segunda-feira, 7 de julho de 2008

Exames e mentira política

Quase todos os observadores portugueses parecem convencidos de que os exames nacionais são uma mentira política. Há três tipos de indícios de que os actuais exames são realmente uma mentira política: a obsessão dos altos responsáveis do Ministério da Educação pelo que chamam “sucesso escolar” (que para eles quer dizer apenas “transitar de ano” e não “dominar os conteúdos relevantes”); resultados estatisticamente muito desviantes relativamente a anos anteriores; e perguntas de pacotilha, tão evidentemente fáceis que estudantes médios do 9.º ano respondem correctamente a perguntas de exames do 11.º ano.

O que importa esclarecer é a razão de ser desta mentira política. É importante recordar que os exames são um legado do ex-ministro David Justino, que se bateu corajosamente por eles, contra os técnicos do seu próprio ministério. Surpreendentemente para os actuais dirigentes ministeriais, a sociedade não só acolheu a ideia de David Justino de que era necessário reintroduzir os exames, como condenou a primeira tentativa da actual equipa ministerial para cancelar os exames (acabaram por cancelar apenas um exame, o de filosofia, e por desvalorizar os exames do 9.º ano, atribuindo-lhe um peso irrelevante — o que significa que os alunos podem reprovar nos exames, mas transitar de ano).

Assim, por diferentes razões, a actual equipa ministerial convive mal com os exames; sabe que não pode eliminá-los, mas não quer realmente os exames. Por isso, procura tanto quanto possível retirar aos exames o papel que tanto o ex-ministro David Justino como a sociedade portuguesa querem que os exames tenham: o papel de estimular os professores a dar melhores aulas, e de estimular estudantes e famílias a dar mais atenção e importância ao estudo. Os exames são instrumentos cruciais para estimular a excelência educativa.

As razões que a ministra e os dirigentes do ministério têm contra os exames não coincidem contudo com as razões que os técnicos do ministério também têm contra os exames.

Para a ministra e os dirigentes do ministério, os exames são uma pedra no sapato na mentira política que andam há anos a tentar efectivar: fingir sucesso escolar através de estatísticas fantasiosas, impor o facilitismo para que os estudantes culturalmente mais pobres tenham “sucesso”. (Claro que o resultado disto é a discriminação social, pois são precisamente os estudantes culturalmente mais pobres que precisam de ensino de alta qualidade, e não os outros, que se safam seja o ensino como for.)

Para os técnicos do ministério, contudo, as razões são outras: são puramente ideológicas. Alimentados no leite de teorias pedagógicas cientificamente falsas e baseadas em pura confusão conceptual, estes técnicos querem uma Escola Nova, na qual se brinque todo o tempo, porque pensam que o ensino tradicional é opressor. Estes técnicos não encaram o conhecimento como um fim em si, mas meramente como um instrumento político para mudar a sociedade, transmitindo os ideais sociais que eles decidiram que as crianças e jovens têm de absorver sem pensar muito. A matemática em si, por exemplo, não tem para estes técnicos qualquer valor intrínseco; serve apenas ou para oprimir os estudantes (na escola tradicional) ou para libertar a sociedade (na Escola Nova), transformando-a em instrumento para a construção de uma sociedade nova. Quando se encara a escola deste modo, os exames são uma ameaça constante, porque os partidários da Escola Nova não se atrevem a tornar público o tipo de tolices ideológicas que querem que os estudantes decorem, sabendo que a sociedade não as aprovaria. Mas sem exames, os professores podem ensinar fantasias em vez de química, e ninguém vai saber realmente o que se passa, porque tudo se faz à porta fechada.

Sem esta infeliz coincidência, não seria possível aos dirigentes ministeriais impor a sua mentira política ao país, pois não são eles que controlam directamente o grau de dificuldade dos exames, por exemplo. Também os técnicos ministeriais que supervisionam directamente os exames não poderiam boicotá-los tão abertamente caso os dirigentes ministeriais fossem favoráveis aos exames. Infelizmente, uns e outros podem transformar os exames numa mentira política, porque uns e outros odeiam os exames, por razões diferentes.

8 comentários:

Unknown disse...

Temo que no próximo ano lectivo surja nos alunos a ideia que os exames são fáceis e que não é preciso estudar e que o aproveitamento durante o ano seja mau. Tal situação originará uma elavada pressão dos Encarregados de Educação e dos Directores das escolas para os professores atribuirem classificações mais elevadas.

Anónimo disse...

Concordo icewarm, tem toda a lógica. Os alunos, vão pensar que o facilitismo deste ano, se vai verificar no próximo:

"Porquê de me matar a estudar, se passo na boa no exame?"

Com isto, vamos verificar alunos a entrar nas universidades sem qualquer domínio sobre as matérias. Tem que se ver muito bem o que se anda a fazer por aqui, porque no final, os maiores prejudicados são os alunos. Grande poder, exige grande responsabilidade. Não se pode pôr qualquer grupo de pessoas, a comandar o país.

Rui.

rage disse...

Já há vários anos que assisto à queixa de docentes universitários relativamente à má preparação que os alunos trazem, situação que só posso acreditar que se venha a agravar nestes próximos anos.

Isto tem duas consequências graves. A primeira é que, se a taxa de desistência até em cursos prestigiados é muito mais elevada do que já se pretende, se os alunos entram com uma preparação menor, enfrentarão ainda maiores dificuldades e a consequente desmotivação, aumentando ainda mais a taxa de desistência. Em segundo lugar e, uma vez que as licenciaturas actuais têm a duração curricular de 3 anos (naturalmente proporcionando menos preparação aos licenciados do que as anteriores homólogas de 5 anos curriculares), os alunos que as concluam fá-lo-ão com maior dificuldade e insegurança do que o têm feito até agora.

