“Uma livraria é sempre, pelo menos, o espelho das curiosidades de espírito de quem a organiza e dispõe” (Joaquim de Carvalho, Estudos sobre a cultura portuguesa do século XVI, vol. 2, 1948, p.124)
Em 9 de Outubro de 1777, António Ribeiro dos Santos foi nomeado por Carta Régia Rainha D. Maria I bibliotecário da Biblioteca da Universidade de Coimbra, onde era professor desde o seu doutoramento, em 1771:
“Reverendo Bispo de Zenopole, do Meu Conselho, Reformador Reitor da Universidade de Coimbra: EU a RAINHA vos invio muita saudar. Sendo-me prezente a necessidade, que para fomentar, e facilitar os progressos dos Estudos da mesma Universidade, ha de que se faça patente a Biblioteca della; e que nella haja hum Bibliotecario, que a dirija, e a cujo Cargo esteja a boa Conservação, e Custodia della: E sendo outrosim informada em conta vossa da capacidade e prestimo que para o dito Emprego ha no Doutor Antonio Ribeiro dos Santos Collegial do Real Collegio das Ordens Militares: Sou Servida que mandeis pôr patente a referida Biblioteca, para se conseguir com o uzo della o fim a que he destinada: E Hey por bem Nomear para Bibliotecário o sobredito Doutor Antonio Ribeiro dos Santos com o Ordenado de Duzentos mil reis cada anno, que lhe serão pagos aos quarteis pela Folha Literaria com vencimento do primeiro do corrente mez de Outubro, emquanto Eu assim houver por bem, e não mandar o contrario. O que Me pareceu participar vos para que assim o façais executar com os Despachos necessarios: Fazendo registar esta nos Livros da Universidade, e da Junta da Fazenda, a que tocar. Escripta no Palacio de Queluz em nove de Outubro de mil setecentos setenta e sete.Tinha Ribeiro dos Santos então 32 anos, o Rei D. José falecera em Fevereiro desse mesmo ano. Iniciando-se a Viradeira a 13 de Março, com a substituição do Marquês de Pombal e a procura de novos caminhos para o desenvolvimento do país. Na Universidade de Coimbra, contudo, mantinha-se como reitor D. Francisco de Lemos, nomeado em 1772 pelo Marquês.
RAINHA”
No que se refere especificamente à forma como Ribeiro dos Santos pensava a organização da Biblioteca e aos fins que esta devia prosseguir, são de especial relevância três pontos:
1) O reforço da biblioteca como serviço público, aberto a todos os interessados, e patente na qualidade do atendimento prestado aos seus leitores, objecto de particular atenção na Minuta, bem como no estabelecimento de um horário de funcionamento muito alargado, com o cuidado de especificar a necessidade de a Biblioteca estar aberta todos os dias, excepto Dias Santos de Guarda, Sábados de tarde e os dois meses de férias – Agosto e Setembro. De referir também, neste ponto, a sua disposição de actualização permanente da Biblioteca, através da aquisição de obras actuais, portuguesas ou estrangeiras, com especial menção às publicações periódicas, com a existência de um orçamento próprio, gerido directamente pelo Bibliotecário Maior, bem como a necessidade de que a Biblioteca recebesse um exemplar de cada um dos Livros que se imprimirem nestes Reinos – um anúncio antecipado do que viria a ser o Depósito Legal.
2) A importância dada ao saber específico da biblioteconomia revela-se tanto no cuidado e na extensão com que se refere à elaboração de catálogos e sua impressão como na necessidade de organização e classificação de livros e demais objectos, quer ainda na forma como redige as regras a que deve obedecer o concurso para Bibliotecário Maior, onde diz claramente que ”concorrendo algum dos dois Bibliotecários Menores, em que se achem em igual grau as sobreditas qualidades, será preferido a todos os outros concorrentes de qualquer ordem, e graduação, que sejam, posto que não tenha Recebido Grau algum Académico”.
3) Também em reforço deste ponto vem a regra que impede quer o Bibliotecário Maior, quer os Bibliotecários Menores, de servirem Colégio, ou corporação secular ou regular. Ou seja, tinham de se dedicar por inteiro à Biblioteca, de forma a conhecê-la e a desenvolver esse saber específico que se veio a chamar biblioteconomia.
Outro aspecto do pensamento de Ribeiro dos Santos, reforçando o papel e a boa qualidade do serviço público da Biblioteca, prende-se com a sua visão pedagógica e revela-se na forma como pretende integrar nela não apenas os livros, mas todo um conjunto de peças que permitam, a quem as observa e em conjugação com o saber contido nos livros, uma melhor aprendizagem e entendimento do que estuda e investiga. Este ponto vem claramente enquadrado pelo espírito da Reforma Pombalina da Universidade, procurando integrar e dar significado e sentido a um novo conjunto de saberes e de formas de ensinar e aprender.
Do manuscrito de Ribeiro dos Santos Minuta para o Regimento da Livraria da Universidade de Coimbra, elaborado entre 1770 e 1796, quando foi Bibliotecário-Mór (ou Maior) desta Biblioteca, destaca-se a frase:
“que todas as pessoas, que entrarem nela Sejam Recebidos e servidos com muita prontidão com muito decoro, e com todo o agasalho, e cortesia.”
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