domingo, 1 de novembro de 2009
Professores em direcções sindicais
“Uma seita ou partido político é apenas um eufemismo elegante para poupar um homem ao vexame de pensar” (Ralph W. Emerson, 1803-1882)
Eis-me em cumprimento da promessa feita a João Filipe de Oliveira por ele ter manifestado a sua discordância sobre uma das questões por mim levantadas no meu post: Um comunicado da Fenprof.
Nesse texto, criticava eu “a situação escandalosa de titulares de cargos sindicais terem chegado ao topo da carreira sem o conveniente exercício docente e respectiva avaliação”. Volto ao assunto unicamente com a intenção de esclarecer possíveis dúvidas dos leitores sobre uma “pseudo-verdade”, na opinião do meu contraditor. Mesmo sabendo que “toda a verdade gera um escândalo” (Marguerite Yourcenar), prestei-me a manifestar publicamente uma opinião pessoal que defendi - e continuo a defender - num tempo em que a mentira corre o risco de se generalizar.
Lamentavelmente, cada vez mais me convenço de que quem escreve o que pensa corre o risco de passar por mentiroso, retrógrado e reaccionário; quem escreve o que lhe manda o partido ou o sindicato é detentor da verdade, progressista e revolucionário. Ora, pactuar com este statu quo implica, de certa forma, a sujeição a um sindicalismo com manifestações ruidosas, e pouco condizentes com a função educativa (embora alguns sindicalistas tenham deixado de ser professores durante mais ou menos tempo) porque acompanhadas de impropérios pouco dignos por maiores que possam ser as razões motivantes.
Para além disso, desconfio de um saber desprovido de experiência, como tal, unicamente baseado em teorias que levam “ sábios” a dizer estarem a par das necessidades das escolas, dos professores e, principalmente, dos alunos. Ou seja, quem não convive no dia-a-dia com aquilo que se passa no duro mister dos professores só estará habilitado a dar palpites, a exemplo dos treinadores de bancada. Exigindo uma solução para o problema, foi-me lançado o seguinte desafio: "Qual é a alternativa?”
Antes de prosseguir entendo conveniente chamar a atenção para as duas alíneas seguintes: a) os cemitérios estão cheios de gente que se acha insubstituível; b) a permanência dilatada de dirigentes sindicais em exclusividade de serviço, sem o desejável arejamento de novas ideias e inovações na acção, conduz, muitas vezes, a uma espécie de desajustamento com as novas realidades do sistema educativo que não parou no tempo, mais ou menos distante, em que exerceram funções magistrais.
Como tal, a alternativa está em não eternizar as pessoas com dispensa total de serviço docente na direcção dos sindicatos num regime democrático em que a própria vigência no cargo mais elevado da hierarquia do Estado – Presidência da República - tem um prazo devidamente limitado no tempo. Num outro exemplo, que se verifica em profissões em que são delegadas atribuições de natureza pública (pelo reconhecimento da responsabilidade e independência determinadas pela assunção da responsabilidade pelos próprios actos), a duração do exercício de bastonário é determinada nos próprios estatutos. Discordarão desta medida em prol do prestígio da profissão docente e dos seus agentes, devidamente titulados como professores, todos aqueles que, por desconhecimento de causa ou com intuitos políticos, pretendam continuar a proletarizar um mister com a enorme responsabilidade e ingente tarefa de preparar a juventude portuguesa para o futuro competitivo e impiedoso da União Europeia e, até, de um mundo globalizado em competição laboral com a China, a Índia e, mais recentemente, o Brasil.
Segundo notícias que circulam com certa insistência, fala-se do nome de Mário Nogueira (na figura), professor do 1.º ciclo do ensino básico e dirigente mais categorizado do maior sindicato de professores, a Fenprof, para substituir Carvalho da Silva (dirigente sindical que “contrapõe a palavra mobilização à palavra confrontação”, como se leu no Público de 31 de Outubro passado, e com um currículo académico invejável: um doutoramento em Sociologia) na direcção da CGTP.
A verificar-se esta ocorrência que ganha crédito com o polémico apoio de Carvalho da Silva a António Costa para a presidência da Câmara Municipal de Lisboa, mesmo que “num acto só seu”, como o dirigente da CGTP fez questão de frisar em entrevista recente à Rádio Renascença, restará aos sindicalizados na Fenprof chorar a perda do seu inspirado e inspirador líder... Aqui fica a dúvida sobre esta passagem de testemunho. A respectiva confirmação, ou não, perspectiva-se no horizonte de um futuro próximo.
Não quero terminar sem reconhecer ao comentário de João Filipe Oliveira o mérito corajoso de ter iniciado uma discussão que muito ganhará em ser alargada. “Alea jacta est”: a decisão será agora atravessar o Rubicão para a margem desta polémica ou permanecer na paz podre da indiferença. Como disse alguém, não fazer é deixar que outros façam por nós!
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8 comentários:
Sou sindicalizado há muitos anos mas não sou sindicalista.
