domingo, 12 de outubro de 2008

SARAMAGO E HEISENBERG


















Com a devida vénia, transcrevemos do "Diário de Notícias" de hoje o excerto da crónica de Alberto
Gonçalves com o título que está em cima:

"E o Nobel da Literatura foi para… Jean-Marie Le Clézio. Não conheço, excepto de nome. Mas não me teria custado colher três informações alusivas ao homem e escrever aqui que Le Clézio, presença tão arredia quanto vital nas letras francesas contemporâneas, é um humanista inquieto na geografia e na consciência, cuja consagração tardava. Em princípio, a fraude passaria impune, no sentido de ser improvável que, na volta do e-mail, eu fosse acusado de ignorância acerca da criatura e respectiva obra.

Suspeito, porém, que não haveria impunidade se me dedicasse a comentar os vencedores dos Nobel da Física, Química ou Medicina. De alguma forma, não é suposto interferirmos nos arranjos da ciência com a leveza que emprestamos ao juízo literário. Porquê? Porque é que não temos opinião sobre o que influencia materialmente as nossas vidas e estamos cheios de opiniões sobre o que, na maioria dos casos, nem as toca?

Apetece responder "porque é mais fácil", o que explica tudo menos a origem da facilidade. Há meio século, o cientista e escritor britânico C.P. Snow explicou-a. A tese das "duas culturas", isto é, da absurda (no entender de Snow) separação entre as ciências e as "humanidades", quer no ensino quer na prática, talvez esteja datada e será hoje polémica. Mas o fosso permanece e, a avaliar pelo embaraço com que o cidadão medianamente letrado confessa nunca ter lido o King Lear, as "humanidades" ganharam. Ninguém, ou quase ninguém, finge familiaridade perante o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Frequentemente, até se ignora a evolução científica com uma ponta de orgulho.

É por isso que as televisões correm para as livrarias a inquirir anónimos após o anúncio do Nobel da Literatura e ficam quietinhas aquando dos prémios "técnicos". Seria estranho perguntar a um transeunte o que pensa do desenvolvimento da Proteína Fluorescente Verde (o Nobel da Química deste ano). E seria adequado eu proceder agora a uma exposição detalhada do tema, mas francamente só percebi que os palermas dos suecos se esqueceram outra vez de Philip Roth."

Alberto Gonçalves

4 comentários:

Manuel Silva disse...

Qual a importancia da proteina flurescente verde ou mesmo amarela na minha vida? A melhor literatura pode ser verdadeiramente universal, a proteina amarela nem por isso. Nao vejo onde esta' o problema. Sim o nobel da literatura e' mais importante. Mas verdadeiramente importante e' haver mais leitores em primeiro lugar, e tambe'm mais cultura cientifica por acrescimo. A divulgacao cientifica e' quase sempre aborrecida porque nao consegue evitar ser um produto de segunda. Muitas cientistas desprezam mesmo os colegas que se dedicam a tal coisa. Como convencer os leitores a reciclarem tal lixo?

LA disse...

Eu não sei nada disto mas imagino que para perceber o Maskawa, o gajo que ganhou o nobel da física, seja preciso trabalhar nessa área e gastar muito tempo para entender a tal teoria.
De certeza que haverá mesmo muitos físicos que se calhar nunca tinham ouvido falar do gajo, ou se sabiam que existia teria sido por causa de algum prémio e não por perceberem as suas teorias.
E de certeza que o Maskawa não sabe nada de outras áreas, sei lá, tipo lasers.
Ler o Clézio qualquer um lê, mas há outras coisas que são muito específicas e que demoram anos a aprender.
Já alguém ouviu falar de livros de divulgação literária, tipo divulgação científica? Claro que não, não são precisos.
As coisas são assim e não há volta a dar-lhe, é impossível pôr 1 por cento da população a perceber alguma coisa do que o Maskawa quer dizer.

Filipe Moura disse...

O indivíduo autor deste texto ("senhor" é que ele não é) também comparou Saramago a um "cágado": http://homem-a-dias.blogspot.com/2004_03_01_homem-a-dias_archive.html#108030593350683521

Não creio que se atrevesse a fazer isso a Heisenberg. Nesse aspecto o Heisenberg ficou a ganhar.

lino disse...

Na verdade, é muita falta de gosto. Transcrever um "artigo" de um troglodita como o auto-denominado sociólogo e, ainda por cima, "com a devida vénia"!

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