Enviada de Roma com data de 1 de Janeiro de 1753, a carta II das “Cartas Italianas” do iluminista “estrangeirado” português Luís António Verney (1713-1792), autor de “O Verdadeiro Método de Estudar” (1746), tem o título de cima. Dirigida a um “Amigo do Coração”, que não se sabe quem é (o embaixador português em Roma?), Verney, em italiano com laivos de latim, criticar o baixo nível cultural dos portugueses, denunciando em particular a falta de progresso no estudo das ciências. Vale a pena ler um pequeno extracto, que espero abra apetite para o resto da edição que acaba de sair na Sílabo editada por Ana Lúcia Curado e Manuel Curado, professores da Universidade do Minho:
“Eu também concedo que os nossos têm um engenho muito belo e facilidade para as ciências, e muitos se aplicam e estudam muito. Concedo mais que muitos têm ânimo flexível para ouvirem as novidades literárias e julgam sem paixão ou preocupação. Que outros amam o bom gosto, etc. Mas tudo isto está muito longe da perfeição que tu lhe atribuis: e tão longe que medeiam muitas léguas. Onde aquela tua proposição, “A nossa nação tem e sempre teve sujeitos de grandes luzes em toda a matéria e que sabem dar às coisas o seu justo valor”, é falsa. E não menos falsa é estoutra: “Temos sujeitos, e não são poucos, que na Poesia, na Retórica e mais Belas Letras, e ainda Ciências, têm todo o bom gosto e aplicação. E aquilo que nos dão os nossos livros, dão os italianos e franceses que nos são bem familiares”. Se eu falasse contigo agora uma tarde nesta cidade, eu te mostraria evidentemente a falsidade desta proposição em todas as suas partes; mas por carta não é tão fácil. Contudo, direi alguma coisa.
Mas primeiro deves-me conceder três coisas sem as quais não me é possível que argumentemos com efeito me bom sucesso e sem dúvidas. 1. Que eu tenho muito mais notícia de livros e dos melhores autores do que tu tens, e talvez nenhum lá tenha. 2. Que ninguém pode julgar se os autores de uma nação são bons ou não sem conhecer perfeitamente o que fazem os autores das outras nações cultas porque da comparação de uns com outros é que se deve inferir se fazem bem ou mal. 3. Que os estudos de Belas Letras e Ciências florescem em grau perfeito nas nações estrangeiras, em “proporção reservada”, quero dizer, uns mais em umas regiões que outras. Se me negas estas três proposições, não estás capaz de argumentar comigo nestes pontos. Se mas concedes, facilmente te convencerei.
Primeiramente essa presunção que vocês lá têm de lerem com toda a familiaridade os autores franceses e italianos é falsa e sem o mínimo fundamento porque os autores que vocês lá conhecem são os dozinais. Os melhores não vão para lá, ou porque muitos são proibidos por alguma razões, ou porque todos os livreiros sabem de certo que lá não se compram, e se não compram os livros bons, como hão-de comprar os que são de língua estrangeira e não comuns? E é tão geral esta opinião entre os estrangeiros que nenhum livreiro se cansa em os mandar para lá, fundados no mau êxito que têm experimentado. E mil vezes tem sucedido que o revisor dominicano retém os livros por lhe parecer que são nocivos. E isto é público cá por fora. Onde neste particular estás totalmente enganado.
Vamos adiante e comecemos pelas Ciências. Que progresso têm feito os nossos (principalmente depois das Academias Régias que abriram os olhos ao mundo) nas Matemáticas? Que obra tem composto que mereça ler-se? Na Filosofia Moderna, que coisa têm feito mais do que ditar uma Filosofia Gassendiana, que traz o Tosca muito esfarrapada e que é a mesma que ensinam os Filipinos neste Reino? Lê as obras do padre João Baptista da Congregação, e verás uma misturada de Gassendiana com Peripatética que merece compaixão. Mostra-me lá os outros que tenham mais notícia senão do sistema de Descartes, ou Gassendi, que já tem ranço. E como poderão esses senhores saber o justo valor a uma obra de Filosofia Moderníssima, que é a Ecléctica, de que eles não têm a mínima ideia? Se a aprovam, é porque ouvem dizer que é boa, mas não porque têm princípios para julgar se o merece”.
- Luís António Verney, “Cartas Italianas”, Edição de Ana Lúcia Curado e Manuel Curado, Edições Sílabo, Lisboa, 2008.
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