Compreendo perfeitamente o ponto de vista, mas mantenho algumas objecções, que não significam forçosamente que ache bem uma generalizada falta de experiência profissional dos sindicalistas, se ela realmente existir. Mas não tomo a nuvem por Juno.
a) Se é verdade que os titulares de cargos políticos têm limites de mandatos, o mesmo não acontece com os patrões e administradores no sector privado, nem com os funcionários de topo da administração pública. Os ministros passam, mas os dirigentes-funcionários dos ministérios, que tudo controlam, permanecem. Exigir limitação de mandatos para os sindicatos é equivalente a pedir uma diminuição brutal da experiência e subsequente capacidade de negociação dos seus dirigentes. Com sindicalistas inexperientes, as negociações limitar-se-iam a "roubar doces a crianças".
b) No caso das escolas, as alterações que foram ocorrendo não são de todo alheias aos sindicatos. Pelo contrário, uma parte delas foram aprovadas em negociação com os sindicatos, outra parte foram introduzidas apesar dos protestos dos mesmos. E ainda outra parte decorre das alterações sociológicas, e os sindicatos têm dado provas (em congressos, publicações, contactos com os professores, comunicados de imprensa, etc.) que as conhecem bem e reflectem sobre elas.
c) preocupa-me muito mais a dispensa de serviço para "sindicalistas de secretaria" (professores inexperientes em início de carreira que usam os pequenos sindicatos para se livrarem de ficar longe de casa em mobilidade forçada) do que a dispensa de serviço continuada para dirigentes sindicais de nível nacional.
d) em relação às objecções que possa suscitar Mário Nogueira, há que reconhecer que apenas o seu estilo aguerrido foi minimamente eficaz contra um poder pantagurélico como o de Sócrates, Lurdes, Valter e Pedreira. Por isso, gostando mais ou menos do referido estilo, tenho pragmaticamente de louvar a sua intervenção.
Interessante ler aqui este debate sobre os sindicatos de professores em Portugal. Aqui no Rio de Janeiro, o sindicato está "contaminado" se não por politicagens, pelo menos por determinismos partidários, os interessas vão além do de ajudar a classe de professores, as lutas são travadas por aquilo que talvez nem valesse a pena mais lutar, a visão sindical sobre educação é atrasada, sem falar que aqui o Ministério da Educação é que dificulta para termos um processo educativo no país mais consolidado. Grande discussão!
Meu caro Leonardo:
Tenho tido o prazer de saber que post's meus têm tido audição no Brasil. Obrigado, portanto, por mais esta prova de os disparates atravessam o Atlântico de cá para lá e de lá para cá.
Neste caso, numa reciprocidade pouco louvável, ademais num mundo que se tornou numa aldeia global em que os vizinhos falam uns com os outros de porta a porta.
E isto mais se agrava numa língua comum e num passado em que as culturas e os hábitos (bons, maus ou assim-assim) se entrecruzam.
Há um ditado português que bem define esta situação: "Cá e lá, más fadas há"...Chegou este ditado ao Brasil?
Cordialmente
Caro João Filipe de Oliveira:
Obrigado pelo seu comentário até porque "o português gosta de ver um bravo, ou mesmo um louco, ao parapeito da janela", como escreveu Vitorino Nemésio. Entrar em polémica é, sem dúvida, uma prova de bravura.
Para não me alongar demasiado, deter-me-ei apenas nos
pontos que tenho como essenciais do seu comentário:
1. A comparação estabelecida por si entre "os patrões e
administradores do sector privado e os dirigentes-funcionários" (no
caso dos directores-gerais têm o gravame de poderem sair dos seus confortáveis cadeirões com a mudança dos governos) e os sindicalistas docentes que se agarram ao dirigismo como
a lapa ao rochedo em fuga ao desconforto do pobre professor que
saltita de escola em escola até se conseguir (quando consegue) fixar numa, continuando afastado da família e dos
amigos, sofre do vício de poder ser o dirigismo sindical havido como um
emprego (para quem já tem emprego na docência). Mas mesmo os exemplos
por si apresentados na actividade não docente correm o risco de se
tornarem não vitalícios mesmo no Estado face a uma nova realidade que os
deve preparar os respectivos usufrutuários para uma possível mudança de emprego ou mesmo de actividade profissional ao longo da vida.
2. Quanto ao estilo do timoneiro sindical Mário Nogueira, por si
adjectivado de "aguerrido", mas por mim tido por belicoso, não serei se terá trazido mais
vitórias ou derrotas para a luta dos professores.
Seja como for, uma reacção "aguerrida" gera sempre uma contra-reacção bem patente no braço de ferro disputado entre ele e a ministra Maria de Lurdes Rodrigues e seu “staff”. E como diz a sabedoria popular, "quando o mar bate na rocha…”.