Armando Quintas disse...

até tremo de pensar que tipo de sociedade nova quer esta gente do ministério da deseducação criar!
Algo à 1984 talvez..
Mindmakers e rage:
O problema é que o ensino superior já está a deixar de ser tampão para essas situações, se continuasse a ser um filtro eficaz, menos mal, mas actualmente, e eu pessoalmente conheco a situação de uma universidade à qual ainda estou ligado, que a exigencia está a baixar tremendamente devido à má preparação dos alunos, consta que agora com bolonha os professores começam a ser avalidados tambem em relação aos chumbos, e se continuarem bastante exigentes parace que a percentagem de chumbos vai aumentar..
Estamos perante problemas mesmo muito graves.

Carlos Albuquerque disse...

Desidério

Em que se baseia para a caracterização que faz dos "técnicos do ministério"?

Desidério Murcho disse...

Caro Carlos

Caracterizo os técnicos do ministério com base nos contactos havidos entre os técnicos do Ministério da Educação e a Sociedade Portuguesa de Filosofia no tempo em que eu estava activamente ligado a esta instituição.

Houve excepções? Sim, há pessoas de muito valor no Ministério da Educação, que têm de lutar contra a própria máquina para tentar fazer alguma coisa de valor. Mas em todos os contactos havidos nunca vi qualquer interesse institucional pelos conceitos de excelência educativa, de rigor científico e adequação didáctica. As ideologias, guerras pessoais e puras tolices estão à frente de tudo.

João disse...

Olhando para o panorama actual e para o produto da formação geral da escola, parece existir um sentimento de que a Escola está ultrapassada, sem orientação, sem identidade definida. Vista por este prisma, a escola não cativa, não entusiasma, não cria a curiosidade pelo saber, não desperta o gosto pelo belo, mas angustia quem lá vive, professores e alunos e desespera alguns pais (poucos infelizmente).
Ao pensarmos a educação como um fenómeno complexo que diz respeito aos diferentes actores económicos e sociais, é desejável a participação responsável dos diversos actores que integram a comunidade educativa, sendo no entanto evidente que estes diferentes grupos de actores têm sistemas de referência e abordagens diferentes.
Todos estamos de acordo (julgo eu), que temos que repensar a escola, transformá-la e adaptá-la de uma forma contínua dado que esta tem um papel, indubitavelmente, importante para a evolução da sociedade cada vez mais complexa e rica em informação. Tudo isto devido à tal “explosão do conhecimento” referido por autores como MacBeath, Schratz, Meuret e Jakobsen (2005). É de extrema importância que os indivíduos se adaptem, através da educação e recorrendo às suas qualificações, elevando e actualizando o seu conhecimento através do sistema formal de educação, no trabalho ou a um nível mais informal (ibidem).
Todas as mudanças são impostas por uma sociedade em constante evolução, que necessita cada vez mais de novos equipamentos, quer a nível tecnológico, quer de indivíduos capazes não só de os desenvolver mas também, de os saber utilizar.
No quadro de crise generalizada em todo o mundo, as atenções voltam-se para o "mundo educativo" como último recurso face aos gravíssimos problemas sociais entre os quais o desemprego é o principal exemplo. A resposta a estes problemas passa por um grande e genuíno investimento no domínio da educação e da formação ao longo da vida, embora esta não seja a varinha mágica capaz de superar todas as deficiências e assimetrias. Este investimento começa na escola (que deve ter uma verdadeira autonomia, recursos materiais e humanos, equipando-se da necessária e indispensável abertura à comunidade, envolvendo todos os agentes sociais) e no professor (redefinindo e valorizando o seu papel, valorizando-se ele próprio, ampliando a sua cultura geral e a actualização constante dos seus conhecimentos técnicos, profissionais e humanos).
Porém, não é com este sentido facilitista, enganador, demagógico, puramente publicitário e eleitoralista que iremos melhorar a Educação e melhorar o país. De facto, estatisticamente e numa visão interior do país ele melhora quase a 100%, visto que os números que passam para a população em geral são francamente superiores. No entanto, resta mostrar a veracidade dos mesmos. E essa, infelizmente, não existe.

www.joaoleal.net

Clairvoyant disse...

Caro Desidério:

Como consequências desta sabotagem sobre o ensino, virá que a seu tempo, quem realmente sabe qualquer coisa terá de ser pago com valores mais elevados e com facilidade encontrará emprego. Pessoalmente, isso pode beneficiar-me, e nem será necessariamente por excelência minha, será por demérito de quem me rodeia.

Do ponto de vista mais egoísta, não tenho por que me queixar. Pessoalmente posso vir a ser beneficiado. Vou para velho, daqui por uns 15 anos no actual estado das coisas já não querem dar-me trabalho. Mas se não tiver de competir com a geração seguinte, estarei safo. O que me preocupa? Se tiver a insanidade de colocar uma criança neste mundo, como se vai safar?

O melhor será não permitir que vá para a escola e ensiná-la em casa, por forma a manter um padrão mínimo de exigência, e talvez assim, o puto consiga safar-se.

Esta nova geração que está a passar pelo sistema de ensino, talvez já tenham algum receio incutido pelos pais, mas sem os horizontes alargados, sentem-se como peixinho na água por terem a vida facilitada agora. Veremos que facilitismos lhes darão quando entrarem no mercado de trabalho a ganhar 450€/mês ou menos. Isto após 12 + 3 anos a consumir recursos aos pais e ao estado, e a perder tempo de praia.

Enfim... vou regressar aos estudos, porque eu, ainda faço parte de uma geração onde aprender é um prazer.

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