Entrevista que dei a Catarina Pires para a rubrica "Todos os nomes" da revista "Notícias Magazine" e que foi publicada no número 929 de 14 de Março, que saiu ontem a acompanhar o "Diário de Notícias" e o "Jornal de Notícias":
Todos os nomes - Carlos Fiolhais
Não sabe em que caldeirão caiu em pequenino, mas deve ter caído em vários: o dos livros, o da curiosidade, o do bom humor, o do optimismo. Só assim se explica que este físico, director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, nos faça perder as noções de tempo e espaço estabelecidas por Einstein, quando nos pomos à conversa com ele.
P- É cientista, director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, contador de histórias, um pouco historiador...
R- Historiador e contador de histórias são coisas diferentes. Historiador não me importava de ser. Contador de histórias? Não invento histórias, quanto muito reconto algumas histórias que me contam.
P- Reconta-as bem, daí chamar-lhe contador de histórias.
R- Mas quem conta um conto acrescenta um ponto e eu tenho sempre esta mania de cientista de não acrescentar muitos pontos. Pelo contrário, um cientista, pela sua preocupação com o rigor, às vezes tem de tirar pontos à história.
P- Mas fazendo tantas coisas ao mesmo tempo, em que caldeirão caiu quando era pequenino?
R- Bem, agora é que me está a contar uma história... Tanto quanto me lembro não caí em nenhum. Os meus pais dizem-me que tive uma infância normal, nasci na Maternidade Alfredo da Costa, onde nasce toda a gente, uma verdadeira fábrica de portugueses, e onde não há caldeirões. A minha infância, foi passada em Lisboa, nos anos cinquenta e sessenta, com uma linda vista para o Tejo, talvez tenha sido esse o caldeirão... Aos sete anos mudei-me para Coimbra, que tem uma linda vista para o Mondego.
P- É um optimista?
R- Sou, militante. Há todas as razões para ser pessimista, logo sou optimista...
P- Mas tem sido difícil manter o optimismo, não?
R- Não é difícil. Quanto pior a situação, mais optimista penso que é necessário ser para se sobreviver, é quase uma decisão de vida. A verdade é que não vale de nada sermos pessimistas: se dizemos que algo vai correr mal, isso ajuda a que corra. De modo que tento contrariar o pessimismo instalado. Temos, em Portugal, uma visão muito escura das coisas e eu gosto de luz. Quando a situação está negra, há muitos sítios onde podemos lançar luz...
P- Também é um crítico e isso é claro nas suas crónicas, reunidas em livros como Curiosidade Apaixonada e A Coisa Mais Preciosa que Temos.
R- Ser crítico é uma maneira de ser optimista. A única forma de inventar um futuro melhor é dizer que não queremos que seja como no passado. Isso vem de outro caldeirão que frequentei, nos quatro anos que passei na Alemanha. A minha condição de estrangeirado levou-me a ter uma consciência bastante crítica em relação a certos aspectos do nosso país. Sei que se pode fazer melhor porque vi fazer melhor e porque fiz melhor noutro lado. Se noutros lados se faz, porque não se faz aqui? Sou crítico quando vejo razões de crítica. Há coisas que me indignam e nos deviam indignar a todos. Se expresso publicamente a minha crítica é para ver mais gente indignada ao meu lado.
P- Um dos maiores alvos da sua crítica é o sistema de ensino português.
R- Ah sim, é o meu alvo preferido.
P- Porquê?
R- Porque é de algum modo a mãe de todos os problemas. Temos uma formação que deixa muito a desejar e não nos prepara devidamente para a vida. E não tem de ser assim. A boa escola é algo que estamos a dever a nós mesmos. Se queremos futuro, temos que apostar na escola, que é a instituição que a humanidade inventou – e já foi há muitos anos – para nos garantir o futuro. Se não temos um futuro melhor é porque não o estamos a promover na escola.
P- O que é que está mal? Está tudo mal?