E porque vem ao caso, aliás por si trazido à colação, o feitio de Mário Nogueira é bem
diferente do seu par no dirigismo sindical e de partido político,
Carvalho da Silva, que prefere, segundo ele próprio, "a palavra
mobilização à palavra confronto". Dir-me-á, e eu até aceito, que se
trata de uma questão idiossincrática de Mário Nogueira, mas que se
projecta para o dirigismo desportivo como bem documenta uma carta de
um leitor:
“Eu, confesso, dificilmente me reveria num líder da FENPROF que, nascido em 1958 e acabado o curso do Magistério Primário em 1982, tem uma curtíssima actividade docente, uma longuíssima e profissional actividade sindical e político-profissional e na actividade social pública uma intervenção ao nível da formação desportiva que só na última época em que esteve como presidente da Secção de Patinagem da Académica, 2005/2006, teve cinco suspensões por comportamento incorrecto ofensas aos árbitros num total de quase dois meses, e multas em cerca de 500 euros, determinadas pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Patinagem” (“Diário as Beiras”, Luís A. Fonseca e Costa, 11/03/2008).
E quem se reveria, como se lê no início da missiva aqui transcrita, no dirigismo sindical “aguerrido” e ausência de“fair-play” de Mário Nogueira, embora nos tempos que correm o desporto tenha deixado de ser aquela escola de virtudes tão apregoada antigamente e tão maltratada hoje? No mínimo dos mínimos, nem o autor da carta nem eu!
Devo supor, portanto, que não é uma questão de dirigentes sindicais em geral, mas uma questão de "Mário Nogueira" em particular. Porque há outros dirigentes de outros sindicatos com as mesmas condições de carreira, que não parecem suscitar crítica.
Há outros dirigentes sindicais que teriam embarcado facilmente nas ditas "negociações" com o ministério e que teriam acabado com o sindicalismo no mesmo instante, se não fosse a enorme pressão dos professores para que tal não acontecesse.
Sem a acção da Fenprof e em particular dos seus dirigentes, o ensino estaria ainda um bocado mais arrasado, porque nenhum dos absurdos legislativos teria sido travado como foi.
Quando se fala em teimosia, esquece-se que em todas as ditas "negociações" com o Ministério, os princípios do governo nem sequer estavam em cima da mesa das negociações, mesmo se eram totalmente opostos aos princípios dos professores. Como a inútil divisão da carreira, que só veio lançar mau ambiente nas escolas e não resultou em nada de positivo. Sempre foi um ponto intocável, unilateral, do governo. Nunca houve verdadeiramente negociação, porque só era alterável o que o governo decretava previamente como tal.
A opção era capitular ou lutar. Belicoso? Pode ser. Ainda bem que o foi e o é.
O único momento em que eu próprio estive a ponto de entregar o cartão do sindicato (como muitos fizeram, aliás) foi por ocasião do famigerado "Memorando de Entendimento", em que se atingiu o consenso imposto pelo ministério. Na verdade nada se negociou aí de relevante para os professores, porque se aceitou tudo o que de essencial se rejeitava.
Caro João Filipe Oliveira:
O caso não é com o "Mário Nogueira", enquanto líder da Fenprof ou dirigente desportivo. O exemplo colhido em Mário Nogueira refere-se, não só ao Memorando de Entendimento como, outrossim, ao facto de ele ser o dinaussaro do dirigismo sindical docente.
De resto, se se der ao trabalho de me fazer justiça, verá, em post's anteriores (e não tão poucos como isso), a minha frontal discordância com a política docente seguida pela antiga
equipa ministerial que ora cessou actividade.
Se seguirmos o mesmo raciocínio, corremos o risco injusto de poder ser pensado que os professores não estão contra as alterações da carreira docente (sistema de avaliação, divisão da carreira em professores titulares e professores não titulares,e,"the last but not the least", congelamento na progressão na carreira) mas, sim, contra a ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, por pura embirração contra a sua belicosidade que me leva a dizer que Deus os fez a ambos e Deus os juntou aos dois.
Chegou-se ao ponto, em período de tréguas aparentes,de estabelecer confronto entre a sua antipatia e a simpatia de Isabel Alçada. Como se a simpatia, por si só, resolvesse os graves problemas de um ensino caótico.O futuro o dirá!
De resto, temos pontos de contacto nas nossas opiniões, mormente, na assinatura do Memorando de Entendimento que gerou um movimento de protesto com a criação de movimentos independentes e o êxito do blogue do Paulo Guinote, "A ducação do meu umbigo". Os casos aqui exemplificados dizem-nos que nem sempre "é útil balar como os carneiros", como excreveu Eça.
Cordialmente
Errata:Na 4.ª linha do último § Educação; na última linha do mesmo §, escreveu. Obviamente.
sabem onde foram parar outros "altos dirigentes" sindicais da fenprof acérrimos defensores da escola pública? António Teodoro é professor numa universidade privada - creio que a Lusófona e um outro da mesma época, originário de Coimbra, de quem não me lembra o nome, para lá de ex-dirigente da DREC foi - ou ainda é?... - consultor pedagógico da Universidade Vasco da Gama em Coimbra. Chama-os tolos!...
jose costa
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