Em Agosto passado, o Jornal I entrevistou Isabel Festas, especialista em processos cognitivos da leitura. O De Rerum Natura agradece a autorização que nos concedeu para reproduzir o seu depoimento completo, no qual se destacam as interessantes questões da mestria que a actividade ler envolve e o prazer que dela pode decorrer.
- Porque é importante a leitura para as crianças? E para os jovens (até aos 13/14 anos)?
Talvez se deva distinguir dois aspectos, quando se fala na importância da leitura.
Um primeiro aspecto diz respeito ao facto de ela ser um dos pilares de todas as aprendizagens escolares e um dos suportes fundamentais de uma grande parte das actividades profissionais e quotidianas. É preciso ler para estudar todas as áreas académicas, é preciso ler para aprender os requisitos necessários ao exercício de uma profissão, é preciso ler para resolver muitas das tarefas do dia a dia. Ler inclui um outro aspecto, relativo àquilo que se designa o “prazer da leitura”. Citando José Morais, no seu excelente livro A arte de ler: Psicologia cognitiva da leitura, “os prazeres da leitura são múltiplos. Lemos para saber, para compreender, para reflectir. Lemos também pela beleza da linguagem, para nos comovermos, para nos inquietarmos. Lemos para partilhar. Lemos para sonhar e para aprender a sonhar (...)” (p. 12).
Remetendo a leitura para estes dois aspectos fundamentais, e sabendo que é na infância que se aprende e que se começa a construir o gosto e o prazer de ler, facilmente se compreende a razão da importância desta actividade, por parte das crianças. O mesmo se pode dizer dos adolescentes, já que a aprendizagem e o gosto se vão desenvolvendo ao longo desses anos. Penso que devíamos separar estes dois aspectos. Eles são igualmente importantes, mas ambos obedecem a lógicas diferentes. O primeiro, que podemos designar de competência de leitura, exige uma boa escolaridade, uma boa iniciação e aprendizagem da leitura e o trabalho da compreensão leitora. São tarefas que cabem à escola. Actualmente dispomos de um conjunto de saberes e de meios bastante eficazes na prossecução dessas tarefas.
O segundo, relativo ao prazer da leitura, é de outra ordem. Trata-se de algo que não obedece às regras do trabalho escolar, que só pode ser desenvolvido em plena liberdade. Aos pais caberá um papel decisivo na construção do gosto pelos livros.
- A partir de que idade se torna importante que as crianças leiam?
O mais cedo possível. Ler ajuda a consolidar a aprendizagem, a desenvolver a compreensão e a criar o prazer da leitura. Aliás, uma das chaves do sucesso em todas estas áreas é a leitura antes da aprendizagem. A leitura feita pelo adulto, à noite, antes de dormir ou a qualquer hora do dia. Ler uma história à criança que ainda não o sabe fazer vai introduzi-la no mundo dos livros e das possibilidades que eles oferecem, vai suscitar o seu interesse, a sua curiosidade o seu gosto.
- Por que tipo de livros devem começar? E depois: na infância e pré-adolescência?
Não há regras absolutas. Há, felizmente, muita oferta. Temos bons livros infantis e juvenis e, mesmo, outros livros que, não sendo especificamente vocacionados para estas idades, podem ser introduzidos cedo, sobretudo a partir da adolescência. Os textos narrativos, pelas histórias que contam, são uma excelente forma de começar a introduzir a criança no mundo da leitura. Os textos poéticos – lengalengas, trava-línguas, rimas infantis, quadras, sonetos – são também uma escolha muito interessante, para esta fase. A selecção de boas leituras, na infância, vai, certamente, orientar o gosto da criança. Assim, quando esta chega à adolescência terá já algum critério de escolha. Nesta fase, os pais devem estar atentos e encontrar um equilíbrio entre as preferências dos filhos, que devem ser respeitadas, e as obras de reconhecido mérito, ou seja, aquelas escritas pelos bons escritores.
- Os pais devem preocupar-se se os filhos não manifestarem interesse pela leitura? Nesse caso, o que devem os pais fazer? E o que não devem fazer? Existem estratégias para incentivar as crianças a ler? Por exemplo?
O melhor é começar muito cedo. Ler despreocupadamente, para os filhos ainda muito pequenos, é a melhor forma de cultivar o interesse pela leitura. Se falamos em prazer de ler, temos que ter presente que ele é incompatível com obrigatoriedade. Também não se deve confundir com tarefa escolar. É necessário separar estes dois aspectos e trabalhá-los de forma diferente. A mestria na leitura alcança-se com esforço, com um trabalho que é essencialmente escolar. O prazer da leitura conquista-se pela descoberta das suas imensas potencialidades e do impacto pessoal que ela pode ter.
Começar, desde muito cedo, a ler para as crianças é a melhor estratégia para criar nelas o gosto pela leitura. Depois, quando a criança já sabe ler, deve-se deixá-la, à vontade, com os seus livros. Os pais não devem ter a preocupação de avaliar o entendimento que a criança tem do que leu. Como disse, uma coisa é o trabalho escolar e a mestria que se vai alcançando na leitura de palavras e de textos, outra é a leitura das histórias e dos seus livros. Se o primeiro exige uma avaliação, a segunda requer uma liberdade total.
- Há livros que costume recomendar? Quais?
Talvez fosse oportuno recomendar um livro para os pais. Trata-se do clássico e bem conhecido livro de Daniel Pennac Como um romance. Ele pode ajudar muito os pais nesta tarefa de desenvolver, nos seus filhos, o prazer pela leitura.
Para as crianças e adolescentes, como já disse, há muitos e bons livros. Eu recomendo os livros dos bons escritores. São uma garantia do encontro da criança ou do adolescente com o “mistério” da literatura, chave daquilo que podemos considerar o prazer da leitura. A poesia é, também, uma boa recomendação. Existem, actualmente, bons livros de poesia, dedicados à infância. Trata-se de uma forma literária que, contrariamente ao que por vezes se pensa, encontra grande receptividade, por parte das crianças.
Sem mencionar nenhum título, posso referir que há uma lista recomendada pelo Plano Nacional de Leitura que inclui bons livros, para as idades aqui em causa.
- Que livros são desaconselhados?
De uma maneira geral, eu desaconselhava os livros que são resultado de uma manipulação dos originais. Trata-se de versões que pretendem facilitar a leitura, mas que, ao fazê-lo, destituem o livro das suas características literárias, precisamente aquelas que podem levar ao prazer da leitura.
domingo, 1 de novembro de 2009
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