R- Não, temos bons professores, que fazem, a maioria deles, por cumprir a sua obrigação profissional num ambiente que não é nada fácil. Se me pergunta o que está mal, dou-lhe um exemplo: o Ministério da Educação é – vou usar uma palavra brutal para fazer jus à minha fama de crítico – um monstro. É um aparelho criado pelo Estado, que está por todo o lado em demasia, retirando liberdade aos bons professores. Há regulamentos para tudo e mais alguma coisa, os programas não são bons, os livros têm que se ater aos programas, os horários são o que se sabe, há disciplinas que não são disciplinas nenhumas. Enfim, não tenho dúvidas de que é possível fazer melhor e que isso passa por uma menor intervenção do Estado. Será precisa toda aquela burocracia? Será preciso aquela linguagem em que se exprime o monstro e que eu e outras pessoas designamos por «eduquês»? Não se pode falar claro? A actual ministra domina bem o português, é uma boa escritora, não poderá pôr aquele Ministério a falar claro?
P- O que é que é preciso, então, para melhorar?
R- É preciso que os professores tenham mais poder na escola. Nos últimos anos, assistimos a lutas entre o Ministério e os professores, em que os destroços da batalha são os alunos. O que a ministra está a fazer – e desejo-lhe sorte – é limpar o campo da batalha, o que demora algum tempo. O tempo que se perdeu e que se perde... Não tenho dúvidas de que a nossa escola pode melhorar e isso faz-se pelo exemplo, por procurar e premiar as melhores práticas, por recompensar mais do que punir. É preciso valorizar a criatividade. O que eu gostava de ver era uma escola mais aberta, fora do espartilho do governo. Neste momento, a escola está refém do Ministério da Educação.
P- A máquina ministerial condiciona a criatividade de alunos e de professores?
R- Condiciona a criatividade dos professores, que são a chave do sucesso da escola. Diminuir o papel dos professores foi o pior que se podia ter feito. Portanto, tudo o que possamos fazer para valorizar este papel, para lhes dar importância e autoridade, é útil. Há uma palavra que não se tem usado muito em Portugal e que se devia usar mais (o Ministério da Educação, então, foge dela como o diabo da cruz) que é ensinar. A escola é um sítio onde se ensina. Claro que também é um sítio onde se aprende, mas para aprender é preciso que se ensine. Quase tudo aquilo que sei foi porque alguém me ensinou. A partir de certa altura já fui capaz de aprender por mim próprio, mas devo muito à escola e aos meus professores. Porque é que os jovens de agora não hão-de poder dizer o mesmo? Estamos a desviar-nos do essencial e o essencial é preparar para a vida. Não estaremos a alienar os nossos jovens da capacidade de saber mais, de decidir, que não devia ser apenas de alguns, mas de todos?
P- Esse sistema, tal como o descreveu, é a razão por que Portugal não tem sido um país de ciência?
R- A nossa educação científica é uma área em que podemos progredir. A ciência devia estar presente mais cedo na escola, e não se trata tanto de falar de ciência, mas mais de ver como ela se faz. A ciência devia estar presente no jardim-escola e no ensino básico. A palavra ciência quase não aparece nos programas, aparece uma coisa chamada “estudo do meio”. O que é isso? Um cientista é um "estudioso do meio"? Percebo a ideia de que o meio não é só o meio material, é também o meio social. Muito bem, é evidente que vivemos num meio social, mas antes disso pisamos um planeta que nos puxa para baixo, respiramos ar, bebemos água, e é bom que no básico façamos experiências que nos permitam compreender o que é o planeta, o que é o ar, e o que é a água. A descoberta do mundo pela criança tem de começar por aí. A junta de freguesia e outras construções sociais, por muito importantes que sejam, vêm depois do ar e da água.
P- Apesar de Portugal não ser um país de ciência, está a preparar uma história da ciência em Portugal. O que tem para contar?
