segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Vou-me embora pra Pasárgada

Passam hoje quarenta anos sobre a morte de Manuel Bandeira (1886-1968), o poeta natural de Recife, que dizia ter nascido para a vida em Petrópolis.
Mas foi em Recife, ainda muito criança, que ele descobriu a poesia: "na companhia paterna ia-me eu embebendo dessa ideia que a poesia está em tudo - tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas".

Ouvi o seu Vou-me embora pra Pasárgada, dito pelo próprio, logo de manhã, na rádio, na Antena 2. Aqui o recordo também, por escrito, precedido da nota biográfica dessa mítica Pasárgada, da lavra do poeta e que encontrei num precioso livro que me foi emprestado, que se intitula: Manuel Bandeira: Poesia completa e prosa.

Biografia de Pasárgada

"Mais de vinte anos depois, num momento de profundo cafard e desânimo, saltou-me do subconsciente este grito de evasão: «Vou-me embora pra Pasárgada!» Imediatamente senti que era a célula de um poema. Peguei do lápis e do papel, mas o poema não veio. Não pensei mais nisso. Uns cinco anos mais tarde, o mesmo grito de evasão nas mesmas circunstâncias. Desta vez o poema saiu quase ao correr da pena. Se há belezas em «Vou-me embora pra Pasárgada», elas não passam de acidentes. Não construí o poema; ele construiu-se em mim nos recessos do subconsciente, utilizando as reminiscências da infância – as histórias que Rosa, a minha amaseca mulata, me contava, o sonho jamais realizado de uma bicicleta, etc. O quase inválido que eu era ainda por volta de 1926 imaginava em Pasárgada o exercício de todas as actividades que a doença me impedia: «E como eu farei ginástica… tomarei banhos de mar!» A esse aspecto Pasárgada é «toda a vida que podia ter sido e que não foi»”.

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau de sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

2 comentários:

Ciência Ao Natural disse...

Lindo!
:)
Dá vontade de ir...

Luis Neves disse...

Hoje tenho que vos escrever para dar os Parabéns por este Blog que eu leio todos os dias.
Obrigada Helena Damião por colocares este poema do Manuel Bandeira, é uma bonita recordação que eu tenho, este poema.

50 ANOS DE CIÊNCIA EM PORTUGAL: UM DEPOIMENTO PESSOAL

Meu artigo no último As Artes entre as Letras (no foto minha no Verão de 1975 quando participei no Youth Science Fortnight em Londres, estou...