domingo, 12 de outubro de 2008

UM FÍSICO DAS LUZES E O AZEITE PORTUGUÊS


O italiano João António Dalla Bella (1730 - c. 1823) foi o professor de Pádua que foi contratado pelo Marquês de Pombal para reger a cadeira de Física Experimental na Universidade de Coimbra em 1772 (o seu manual "Physices Elementa" está em forma digital disponível aqui). Mas ele, um espírito das luzes, não se interessou apenas por Física, mas também por assuntos mais prosaicos como o "modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite de Oliveira em Portugal". O editor Arquimedes Livros, antiquário do Chiado, Lisboa, editou há pouco em fac-simile e em tiragem muito limitada (só 80 exemplares) o livro "Memórias e Observações sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite...", publicado originalmente em Lisboa em 1784, pela Oficina da Academia Real das Ciências (com a devida licença da Real Mesa Censória). Poucos anos depois, em 1786, Dalla Bella, publicaria sobre o mesmo assunto a "Memoria sobre a cultura das oliveiras em Portugal".

Dalla Bella (que era um homem prático, como também mostra outro livro, este de 1773, sobre pára-raios também publicado em fac-simile pela Arquimedes) expõe no prefácio qual era a sua motivação para melhorar a qualidade do azeite português. Com palavras duras disse que os portugueses, apesar de terem boas oliveiras, não sabiam fazer azeite. Não só eram preguiçosos como não queriam saber do que antes se sabia. Eis um extracto, onde se actualizou a ortografia, mas se conservou a sintaxe:

"Quantas Artes utilíssimas, por uma humilhante causa se perderão, e quantas outras têm declinado da sua perfeição com gravíssimo dano da felicidade humana?

Entre todos os exemplos, que se podem alegar para prova desta verdade, basta o da manufactura do Azeite de Oliveira em Portugal. Pelo descuido de se não examinarem com diligência os preceitos recolhidos por uma vasta experiência precedente, que deixaram os antigos Gregos e Romanos sobre as regras, que se devem observar na preparação de um tão precioso licor, ela está reduzida neste Reino a um estado tão deplorável, que n
ão só deixa perder uma grande cópia dessa produção interessante, que com grande facilidade se poderia aproveitar, mas reduz o mesmo Azeite a uma qualidade muito inferior à do que se prepara nos climas mais frios, e por consequência menos favoráveis (...)

Mas por uma fatalidade, que nasce da inércia da matéria, observa-se constantemente, que onde a Natureza é liberalíssima na produção de qualquer género necessário
à vida dos homens, satisfeitos eles com a abundância do que naturalmente, e sem trabalhos lhes subministra a terra, ficam pela maior parte indolentes, e preguiçosos, mas não se achando na necessidade de esquadrinhar o melhor modo de o conseguir, e aperfeiçoar: antes pelo contrário inclinados pela sua preguiça a diminuir o trabalho, introduzem, sem reflectir, liberdades e abusos na prática. Pelo que (falando mais particularmente) o Azeite, que poderia ser o mais esquisito, e excelente em Portugal sobre outro qualquer, vem a ser o menos estimável entre todos os Azeites que se produzem na Provença, e em Itália; e isto não sucede por outro motivo, senão porque as regras da boa cultura das Oliveiras, e a maneira de tirar o Azeite, são absolutamente diversas das que usavam os Antigos".

Eu que, sendo físico, pouco sei sobre azeite. Mas sei que a sua qualidade evoluiu muito: em 1889 já ganhou um prémio na Exposição Mundial de Paris. Julgo que o azeite português, graças aos esforços de Dalla Bella e de tantos outros, já é hoje competitivo com o da Provença e da Itália...

2 comentários:

LA disse...

Ainda no outro ano o azeite de Murça ganhou a medalha de ouro num concurso janota dos EUA.
http://www.agencialusa.com.br/index.php?iden=8929
Eu tenho experimentado azeites gregos, espanhóis, e italianos, e sei que os nossos são do melhor, especialmente o caseirinho de Valpaços que tenho em casa, mas há outros também muito bons.
Eu estou convencido que em comeres ninguém nos come, não damos a mínima hipótese seja a quem for, pode vir quem vier!
Temos o melhor mel do mundo, por exemplo.
O famoso presunto de Parma só é famoso porque o presunto do Barroso é tão pouco que só dá para encher a pança aos saloios da região, o de Parma nem aos calcanhares lhe chega, mas nem sonhar.
E nem vamos falar em enchidos e outras coisas. Há uns tempos estive numa feira com enchidos franceses, especialidades especiais, e até tive pena deles, coitaditos, convencidos que sabem alguma coisa de comida, pobres ignorantes.
Os italianos não são muito burros, mas ainda tem muito que aprender para fazer um espargete como se faz em Portugal.
Boas pastagens!

jose reyes disse...

Saloios no Barroso deve ser das coisas mais difíceis de encontrar. A não ser que seja dia de excursão de gentes da região saloia à cata do famoso padre dos bruxos.

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Passaram mil dias - mil dias! - sobre o início de uma das maiores guerras que conferem ao presente esta tonalidade sinistra de que é impossí...