segunda-feira, 8 de março de 2010

UNIVERSO FINITO OU INFINITO: O PARADOXO DE BENTLEY


Do livro "Mundos Paralelos", do físico Machio Kaku, que a Bizâncio vai reeditar em breve, em edição revista, deixamos aqui este pequeno excerto sobre um grande problema da teoria de Newton:

Como os Principia eram um trabalho muito ambicioso, surgiram os primeiros paradoxos intrigantes acerca da construção do Universo. Se o mundo é um palco, qual é o seu tamanho? É infinito ou finito? Esta é uma velha questão; até o filósofo romano Lucrécio se deixou fascinar por ela. «O Universo não é limitado em nenhuma direcção», escreveu.

«Se o fosse, teria necessariamente um limite algures. Mas é evidente que uma coisa não pode ter um limite, a menos que haja alguma coisa fora dela que a limite... E o mesmo acontece em todas as dimensões, deste ou daquele lado, para cima ou para baixo, no Universo não há fim.»

Mas a teoria de Newton também revelou os paradoxos inerentes a qualquer teoria de um Universo finito ou infinito. As questões mais simples levam a um pântano de contradições. Mesmo quando Newton desfrutava de fama devida à publicação dos Principia, descobriu que a sua teoria da gravitação estava irremediavelmente crivada de paradoxos. Em 1692, um clérigo, o Reverendo Richard Bentley escreveu a Newton uma carta muito simples, mas um tanto incómoda. Uma vez que a gravidade era sempre atractiva e nunca repulsiva, escrevia Bentley, isto significava que qualquer conjunto de estrelas entraria naturalmente em colapso sobre si próprio. Se o Universo era finito, então o céu nocturno, em vez de ser eterno e estático, seria cenário de uma incrível mortandade, quando as estrelas colidissem umas com as outras e coalescessem numa superestrela incandescente. Mas Bentley também sublinhou que, se o Universo fosse infinito, então a força exercida em qualquer objecto para o mover para a direita ou para a esquerda, também seria infinita e, por conseguinte, as estrelas seriam feitas em pedaços, em cataclismos de fogo.

À primeira vista, parecia que Bentley tinha derrotado Newton. Ou o Universo era finito (e entrava em colapso numa bola de fogo) ou era infinito (e, nesse caso, todas as estrelas seriam apagadas). Ambas as possibilidades eram desastrosas para a nova teoria proposta por Newton.

Este problema, pela primeira vez na história, revelava os paradoxos subtis mas inerentes a qualquer teoria da gravidade, quando aplicada a todo o Universo. Depois de muito pensar, Newton respondeu que tinha encontrado uma falha no argumento. Preferia um Universo infinito, mas totalmente uniforme. Assim, se uma estrela é arrastada para a direita por um número infinito de estrelas, este impulso é completamente anulado por um impulso igual de outra sequência infinita de estrelas noutra direcção.

Todas as forças se equilibram em todas as direcções, o que cria um Universo estático. Assim, se a gravidade é sempre atractiva, a única solução do paradoxo de Bentley é um Universo uniforme e infinito.

Newton tinha, de facto, encontrado uma falha no argumento de Bentley. Mas Newton era suficientemente inteligente para perceber os pontos fracos da sua própria resposta. Admitiu numa carta que a sua solução, embora tecnicamente correcta, era intrinsecamente instável.

O Universo uniforme mas infinito de Newton era como um castelo de cartas: aparentemente estável, mas sujeito a desabar à mais leve perturbação. Era possível calcular que o mais pequeno movimento numa única estrela desencadearia uma reacção em cadeia e os aglomerados de estrelas começariam imediatamente a entrar em colapso. A resposta de Newton era frágil porque apelava a um «poder divino» que impedisse que o seu castelo de cartas desabasse. «É preciso um milagre contínuo para impedir que o Sol e as estrelas fixas se precipitem em conjunto por causa da gravidade», escreveu.

Para Newton o Universo era como um relógio gigantesco a que Deus deu corda no início do tempo, que tem trabalhado desde sempre, de acordo com as suas três leis do movimento, sem interferência divina. Mas, por vezes, até o próprio Deus tem de intervir e sacudir um pouco o Universo, para que ele não entre em colapso. (Por outras palavras, Deus ocasionalmente tem de intervir para impedir que os cenários do palco da vida colapsem sobre os actores.)

Michio Kaku

3 comentários:

Anónimo disse...

No Principia - definições, Newton afirma explicitamente que o espaço verdadeiro é uniforme e infinito. É um pressuposto metafísico de Newton e não uma consequência da gravitação.

Anónimo disse...

Mundo infinito ou infinitos mundos?! mundos pararelos?!universo(S) ou multiversos?!
Será esta mudança descontinua e de natureza aleatória que é ocasionada pelo processo de observação.

Cumpts,
Madalena

UFO disse...

Contrariamente ao afirmado, aqui e em todo o lado, a solução de Newton não é instável:
Se considerarmos como válido, e tudo aponta para isso mesmo, que a interação gravítica não é propagada com uma velocidade infinita e que a matéria, sob a forma como a vemos agora (átomos), não existe desde sempre (i.e. tem uma certa idade máxima) então :
A teoria cosmológica de Newton é estável.

Pena é que os famosos Machio Kaku e repetidores não vejam o óbvio.
ver review com os erros habituais, por John D. Norton 'The Cosmological Woes of Newtonian Gravitation Theory' (encontra-se na net: http://www2.pitt.edu/~jdnorton/papers/cosmological-woes-HGR4.pdf )
Um dos erros logo à entrada nesse review é a noção de que integrando até o infinito (só seria assim se a matéria existisse desde sempre) o resultado pode ser qualquer um. É invocado um artifício matemático que é resolvido simplesmente com razões de simetria.

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