R- Nós ainda não temos suficiente ciência em Portugal porque não tivemos escola em quantidade e qualidade suficiente. Mas isto vem de trás, há um lastro. Portugal tem 800 anos de história e tem também 800 anos de dificuldades. Também a nossa ciência tem uma história de dificuldades que me interessa conhecer. Desde quando há cá ciência? Será que há cá ciência desde que há ciência no mundo? A ciência moderna começa com Galileu, comemoram-se agora os 400 anos da publicação de O Mensageiro das Estrelas, em que ele anuncia a descoberta dos primeiros satélites de Júpiter. Chamou-lhes estrelas de Medici, que era o nome do patrão (é sempre bom dar o nome do patrão!). Na época dos Descobrimentos, que foi um pouco antes, Portugal era um país rico, não só em bens materiais, como em bens imateriais, em conhecimento. A nossa história nesse período devia ser mais conhecida. Portugal foi então um entreposto de ciência. As descobertas marítimas só foram possíveis com a ajuda da ciência e da tecnologia.
P- E depois o que aconteceu?
R- Precisamente. Onde é que a nossa ciência, tendo esse começo tão auspicioso, se perdeu? Por que fomos outrora grandes e deixámos de o ser? É um tema que me interessa e que procurarei expor num livrinho que se intitula Breve História da Ciência em Portugal. Por incrível que pareça não há no nosso país nenhuma obra do género. Sobre a decadência, há aquela frase do poeta Carlos Queiroz: «Só fazemos bem Torres de Belém.» Fernando Pessoa também disse algo parecido: «Pertenço àquele género de portugueses que depois de a Índia descoberta ficaram sem trabalho». Somos, portanto, os desempregados dos Descobrimentos. A ciência de algum modo desapareceu quando regressámos da Índia. A nossa história nesta matéria, como noutras, está cheia de avanços e recuos. Por um lado, sempre tivemos pessoas com valor, por outro lado convivemos mal com o valor dessas pessoas. Hoje, penso que há razões para se ser optimista a respeito do futuro da ciência: um jovem cientista pode fazer ciência em Portugal como em qualquer outro sítio do mundo. Espero, por isso, que a história que se escreva daqui por muitos anos seja bem melhor. A história até agora tem alguns sucessos, mas ficámos a dever muito à ciência e é bom que paguemos essa dívida.
P- A história é uma das suas paixões?
R- De algum modo sim, cada vez mais, porque estou aqui na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, que é uma arca de tesouros, um rico legado da história, um sítio onde se preserva a memória. Os livros, os documentos, estão à mão de semear e é uma tentação à qual não consigo resistir a de ver originais com séculos de idade. Não o faço sem uma certa comoção. Por exemplo, falava dos Descobrimentos, temos aqui um dos livros de D. João de Castro e quando o abrimos é como se fizéssemos uma viagem no tempo. Esta Universidade tem tesouros inigualáveis como este.
P- Como foi passar do Centro de Física Computacional, onde trabalhava no maior computador português e com as mais modernas tecnologias, para uma biblioteca quinhentista?
R- O novo e o velho não são incompatíveis. Aliás, as novas tecnologias estão a melhorar as bibliotecas. Tornando-as digitais, abre-as ao mundo, torna-as universalmente acessíveis. Esse tem sido o meu trabalho aqui: casar o novo com o velho. O novo aliás ajuda a preservar o velho: uma vez digitalizados, os documentos escusam de ser tão manipulados. Aqui na Universidade de Coimbra estamos a desenvolver o projecto de uma biblioteca digital e temos já cerca de cinco mil livros e documentos antigos nesse formato. Queremos que a Universidade seja uma antena para o mundo.
P- Este futuro dos livros e das bibliotecas numa plataforma digital pode levar a que as bibliotecas passem a ser uma espécie de museu, com o acesso aos seus conteúdos a ser feito de forma virtual?
R- Esse movimento é imparável, os livros tendem a estar todos online, acessíveis por computador, por telemóvel, etc. A nossa biblioteca, por exemplo, fez um acordo com o Google, que põe os livros que aqui editámos à disposição de todos. Isso é bom, facilita a vida aos leitores. Mas a questão que põe é muito interessante: será que as bibliotecas se vão transformar em museus? Bom, a palavra museu tem aqui uma carga pejorativa que não devia ter. Questiona-se também a continuidade do livro como objecto físico...
P- Exacto.
