segunda-feira, 28 de julho de 2008

Aquecimento global


Dos 13 episódios da série Cosmos, o episódio 4, Céu e Inferno, é certamente um dos mais marcantes. Com todo o carisma que o caracterizava, neste episódio Carl Sagan conta-nos como os monges de Cantuária foram testemunhas em 18 de Junho de 1178 de um impacto lunar que alguns cientistas pensam ser o responsável pela cratera Giordano Bruno. Uns séculos mais tarde, em 30 de Junho de 1908, uma explosão abalou a Sibéria, projectando árvores a milhares de quilómetros de distância e produzindo um estrondo que se ouviu em todo o mundo. O incidente deu origem a uma série de especulações, algumas completamente disparatadas como a que pretende que uma nave espacial extraterrestre teria sofrido um acidente nuclear. Carl Sagan examina os testemunhos e conclui que a Terra foi atingida por um pequeno cometa embora alguns investigadores, por exemplo William Napier e Victor Clube, pensem que ambos os fenómenos referidos por Sagan se devem à chuva de meteoritos Beta Taurid uma vez que coincidiram com o pico do fenómeno.

Voltando ao episódio Céu e Inferno, Sagan parte destas catástrofes naturais como ponto de partida para uma viagem até Vénus, explicando que não há evidências que confirmem a hipótese de Immanuel Velikovsky de que Vénus teria sido um cometa gigante. A atmosfera «infernal» de Vénus, com temperaturas dantescas devido ao efeito de estufa, foi utilizada por Sagan para alertar que o destino de Vénus pode ser um alerta para o nosso mundo. Sagan lança, em 1980, um aviso para a necessidade de medidas de protecção do nosso frágil planeta azul.

As alterações climáticas devidas a efeito antropogénico sobre que nos avisava há quase três décadas Carl Sagan estão certamente na ordem do dia mas as «paixões» que geram são por vezes contraproducentes para a necessária consciencialização de um problema muito complexo. O espaço de comentários do De Rerum Natura, muitas vezes inflamado pelo aquecimento global, não é excepção e, como sempre, embora as opiniões se possam dividir sobre a análise dos factos, não há melhor forma de abordar a questão que discuti-la com base nos dados disponíveis.

A Royal Society da Nova Zelândia emitiu recentemente um relatório sobre alterações climáticas, preparado por um painel de peritos em climatologia, que pretende exactamente elucidar a opinião pública esclarecendo as confusões que rodeiam o tema tornando «absolutamente claro quais são as evidências que indicam alterações climáticas e quais as causas antropogénicas (de origem humana) para essas alterações».

O relatório é melhor entendido se lhe juntarmos o gráfico reproduzido acima que discrimina as emissões de gases de efeito de estufa na Nova Zelândia em 2004. O relatório especifica ainda que «As concentrações atmosféricas de CO2, metano e óxido nitroso aumentaram 35%, 150% e 18% respectivamente desde 1750, aproximadamente».

De facto, parece que as atenções se centram apenas no CO2 e se esquecem os outros gases de efeito de estufa (GEEs).Assim, fala-se muito em CO2 e efeito de estufa sem se entender bem que quando se fala em equivalentes de CO2 isso não significa que o dióxido de carbono seja o único gás responsável pelas alterações climáticas. Na realidade, o gás mais importante, responsável por entre 36 a 66% do efeito de estufa, é o vapor de água. Mas muitos outros gases contribuem para reter a radiação infravermelha emitida pela Terra bastando para isso que as suas vibrações sejam activas no IV.

O potencial de aquecimento global - Global warming potential (GWP)- de um GEE é uma medida relativa que compara o gás em questão com a mesma quantidade de dióxido de carbono (cujo potencial é definido como 1). O potencial de aquecimento global tem em conta não só a «eficácia» na absorção de radiação IV de um determinado GEE como o seu tempo de vida na atmosfera. Assim, para efeitos de comparação é necessário indicar qual o intervalo de tempo em questão caso contrário a comparação não faz sentido. Por exemplo, o metano tem um tempo de vida de 12 anos (degradando-se em CO2 e água) pelo que apresenta um GWP a 25 anos de 72, valor que diminui para 25 se o período considerado for um século, o intervalo de tempo normalmente associado aos GWPs. Na tabela seguinte são indicados os gases listados actualmente pelo IPCC como os principais GEEs (embora pareça provável que a lista esteja incompleta...).

