O presidente Cavaco Silva promulgou o acordo ortográfico (notícia do Público). Felizmente, tanto no Brasil como em Portugal, é previsível que a generalidade das pessoas não irá adoptar a nova ortografia. Como já referi, há três razões principais contra este acordo ortográfico.
A primeira é que qualquer legislação sobre a ortografia é tão absurda como legislar sobre a gramática ou o léxico. Imaginem o que seria uma besta de um político determinar que palavras são ou não são portuguesas.
A segunda é que este acordo ortográfico em particular é uma mentira política: apresenta-se como unificador da língua portuguesa, mas não o é, pois passamos a escrever de maneira diferente o que antes no Brasil e em Portugal se escrevia igual (os outros países de língua portuguesa sempre seguiram a ortografia e a gramática de Portugal).
A terceira é que a reforma ortográfica proposta é incoerente, introduzindo vez mais elementos ilógicos na língua. Só a título de exemplo: o princípio organizador das mudanças ortográficas é fonético e é por isso que no Brasil se continuaria a escrever "aspecto", porque pronunciam o "c", ao passo que em Portugal as pessoas seriam obrigadas a escrever "aspeto", porque não pronunciam o "c". Esta é a primeira incoerência. Mas, além disso, os brasileiros deveriam passar a escrever "Brasiu" e "Isabeu" em vez de "Brasil" e "Isabel", pois nestas palavras pronunciam o "l" como "u".
Historicamente, as sucessivas reformas ortográficas foram febres centralistas da Europa continental totalitarista, associadas à ideia de que era necessário ser "moderno". Mas podem ser bem feitas ou mal feitas. Os italianos conseguiram reformar bem a sua ortografia e fizeram da língua italiana escrita uma quase perfeita imagem da maneira como falam. Contudo, isso nunca se fez em Portugal, que sempre fez as reformas ortográficas mal, introduzindo tantas excepções e dessintonias entre a pronúncia e a ortografia quantas as que procurava eliminar. A parca capacidade cognitiva dos reformadores fazia-os introduzir distinções ortográficas tolas, como "coser" e "cozer", para distinguir ortograficamente significados diferentes, ao mesmo tempo que se declaravam preocupados com as criancinhas que poderiam ter dificuldades em escrever "philosophia". O resultado que tivemos foi este: ficámos apenas com sucessivas novas ortografias em Portugal, mas nenhuma melhor do que as anteriores, e todas cheias de coisas ilógicas e sem sentido.
Ora, o princípio crucial a ser seguido nestas coisas é o seguinte: se vamos mexer nestas coisas, ou o resultado é perfeito ou quase perfeito, ou mais vale estar quieto. Dado a falta de qualidade gritante dos estudos linguísticos no nosso país, é de esperar que qualquer nova ortografia seja tão idiota como a anterior, mas idiota por idiota, mais vale ficar com o que já temos escrito em milhares de livros que estão nas bibliotecas. Eu gostaria de ler Pessoa tal qual ele escreveu, mas não posso fazer isso sem ir a uma biblioteca especializada. Gostaria de ler Eça tal qual ele escreveu, mas não posso fazer isso. E porquê? Porque umas bestas infinitamente menos interessantes intelectualmente do que Eça ou Pessoa têm o poder, dado pelo estado (palavra que na mentalidade salazarista muita gente escreve com maiúscula majestosa), de me obrigar a ler como eles querem e não como Eça ou Pessoa escreveram. Isto é pura prepotência gratuita, dado que nenhuma genuína melhoria foi introduzida na ortografia. Basta ler as inanidades de Cândido de Figueiredo para se perceber qual era o calibre intelectual dos reformistas do passado, que não destoa do calibre intelectual de tolinhos como o Houaiss ou o Malaca Casteleiro.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Ninguém lhe dá cavaco
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9 comentários:
Costuma o povo dizer na sua sabedoria, dita "parola", o seguinte:
Cada galo em seu poleiro,
Cada macaco em seu galho.
Infelizmente uma certa classe não se consegue enxergar e é absolutamente incapaz de resolver os problemas importantes e inadiáveis da nossa sociedade.
