quarta-feira, 15 de outubro de 2008

AINDA A IDADE DOS NOBEL


Para que servem os prémios Nobel, perguntava José Vitor Malheiros no seu recente artigo no "Público"? Servem em primeiro lugar para cumprir as inesperadas (a família nem queria acreditar) disposições testamentárias do sueco Alfred Nobel, acima retratado:
"The whole of my remaining realizable estate shall be dealt with in the following way: the capital, invested in safe securities by my executors, shall constitute a fund, the interest on which shall be annually distributed in the form of prizes to those who, during the preceding year, shall have conferred the greatest benefit on mankind. The said interest shall be divided into five equal parts, which shall be apportioned as follows: one part to the person who shall have made the most important discovery or invention within the field of physics; one part to the person who shall have made the most important chemical discovery or improvement (...)."
Em segundo lugar são um símbolo: Os Nobel são prémios de enorme prestígio e garantem aos domínios em causa uma oportunidade mediática. No caso do Nobel da Física, que tem sido dado mais por uma descoberta do que para uma invenção, tal prestígio foi ganho logo desde o início, com a atribuição em 1901 ao descobridor dos raios X, o alemão Wilhelm Roentgen, e mantido ao longo dos mais de cem anos que o prémio já leva.

Não se trata de premiar pelo conjunto da obra, mas sim, como está no testamento, uma descoberta ou invenção. Talvez seja por isso físicos como os americanos John Wheeler e Freeman Dyson não tiveram o prémio. Além da vontade do doador, há uma prática instituída pela Academia Sueca onde se podem descortinar alguns padrões. Assim, o prémio tem vindo a ser dado nos últimos anos a mais do que um indivíduo (há um limite máximo de três), até porque há a tendência crescente de descobertas ou invenções serem feitas em conjunto. E espera-se que uma descoberta teórica tenha sido verificada experimentalmente. Talvez seja por isso que os britânicos Stephen Hawking e Peter Higgs não tenham recebido ainda o prémio. Há um único caso de uma pessoa ter recebido o Nobel da Física duas vezes: foi o americano John Bardeen que o ganhou em 1956 pela invenção do transístor e, muitos anos mais tarde, em 1972, pela descoberta da teoria da supercondutividade, das duas vezes em coautoria.

Em geral, o prémio tem sido incontroverso na Física e na Química (ao contrário da Literatura e na Paz, onde, respectivamente, Churchill e Kissinger receberam prémios), até porque o processo de nomeação é muito rigoroso e participado (todos os anos muitos físicos de todo o mundo são convidados a indicar nomes). Mas há casos famosos de injustiças - como o prémio de 1921 atribuído tarde e a más horas a Einstein não pela teoria da relatividade, mas pela teoria do efeito fotoeléctrico, e o esquecimento de algumas mulheres, como a inglesa Jocelyn Bell Burnell, desde que não partilhou o prémio dado em 1974 ao seu supervisor Antony Hewish pela descoberta dos pulsares e a austríaca Lise Meitner que devia ter recebido o Nobel da Química com o alemão Otto Hahn em 1945 pela cisão do urânio. A propósito, em Física, Química e não só, há muito poucas mulheres premiadas. Na Física só há além da polaco-francesa Madame Curie a alemã Maria Mayer (uma das autoras do modelo em camadas nuclear) e na Química além de Madame Curie, que teve portanto dois Nobel, só há a sua filha Irène Joliot-Curie e a britânica Dorothy Hodgkin.

O prémio da Física (como, em geral, os das ciências), a partir dos anos 50 passou a ser dado mais a norte-americanos, que beneficiaram da "fuga de cérebros", embora nos últimos anos essa tendência tenha diminuído, com várioos europeus a ganhar o prémio (este ano foram três japoneses).

O Prémio da Física é, de todos os Nobel, o que tem sido dado a pessoas mais novas. Na lista das 13 pessoas mais novas que receberam que receberam o prémio (todas com menos de 33 anos) há sete físicos, dos quais cinco estão nos lugares da frente. O recorde da juventude é de Lawrence Bragg, com 25 anos, que recebeu o prémio juntamente com o seu pai por trabalhos com raios X (é curioso este gene do Nobel: há vários casos de pais e filhos Nobel, não só na Quyímica mas também na Física com os Thomson pai e filho e os Bohr pai e filho). Ele é também o mais novo laureado em qualquer área! Tal como disse Hardy para a matemática, a física será um "desporto dos novos"... A idade média dos laureados na Física é de 51 anos, o que contrasta com os 63 da literatura (o mais novo da literatura, o inglês Kipling, tinha 42 anos quando foi premiado). Mas a época dos físicos que receberam o Nobel muito novos ocorreu na primeira metade do século passado. Os "jovens turcos" que criaram a teoria quântica, como o alemão Werner Heisenberg e o inglês Paul Dirac, obtiveram o Nobel aos 31 anos, por descobertas feitas cerca de cinco anos antes, o que é realmente extraordinário... Cada vez mais os Nobel da Física são cientistas muito experientes, para não lhes chamar velhos, havendo até quem diga que a primeira condição para se ter um Nobel da Física é a longevidade: na lista dos 11 mais velhos (todos com mais de 85 anos) de todos os prémios Nobel, só há três Nobel da Física, mas os três são recentes: o recém-premiado Yoichiro Nambu tem 87 anos! Este aumento da idade terá a ver com o aumento da esperança média de vida, com o aumento da actividade científica na meia idade e com o facto de o comité querer ter a certeza que não se engana (há vários casos na Física, como o de Nambu, que tiveram de esperar várias décadas depois de feita a sua descoberta ou invenção até terem o reconhecimento).

Por outro lado, cada vez é mais difícil a escolha por haver muita gente "nobelizável". Cada vez há mais cientistas - hoje há mais cientistas do que em todas as gerações anteriores- e não é fácil comparar o mérito relativo em áreas muito diferentes. A ISI Thomson, que faz e analisa estatísticas de artigos e de citações, todos os anos efectua previsões para as várias áreas científicas, mas na Física não tem acertado muito já que o número de citações não parece ser um bom indicador. Há estudos que mostram que já foi um bom indicador na primeira metade do século XX, quando havia um pico de citações antes do prémio, mas agora já não é assim.

Uma curiosidade: há outros estudos que indicam que o Nobel prolonga a vida já que os laureados têm vivido mais tempo do que aqueles que foram nomeados mas não laureados. Portanto, o Prémio Nobel seria uma espécie de elixir de longa vida. Ora aqui está, depois da da dinamite, outra grande invenção de Alfred Nobel...

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