Gas
Fórmula
GWP (100 anos)
Dióxido de carbono
CO2

1
Metano
CH4

25
Óxido nitroso
N2O

298
Perfluorocarbonetos
CnF2n+2

7400 a 12200
Hidrofluorocarbonetos
CnHmF(2n+2-m)

120 a 14800
Hexafluoreto de enxofre
SF6

22800
Fonte IPCC, 2007

De acordo com um relatório da FAO de finais de 2006, as emissões provenientes da pecuária geram cerca de 18% mais efeito de estufa que o sector dos transportes, produzindo, na altura, cerca de 65% do N2O e 37% do metano antropogénicos. O N2O é o gás hilariante na base do aviso de Paul Crutzen sobre a possibilidade de os biocombustíveis poderem agravar o efeito de estufa já que o óxido nitroso é formado na degradação bacteriana dos nitratos utilizados como fertilizantes.

Como as Nações Unidas avisaram na altura, é necessário repensar a pecuária (e quiçá o nosso consumo de carne...). De facto, o relatório da FAO indica que cerca de 30% do solo terrestre é usado como pastagem permanente e cerca de 33% das terras aráveis são utilizadas na produção de rações animais. De igual forma, a transformação de florestas em pastagens é uma das principais causas da deflorestação, especialmente na América Latina onde 70% de floresta amazónica foi transformada em pastagens. Por exemplo, cerca de 75% das emissões brasileiras de CO2 são provenientes das queimadas na Amazónia, realizadas principalmente para expandir a fronteira da pecuária (e em menor escala da cultura de soja). Como refere o relatório «O reino do Gado» publicado em Janeiro deste ano pela ONG Friends of the Earth (Amigos da Terra) :

«Quaisquer sejam os fatores de transformação e deslocamento das atividades agrícolas, a mudança no uso do solo na Amazônia é protagonizada pela pecuária. É na pata do boi que repercutem investimentos e alterações no consumo de alimentos ou de energia. (...) O Brasil ainda subestima as dimensões e as dinâmicas deste fenômeno».

Mais recentemente, as declarações de Nicolas Fabres, assessor de agroecologia da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), parecem indicar que pelo menos do Brasil os problemas foram identificados e que se tenta trabalhar uma solução, nomeadamente no que à desertificação diz respeito. De facto, um uso inadequado das pastagens acelerou em muitos locais, não apenas no Brasil, os processos de desertificação.

Mas não é apenas a produção de carne para alimentação que tem um impacto ambiental muito grande, a agricultura é responsável por emissões não despiciendas não só de N2O como de metano, sendo a cultura de arroz uma das principais fontes antropogénicas de metano. Actualmente são libertados entre 300 a 400 mil milhões de toneladas de metano com origem antropogénica que correspondem a uma contribuição para o aquecimento global equivalente a cerca de 1/3 da correspondente ao CO2. Entre 50 a 100 mil milhões de toneladas têm origem no cultivo de arroz.

De acordo com o Center for International Earth Science Information Network (CIESIN), em 2020 serão necessários mais 350 milhões de toneladas de arroz anualmente para alimentar uma população crescente, ou seja, ver-se-à um aumento de mais de 50% da produção actual e, consequentemente, um aumento equivalente nas emissões de metano.

Há cerca de 4 anos, o paleoclimatólogo David Beerling indicou que as temperaturas muito elevadas durante o Eocénico, altura em que o Árctico exibia um clima subtropical, muito parecido com o nosso, tinham pouco a ver com os níveis de CO2 da época, próximos dos actuais. De acordo com o cientista, os culpados pelo aquecimento global de há cinquenta milhões de anos foram o metano, o ozono e o N2O.

Como referiu o autor, «Por isso, mesmo que controlemos o problema do dióxido de carbono, podemos continuar em apuros graças a estes gases, que têm recebido muito menos atenção de políticos e activistas [e eu acrescento da opinião pública]. Essa é a verdadeira lição deste estudo».

No entanto, parece que a lição não foi bem entendida e Beerling repete o aviso no seu livro de 2007, «The Emerald Planet», um aviso que pode vir a demonstrar-se tão presciente como o de Sagan há quasi 30 anos:

«Nós estamos obcecados justamente com o dióxido de carbono mas claramente arriscamos neglicenciar outros perigos».

5 comentários:

Geopor disse...

Apenas uma pequena correcção: em português de Portugal, o nome correcto da Época/Série mencionada é "Eocénico". Poderá descarregar uma tabela com as designações correctas dos tempos geológicos, a partir da actualização de 24 de Abril.2008 do Blogue do Geopor em: http://geopor-pt.blogspot.com/2008/04/geopor-actualizaes-de-24-de-abril.html

Clique em "Quadros de divisões estratigráficas" e obtem um "pdf" todo colorido (que poderá imprimir) com as "gavetinhas" todas do tempo geológico, correctamente designadas em português (de Portugal).

Palmira F. da Silva disse...

Obrigado Geopor pela informação (e pelo pdf, já não é a primeira vez que me baralho com as traduções dos períodos da Terra...)

Nuno Calisto disse...