R- O objecto livro parece-me insubstituível. De facto, na biblioteca de Alexandria não havia livros, havia rolos. A Hipátia guardava rolos, mas a certa altura apareceram livros. Este formato tem séculos de provas dadas, é como a roda, ainda não se inventou nada melhor para a substituir. Estou convencido de que os livros são eternos, assim como as bibliotecas. Não sei muito sobre o futuro, mas sei que as bibliotecas vão lá estar. A Biblioteca Joanina, que tem quase 300 anos, possui uma inscrição latina sobre a porta que diz: “Esta é a coroa que orna a testa da cidade”. Vai continuar a ornar.
P- Considera-se um guardião de livros?
R- Sim, faço as vezes de Hipátia, apesar de ela ser bem mais bonita. Há um relógio de luxo cuja publicidade é qualquer coisa como «nunca é verdadeiramente nosso», no sentido em que o possuímos apenas durante o tempo para o transmitir às próximas gerações. Com os livros antigos acontece a mesma coisa. O meu papel aqui é insignificante à escala do tempo, mas acrescenta algo à minha biografia. Quando me perguntarem o que fiz pela minha cidade, pelo meu país, pela minha civilização, poderei dizer: «guardei livros, se os têm é porque os guardei». O amor aos livros é para mim um leitmotiv. Vivo bem rodeado por eles. Devo ter caído num caldeirão de livros quando era pequenino... John Ruskin, autor inglês do século XIX, dizia que, quando queremos falar com alguém poderoso, esbarramos sempre com as maiores dificuldades, temos de esperar e por vezes fazemo-lo em vão. No entanto, os livros, escritos pelos maiores autores, pessoas mais importantes do que reis, estão nas bibliotecas à nossa espera e é imediato sermos recebidos.
P- Voltando à ciência, de onde na verdade nunca saímos, foi divertido escrever a Física Divertida e a Nova Física Divertida?
R- Sim. A Física trata do conhecimento do Universo e conhecer é divertido. O que fiz foi mostrar, contando histórias, como chegámos ao conhecimento do mundo físico. No liceu, tive uma certa reacção à ciência pelo facto de ela me aparecer já feita, pronta a servir, era só comer. Mas depois, através de leituras que fiz, descobri, com prazer, que a ciência era feita por homens e mulheres que tinham histórias, que eram filhos de alguém e tinham eles próprios filhos, e só não viam telenovelas porque na altura não existiam.
P- Está a querer dizer que os cientistas são pessoas normais?
R- [Ri] Só são extraordinárias no facto de acharem divertido saber mais. O prazer de saber foi a mola que me empurrou para a ciência. O que é isso do átomo, o que há no coração das coisas? E o que é o Universo, como foi o seu início, como será no fim? São perguntas que toda a gente pode fazer e às quais alguns procuram as respostas. É isso que fazem os cientistas, sendo sua obrigação transmitir as respostas. A ciência consiste em acrescentar alguma coisa àquilo que já se sabe. Newton disse, numa imagem muito bonita, que se conseguiu ver mais longe foi porque estava aos ombros de gigantes. Ou seja, sabemos hoje mais porque alguém antes de nós o soube e no-lo transmitiu. Essa grande aventura do conhecimento continua. E quem não se interessa por ela estão a perder uma importante parte da experiência que é estar no mundo.
P- Aquela ideia de que os cientistas estão sempre à procura do erro para o corrigir é interessante. É isso que define um cientista?
R- Sim, de certo modo. Não há muitas profissões em que uma pessoa ande à procura dos erros, seus ou de outros. Reconhecer que errou e emendar o erro é uma das marcas muito profundas da ciência. O pensamento crítico é inerente à ciência. Um cientista que comete um erro grave e não o reconhece deixa de ser cientista. Não há outra profissão em que o indivíduo que deliberadamente engane seja tão penalizado. Dizem-me por vezes e eu gosto de ouvir: «estás sempre a emendar, vê-se mesmo que és cientista». É sinal que tenho emenda...
P- Em ciência, o crivo do certo e do errado é muito apertado?
R- Alguém disse que é preciso ter a cabeça suficientemente aberta para entrarem coisas novas, mas não tão aberta que caiam os miolos. Há coisas que a dada altura parece absurdo deixar entrar, mas que os génios da Física deixaram entrar e hoje são ideias estabelecidas. O caso de Einstein, por exemplo: dizer que a matéria e a energia estão relacionadas, ou que o espaço e o tempo estão ligados entre si pode parecer absurdo, mas é verdade, tanto quanto sabemos. Já passaram mais de cem anos, e o que Einstein disse não foi desmentido por esse verdadeiro crivo que é a realidade. A Natureza é que diz o que está certo e o que está errado.
