sexta-feira, 10 de outubro de 2008

PORTUGAL AINDA À FRENTE DO JAPÃO


Minha crónica no "Público" de hoje:

Muitos são nomeados, mas poucos são escolhidos. Todos os anos, no início de Outubro, há mais entradas na muito selecta galeria dos Prémios Nobel. Ao contrário do que acontece na Literatura e na Paz, os prémios Nobel na Física e na Química raramente são controversos. Os prémios atribuídos este ano pela Academia Sueca nessas últimas áreas foram, mais uma vez, justíssimos.

Além do mais reparou-se, ainda que apenas parcialmente, uma injustiça histórica relativamente ao Japão. Acontece que o Japão – uma grande potência científico-tecnológica (basta dizer que é, em todo o mundo, um dos países que mais investem em investigação e desenvolvimento e é o país com mais patentes por habitante) – só tinha até há poucos dias doze laureados Nobel, dos quais dois eram na Literatura e um na Paz. Agora tem mais três, dois na Física, Makoto Kobayashi e Toshihide Maskawa, e um na Química, Osamu Shimomuri, este último emigrado para os EUA (sobreviveu ao desastre de Nagasaki). Ou mais quatro, se contarmos o outro Nobel da Física, um japonês naturalizado norte-americano e também a viver nos EUA, Yoichiro Nambu.

Mesmo assim, Portugal, que tem dois Nobel, António Egas Moniz na Medicina (vai fazer 60 anos para o ano) e José Saramago na Literatura (faz agora dez anos), ainda não foi desta vez que se viu ultrapassado pelo Japão. Isto porque uma comparação razoável entre os vários países tem de levar em conta o tamanho das respectivas populações: ora o Japão, com 128 milhões de habitantes, tem só 0,12 prémios por milhão de habitantes, ao passo que nós, com 11 milhões de habitantes, temos 0,18 prémios por milhão de habitante. Além de estarmos à frente do Japão, estamos também à frente da Espanha, que não passa de 0,15 prémios por milhão de habitante (tem cinco Nobel da Literatura e dois da Medicina para uma população que é quatro vezes a nossa), e muito à frente do Brasil, que não tem nenhum Nobel. Se nós temos um défice na classificação dos Nobel por habitante (21º lugar), a Espanha e o Brasil têm défices maiores.

Claro que estas estatísticas valem o que valem. Já alguém disse que há três espécies de mentiras: as mentiras, as grandes mentiras e as estatísticas. Se olharmos para o campeão na tabela de prémios Nobel por habitante, encontramos a diminuta Islândia já que, com 300 000 habitantes, tem um prémio (o desconhecido Halldór Laxness ganhou o Nobel da Literatura em 1955), dando um “ratio” de 3,37. Não temos de ficar impressionados, pois trata-se de uma flutuação estatística (tal com Timor Leste). Mas já nos pode admirar que o país que, de longe, leva a dianteira dos Prémios Nobel em números absolutos, os Estados Unidos, só apareça em 11º lugar, o que se explica pela sua grande dimensão populacional. E isto apesar de ter beneficiado da importante fuga de cérebros depois da Segunda Guerra Mundial, tanto do Japão como da Europa. No “top ten”, encontramos países europeus com uma população inferior à nossa em relação aos quais podíamos e devíamos ser mais competitivos: a Suécia, embora esta possa ser favorecida por jogar em casa, Suíça, Dinamarca, Noruega, Áustria e Irlanda. Há estatísticas verdadeiras!

Se queremos ficar mais competitivos, temos de aumentar a parcela do nosso Produto Interno Bruto (PIB) que dedicamos à investigação científica e ao desenvolvimento tecnológico. A nossa distância em relação ao Japão é abismal, pois esse país gasta 3,1 por cento do seu PIB, que é aliás bem maior do que o nosso, enquanto nós ficamos pelos 0,8 por cento, menos de metade da média europeia (dados de 2005). Se não fizermos nada, em poucos anos o Japão vai ultrapassar-nos no “ranking” dos Nobel por milhão de pessoas. Agora que se vai discutir o Orçamento de Estado, vamos lá a ver se o anunciado aumento orçamental nessa área é significativo. Investir na ciência uma parte maior do nosso PIB é a maneira de subirmos não só no “ranking” dos prémios mas também noutro, que, apesar da temporária excepção japonesa, está com ele correlacionado - o da riqueza das nações.

