De facto, Maria Helena Santana já tinha supervisionado as edições críticas de "Textos de Imprensa VI", de Eça de Queiroz, e "O Arco de Sant'Ana" de Almeida Garrett, os dois saídos na Imprensa Nacional, mas este grande volume (569 páginas) é a sua primeira obra própria. Trata-se da tese do doutoramento efectuado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra sob a supervisão da Professora Ofélia Paiva Monteiro.
O subtítulo "A narrativa naturalista e pós-naturalista portuguesa" define melhor o objecto do seu estudo. Tomando como "corpus" a literatura portuguesa daquele tipo entre 1870 e 1910, onde pontificam nomes como Eça de Queirós e Fialho de Almeida, analisa a sua intersecção com a ciência da época, marcada pelas ideias darwinistas e positivistas. Agora que estamos a entrar no ano Darwin este livro é muito útil para ver como as ideias do naturalista inglês foram vistas, entre nós, pelo prisma da literatura.
A introdução deste livro, que está muito bem escrito e que, por isso, apesar da erudição, necessária numa tese de doutoramento, se lê bastante bem, apresenta a "Literatura e ciência ou as duas culturas", nela defendendo o seu ponto de vista sobre a questão levantada por C. P. Snow. É natural que a autora se coloque do lado da literatura, nomeadamente quando escreve:
"Admitindo que a razão dialéctica pertence aos vencedores, dificilmente alguém poderá contestar, como dizíamos, a vitória da cultura científica e a relativa marginalização da cultura literária."Esta e outras afirmações fornecem-nos matéria para pensar... Eu, por exemplo, e aceitando de momento sem discussão conceitos de cultura que são muito discutíveis, penso que a cultura científica está tão marginalizada como a cultura literária. Ou talvez até o esteja mais se atentarmos nos espaços consagrado pelos media aos Prémios Nobel da Ciência e ao Prémio Nobel da Literatura.
No fim dos livros, para algum leitor indeciso perante uma eventual dicotomia entre a ciência e a literatura, a autora faz a apologia da última:
"Nenhuma teoria científica nos fornecerá a chave da natureza humana, como nenhum sistema de pensamento nos dará respostas definitivas sobre a ordem do universo. Mas se da ciência do passado apenas se guarda a história ou o pitoresco, alguma literatura permanece viva e desafiadora. Porque interroga o mundo livremente, a partir de um ponto de vista individual, a verdade estética não tem que submeter-se à verificação, apenas ao julgamento dos seus leitores. O tempo corre a seu favor".Este livro, justamente premiado, é inovador por ser dos poucos que, entre nós, debate o diálogo que, ao longo da nossa história, teve lugar entre as artes e as ciências. É um livro que ajuda a fazer cultura, não importando se é literária ou se é científica. Parabéns Maria Helena!
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