Curiosa a transcrição das conclusões de David Beerling, à qual dá relevo, e que ignora por completo a contribuição do Sol no clima terrestre. Seria útil a este respeito ter em conta o trabalho de Henrik Svensmark, Físico do Danish National Space Center.
A alegada influência do CO2 e do CO2 antropogénico no clima é assunto muito controverso, principalmente na comunidade Científica enquanto que na opinião pública é quase uma heresia ter opinião não concordante com as teses do IPCC.
Por conveniência, os políticos ignoram estas posições, devido à necessidade de mudança de paradigma energético.
Os média, sempre com editores muito "modernos e humanistas" nestes assuntos lançaram o alarme e a sociedade facilmente foi evangelizada.É argumento de venda para as empresas, que os seus produtos não contribuiam com CO2 para a atmosfera e já é matéria dos currículos escolares por todo o mundo, tudo isto, repito, com profundas divergências na comunidade cientìfica.
Não será abusivo afirmar que tornou-se num assunto cuja lógica de debate, em muitos casos, está ao nível da crença/ideologia, como o "Uma verdade inconveniente" de Al Gore, amiudadamente mostra.

alf disse...

o mais curioso disto é continuar-se a falar do aquecimento global quando já se tornou indiscutível que a temperatura média está a descer. bemm... a pouco e pouco vai-se passando de «aquecimento global» para «alterações climáticas»..

Outra coisa interessante é verificar que muitas das pessoas que falam de aquecimento global e alterações climáticas não são climatologistas, contrariamente ao que se procura dar a entender. Há algum climatologista a escrever posts sobre aquecimento global? Em portugal, conheço dois livros sobre o assunto - um é de um físico nuclear e o outro de um astrofísico.

Posto isto, há toda a vantagem em saber que gases se lançam para a atmosfera e que alterações esta sofre. Não convem é entrar em paranoias como a do CO2, um gás vital para a vida. Tudo o que seja mudar as atenções «assassinas» do CO2 para outro gás é bem vindo...

Como sempre, um post bem construido. Só tenho pena que a Dr. Palmira confie tanto no «mainstream»... mas cada um sabe de si.

Haddammann Verão disse...

Como um coacervado de gente tratada como bicho se estruturará em consonância com a Natureza para de fato cambear (balançar) climaticamente sua interação no Planeta?
A fraqueza de caráter de uma nação se vê estampada na cara insossa dos “representantes” mascarada pelo monstrinho pinoquinho mídia.
Política por definição sumaríssima é um consenso de vontades; sendo a diplomacia uma conciliação de políticas.
Isso não pode ser efetivado por governos minados por religião, porque a religião produz votos alienados e comprados com estelionato psicológico. Aliás, a própria religião já subverte o conceito de /deus/; uma vez que esse conceito originariamente íntimo e pessoal foi montado em formato social para domínio e escravidão, e não foi montado para exercício de ajustes de valores, direitos e pensamentos, o que reflete a prospecção da Justiça.
Religião e liberdade são coisas díspares; e o voto autêntico tem por premissa o direito genuíno do ser livre. E esse direito não se concebe sem o estágio de ponderação consciente do indivíduo, que requer uma digna educação, que exige um direito inalienável de informação honesta.
Portanto, a pantomima em que estamos só nos traz o terror dramático do circo montado com desonestidade e subserviência religiosa, que à frente de um espelho nos envergonharíamos cada vez mais como cidadãos cada vez mais distantes das estaturas de líderes dum Kennedy, dum Juscelino, dum Brizola, dum Castelo Branco, dum Gorbatchev, De Gaule, Diana Spencer ...
Somos os únicos seres que desonram sua própria espécie, usando contra si mesmo o raciocínio natural de todas as formas de vida; e mais que isso: impedimos o exercício e aproveitamento do alcance da consciência para serventia de toda a Sociedade, e damos força aos que usurpam esse nosso máximo valor.
TROCAS meus amigos: a força de sobrevivência (financeira então mais que especificamente) está no poder de troca; um dos genes da Sociedade. Funções compartilhadas geraram o conceito de DINHEIRO; e mérito gerou a noção de equanimidade (inferida subconscientemente na autêntica economia capitalista) na compensação pelo produto (fornecido). Por extensão, a usurpação numa função causa desde danos primários a danos irreparáveis, quanto mais tempo perdurar o equívoco funcional. Daí ... o que temos é o quadro de desacerto social cada vez mais agravado por incompetência, interesses e favores desconexos com o viço da saúde financeira e social inteira. O maior desmanche social é a perda do direito de ser honesto; e o maior suicídio civil é levar uma geração inteira a se dependurar em favores, e dispensar o valor da função por mérito autêntico.

Que a Sociedade vislumbre os passos para a Meritocracia.

Haddammann Veron Sinn-Klyss

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