7 comentários:

adavid disse...

Seria curioso comparar as grandes "aglomerações" mundiais agregando as estatísticas dos países da UE e e fazer a comparação com os EUA, Russia, India, etc.

Onde é que se podem encontrar os dados, Carlos?

João disse...

Não me espanta a irlanda ter um Nobel da literatura apesar de ter uma população pequena. Pelo que sei escrever é o hobby de uma grande parte da população. Como cá o futebol.

Portugal não tem recursos naturais que nos façam a vida facil...

"Se queremos ficar mais competitivos, temos de aumentar a parcela do nosso Produto Interno Bruto (PIB) que dedicamos à investigação científica e ao desenvolvimento tecnológico"

Amen

CdE disse...

As vantagens competitivas nacionais (não comparativas, que já ninguém cai nas teorias ricardianas...) não dependem, de forma alguma, dos recursos naturais. Nem o Japão tem qualquer tipo de recursos naturais que tenham impulsionado o seu desenvolvimento, nem a Suíça, e até nem a Irlanda.

É precisamente a falta de recursos naturais que deverá ser vista como um desafio e um impulso ao desenvolvimento. Foi o que se verificou nalguns dos maiores milagres económicos da História. Incapazes de sustentar a sua dependência energética do exterior, os japoneses viraram-se para o nuclear, assegurando uma das mais eficientes redes energéticas do mundo. Mais recentemente, e confrontados com um possível esgotamento de reservas petrolíferas a médio prazo, os EAU têm vindo a apostar no turismo e numa economia baseada no sector terciário, para colmatar a eventual extinção do outro negro, com enorme sucesso.

alvares disse...

Sinceramente, acho que post é um pouco "vazio"... As estatísticas valem o que valem... Tendo em conta 2 pessoas, uma comeu um frango e a outra não comeu nenhum, em média comeram ambos comeram meio....
Agora a conclusão do último paragráfo, parece-me que tem sido uma falacia dos últimos anos. Cada vez que conheço melhor o "mundo"a investigação nacional e internacional, acho que mais grave em Portugal não a falta de dinheiro mas sim a burocracia e o excesso de preconceitos. A recente crise financeira mostrou que "muito dinheiro" nem sempre é sinal de bons investimentos, basta lembrar os ordenados milionários de gestores que levaram empresas à falência. A investigação nacional sofre do mesmo problema, por muito dinheiro que houvesse, com as actuais chefias o dinheiro iria ser mal gasto e não iria nenhuma mais valia para a investigação nacional.

Graça disse...

Aos dois prémios Nobel portugueses indicados, deverão juntar-se os de Ramos Horta e D. Ximenes Belo dado que, na altura da sua atribuição, Timor era reconhecido pela ONU como um território sob administração portuguesa (tanto assim que na cerimónia esteve presente Jorge Sampaio, o então Presidente da República).

Unknown disse...

A unica área onde os povos entram em igualdade de condições, a literatura, dentre os primeiros 25 laureados, 24 eram Europeus, o 25 sendo norte americano, quebrou o ciclo.

O nobel é um prémio Europeu, não venham com tretas

Mr. Shankly disse...

"temos de aumentar a parcela do nosso Produto Interno Bruto (PIB) que dedicamos à investigação científica e ao desenvolvimento tecnológico."
Porquê esquecer a literatura? E a economia, apesar de não ser um Nobel no verdadeiro sentido do termo?
Se a ideia é subir no ranking, a aposta lógica seria na literatura, onde sempre tivemos alguns "nobelizáveis". Tal como disse o joão acerca de Irlanda, aliás.
"O nobel é um prémio Europeu, não venham com tretas"
E de esquerda, acrescento eu. É inacreditável o esquecimento em relação a Vargas Llosa, por exemplo.

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