Tendo tal incapacidade nada como criar coisas sem sentido, sem nexo e que não têm qualquer utilidade, na velha manha de "mostrar serviço", como se sem tal aberração fosse impossível à sociedade portuguesa ter hoje o seu jantar ao fim do dia.
Alguns, infelizmente não o terão, mas decerto que não será por causa do acordo.
Mais uma oportunidde perdida pela tal classe que nada sabendo fazer vai empurrando para a frente, com a barriga, os problemas que deviam de ser resolvidos.
o acordo ortográfico é uma coisa asquerosa promulgada por uma classe asquerosa que faz leis asquerosas que não servem para nada.
Qual vai ser o desfecho desta novela?
O acordo cai em saco roto, ninguem o vai cumprir, e se o cumprirem será formalmente como no caso de este ser exigido no sistema de ensino.
Depois de tanta celeuma, de tanto tempo e recursos gastos, impõe-se uma lei que ninguem vai cumprir.
Afinal qual a finalidade disto tudo?
Portugal é o país de faz de conta, onde se legisla sabendo à partida que as leis não vão ser cumpridas.
Que belo serviço público os politicos deste país nos fazem!
Houaiss não foi nenhum tolinho e já é falecido... um pouco de bom senso, algum respeito e, uma pesquisa bibliográfica ajudaria.
Antônio Houaiss (Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1915 — Rio de Janeiro, 7 de março de 1999).
Houaiss era o quinto de sete filhos de um casal de imigrantes libaneses, Habib Assad Houaiss e Malvina Farjalla, radicados no Rio de Janeiro. Com dezesseis anos, começou a lecionar português, atividade que fez durante toda sua vida. Intelectual de destaque, Houaiss foi filólogo, escritor, crítico literário, tradutor e diplomata e Ministro da Cultura.
Ocupou diversos cargos importantes como presidente da Academia Brasileira de Letras, Ministro da Cultura e membro da Academia das Ciências de Lisboa. A revista Veja chegou a defini-lo como o "maior estudioso das palavras da língua portuguesa nos tempos modernos".
Autor de dezenove livros, Houaiss organizou e elaborou as duas enciclopédias mais importantes já feitas no Brasil, a Delta-Larousse e a Mirador Internacional. Publicou dois dicionários bilíngües inglês-português, organizou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Entre seus trabalhos de tradução está o romance Ulisses de James Joyce.
Em 1986, Houaiss iniciou, com o seu co-autor Mauro de Salles Villar, o mais ambicioso projeto de sua vida - o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa -, assumindo o desafio de publicar o mais completo dicionário da nossa língua, só concluído após a sua morte e levado a cabo pelo grupo chefiado por Mauro Villar, hoje reunidos no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, com sede no Rio de Janeiro, e na Sociedade Houaiss Edições Culturais, sediada em Lisboa.
Concordo com quase tudo o que escreve e o quase é preenchido pelo que parece ser uma identificação entre ortografia e trasncrição fonética que não deve ser feita.
Sobre Houaiss, nunca esqueço que propôs a abolição dos acentos da lingua portuugesa para a adaptar aos processadores de texto. Seria, segundo ele, o único modo de a salvar da exclusão informática. Ao contrário, os espanhóis e outros que falam castelhano exigiram de imediato não apenas que todo o software contivesse todos os acentos como proíbiram a venda de teclado sem o ñ. Há quem goste de viver de joelhos e quem prefira viver de pé.
"De fato, este meu ato refere-se à não aceitação deste pato com vista a assassinar a Língua Portuguesa.
Por isso ... por não aceitar este pato ... Também não vou aceitar ir a esse almoço para comer um arroz de pato...
A esta ora está úmido lá fora... por isso, de fato lá terei hoje de vestir um fato..."
http://emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/
Cavaco Silva não “promulgou” o Acordo Ortográfico
Estou para ver se os diplomas que se seguem à entrada em vigor desta coisa passam a ser escritos no DR com a ortografia que eles próprios cozinharam.
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