“...em poucas áreas se mente tanto como
na política educacional e escolar”.
D. Schwanitz, 2004.
Noutro texto afirmei que a facilidade, ou o facilitismo, dos exames nacionais, promovido pelos responsáveis por políticas e medidas educativas, não é um cenário exclusivo do nosso país, estando descrito na literatura internacional. Um leitor lembrou que o assunto deveria ser desenvolvido. “Confesso”, escreveu ele, “que estou farto de ler conversa fiada sobre o assunto e se há trabalhos que identificam e caracterizam o problema, o melhor é ler esses trabalhos e tirar deles conclusões mais precisas.
Acontece que a época do ano lectivo não é propícia a uma revisão desses trabalhos para, com base neles, escrever um texto síntese que já se vai exigindo na reflexão sobre a avaliação externa que se faz no nosso país. Prometendo voltar ao assunto, com outros fundamentos, aqui deixo a observação de D. Schwanitz (2004, 26-28) sobre a situação na Alemanha, que, não sendo igual à nossa, muito tem a ver com ela, particularmente neste momento em que, de modo supeito, as médias dos exames de matemática sobem cerca de 75%, como o Carlos Fiolhais assinalou no texto hoje publicado neste blogue.
“Na Alemanha, as escolas padecem de uma contradição atormentadora: é suposto os alunos aprenderem o mesmo em todo o lado para assegurar que as habilitações escolares – com destaque para as de acesso ao ensino superior – tenham um nível ao menos aproximadamente homogéneo. No entanto, cada estado federal define a sua própria política escolar cujas características dependem respectivamente do partido que o governa (…).
As notas não constituem parâmetros absolutos, mas sim de comparação; tal como o dinheiro, tornam comparável o incomparável (…). No entanto, isso foi escamoteado. As notas foram inflacionadas. Foi como com a inflação do dinheiro: toda a gente tinha a carteira recheada de notas de mil, mas não conseguia comprar nada com elas (…). As notas passaram a estar para a escola como as frases feitas estão para a linguagem: deixaram de ter qualquer significado.
Com isto, nas escolas as normas desmoronaram-se. Para os adolescentes que, por natureza tendem para um pensamento fortemente normativo, tal foi um pretexto para desdenharem da sua escola; não podiam identificar-se com uma instituição destas. O desprezo também tomou conta dos professores, os quais foram entregues a um destino terrível.”
Não se use esta passagem para se relativizar o nosso (in)sucesso em matemática ou noutras áreas disciplinares, mas para se perceber que há países ocidentais onde, apesar da tendência dos mais altos responsáveis pelo ensino para manipular resultados da avaliação externa (e, até, da avaliação interna), existe uma discussão importante na sociedade sobre o assunto. Intelectuais da craveira de Schwanitz envolvem-se nela, denunciando abertamente as estratégias e os resultados da manipulação. Trata-se de um trabalho crítico sistemático que contribui para a verdade sobressair no meio da confusão deliberada dos discursos político-partidários. Este é um trabalho que, com grande urgência, precisa de ser feito em Portugal.
Referência da obra citada:
- Schwanitz, D. (2004). Cultura: Tudo o que é preciso saber. Lisboa: Dom Quixote.
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2 comentários:
Gostei bastante do post. O engraçado nesta situação, é que toda a gente sabe o que se está a passar. Até mesmo o governo, eles sabem bem o que estão a fazer, mas enfim, ninguém quer saber de nada.
Excelente post! O anterior comentário é bem claro quanto à ausência de iniciativa crítica face a estas questões. De resto, em outras áreas de discussão pública, o mesmo parece acontecer. Interrompido talvez por esporádicas intervenções de "especialistas". Comprometidos, todavia.
No seio dos partidos ou fora deles, faltam intervenções, falta discussão frontal. E o seu registo - e divulgação - para que o cidadão comum possa acompanhar. Para que a acção cívica se assuma de modo consciente e verdadeiramente responsável em matérias tão relevantes.
Para começar falta mesmo "o trabalho crítico sistemático"... mas as academias, como exemplo do sufoco em que estamos, não se mostram independentes o suficiente. Comprometidos, assim, estamos todos.
Saudações,
Luís Vilela.
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