma vacuidade. Limite-se a escrever piadolas e deixe assuntos do intelecto para quem, mesmo sendo snob, não se limita a esgrimir argumentos no campo da autoridade snobish, se faz favor.

Luís disse...

Mais uma tentativa. Pode ser que desta feita passe.

Para mim, apenas duas coisas ficaram claras neste post:

1) O David Marçal não sabe o que é uma Psicopatia.
2) O David Marçal ao invés de atacar o conteúdo do email que refere, mostrando por que razão este efeito de hábito não tem fundamento, preferiu perder-se em considerações sobre convenções.

Ou seja, Marçal argumentou de forma completamente aberrante ao que é o "pensar científico".

David Marçal disse...

Caros comentadores anónimos extremamente cordiais e nada snobs,

A primeira ideia científica fundamentalmente errada neste texto é a de que as bactérias são "geradas" ou "fabricadas" por outros organismos (não se sabe bem quais).

O rigor da linguagem é importante em ciência e as convenções formais também são necessárias. Enfatizar a linguagem descuidada da mensagem (não é só um itálico) parece-me absolutamente ajustado.

Discutir uma teoria mirabolante sobre uma eventual habituação do "organismo" ao "L.CASEI" é que é absolutamente desnecessário dada a falsidade dos pressupostos em que assenta, ou seja "organismos" a "fabricar" "L. CASEI".

Luís disse...

Respondeu sem acrescentar uma letra ao que já havia escrito. Cada vez mais acho que este post é mais de "humor" à ciência, do que amor à ciência.

No que me respeita, não sou anónimo e não vejo razão alguma para lhe ser cordial.

Anónimo disse...

marçal, estás a falar a sério? Esse preciosismo semântico é suficiente para descartar a mensagem?

Queres que indique artigos publicados em revistas com peer-review que têm o mesmo problema de preciosismo semântico? Queres? Bora lá.

Vou-me basear no que encontro e que sei serem publicações sérias e com peer-review, porque não sou da área de biologia e portanto não conheço publicações específicas.

1. "to be the decay of marine organisms producing bacteria that, under anaerobic conditions, reduce the natural sulfates to sulfides"

daqui

2. "the affinity of the detector to produce bacteria giving extremely bizarre behavior patterns."

- daqui: "The bacterium as a model neuron", D.E. Koshland Jr., publicado em Trends in Neurosciences

link aqui



3. "to aerated tap water in order to produce bacteria as a food"

daqui


Portanto, em 1. temos organismos marinhos a produzir bactérias? (ai jesus, não pode!) e no 2. temos detectores a produzir bactérias? (ai jesus, não pode!) e no 3. temos água a produzir bactérias? (ai jesus, não pode!)


Provei o meu caso ou não? Espero que apagues este post que é uma vergonha tremenda para a ciência em particular, e para a decência em geral.

Anónimo disse...

Ai meu Deus... vergonha alheia!

Clau disse...

Prezado Anônimo Lamarquista,

Nenhum dos teus links traz o artigo completo, para quem não tenha acesso a esses sites, por isso não li os artigos, só os resumos (abstract). E em nenhum deles, achei os textos que vc transcreveu.

Porém, se eu lesse em algum texto: "marine organisms producing bacteria that, under anaerobic conditions, reduce the natural sulfates to sulfides", isto não significaria que os organismos marinhos estivessem PRODUZINDO bactérias, e sim estaria retratando uma relação interespecífica entre os dois organismos. Afinal, uma espécie criando outra é algo de ficção científica! (Lembre-se, homem-porco não existe! Isso é ficção de tablóides tipo "O Povo". Um humano que tiver relações com porco não gerará descendentes, simplesmente por incompatibilidades genéticas!!)

SIM! Nós humanos e outros seres TEMOS bactérias (inclusive Lactobacillus estão presentes em várias regiões de nossos corpos), mas não somos NÓS que produzimos, elas que se produzem, multiplicam-se sozinhas. Isso se aplica a doenças tb, ninguém cria bactérias patogênicas, elas se desenvolvem sozinhas.

Qto a semântica do texto, o que o autor se referiu foi: se o texto tivesse sido escrito por algum estudioso da área, cientista, médico, enfim, teria algumas regras a se seguir. Isso tira o mérito do texto? Não, alguns jornalistas escrevem artigos científicos em notas de jornais, mas ao menos, se o jornal é dito bom, o jornalista se preocupa em escrever os nomes específicos corretamente - demonstra apenas que a pessoa fez um trabalho minucioso, não foi alguém que sentou, escreveu qualquer coisa e mandou pra net.

Mas não fique triste: continue tomando (ou não) o seu actimel e seja feliz!

Ah, mas uma coisa: A Flora intestinal consegue se recuperar, independente de qualquer "actimel" ou antibiótico que se tome. Afinal, o nosso corpo é um paraíso nutricional para qualquer bacteria! E se não se recuperar, existem medicamentos que permitem que as bactérias voltem a proliferar - e não o corpo humano produzí-las.

Desculpe o texto longo, mas nenhum microbiologista que se preze lê essas coisas e fica calado! :D

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