P- Em ciência, a verdade é sempre temporária?
R- Sim e não há mal nenhum nisso. A verdade descobre-se por aproximações sucessivas. Mas pode ser perigoso afirmar isso assim sem mais porque há coisas que não serão modificadas. Por exemplo, quando lhe digo que o seu corpo é feito de células ou que vivemos num planeta que é a terceira pedra do sistema solar, pode estar certa de que nenhum cientista demonstrará o contrário.
P- Quem são os seus heróis?
R- Einstein com certeza: é alguém que conseguiu chegar à realidade só com o pensamento, uma coisa mesmo espantosa. Como é que pôde imaginar o vasto mundo dentro do cérebro? Em actos mentais que bem se podem dizer heróicos, concebeu modelos da realidade que a experiência veio confirmar. Entre nós, Rómulo de Carvalho foi alguém que me influenciou muito pelas leituras que fiz em jovem. Era o autor de livros – Ciência para Gente Nova – através dos quais percebíamos que a ciência era para nós. Escrevia de uma maneira tão clara que percebíamos tudo. Além disso, era polifacetado. Foi professor, historiador da ciência e da cultura, divulgador científico e poeta. Penso que tudo o que pudermos fazer em sua memória é pouco. Uma das coisas que fiz aqui em Coimbra foi o Centro de Ciência Viva Rómulo de Carvalho, um lugar moderno onde apetece estar para ler livros de ciência. Há livros de divulgação científica dele e de outros autores, livros para jovens e também para crianças. Sim, temos livros infantis de ciência na universidade, porque é de pequenino que se torce o destino.
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2 comentários:
Se não fosse estar preso, a pagar por ele e pelos seus comparsas em liberdade, que belo negócio faria o sucateiro Godinho com a aquisição, em saldo, dos abundantes despojos da batalha referida na entrevista! JCN
Quando Fiolhais refere que
"Há regulamentos para tudo e mais alguma coisa, os programas não são bons, os livros têm que se ater aos programas..."
Significa que o domínio do Ministério é o de tapar a incapacidade de programar multiplicando os segmentos da regulação.
A loquacidade interiorizada na mentalidade dos residentes do "monstro", estampa-se nas leis, nos decretos, nos despachos, nas portarias, nos regulamentos, nas directivas, nas ordens, nos avisos. Domina o normativismo e o legalismo, mais preocupado com o economicismo do que com as configurações dos programas, dos currículos e dos enquadramentos escolares.
Mal comparado o Ministério da Educação, nesta matéria, mimetiza o Ministério da Justiça, construindo um muro entre o Ministério e os actores do campo escolar, um distanciamento monárquico.
Dito de outra maneira, legislar equivale a afastar o processo de tradução ou, como estiliza Habermas, um processo de comunicabilidade. Entre a racionalidade do Ministério e a dos professores há um abismo que não consente qualquer convergência. O primeiro, porque no vértice, longe do terreno, e os segundos, porque na base, serão meros actores sujeitos às ordenações desajustadas.
Considera-se que a configuração pedagógica faz o seu caminho, que o sistema educativo responde às necessidades, que os currículos estão correctos, que toda esta estrutura tem alicerces, que bastará aplicar pequenas operações, algumas rupturas, para que o sistema operativo siga sem falhas.
O sistema operatório utilizado pela anterior Ministra constituiu uma bomba atómica com estragos de tal monta que vai ser muito difícil, não direi, arrumar todas as peças do xadrez, mas voltar atrás e recompor o tecido do sistema escolar tão mal tratado.
Compartilhando o optimismo do Professor Fiolhais, fico expectante sobre o trabalho hercúleo da nova Ministra para ajustar as pedras do edifício, em toda a sua glória e eficiência, e onde ministério e professorado possam traduzir as suas ideias em perfeita e inteligível comunicabilidade.
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