Luís António Verney (1713-1792), autor de “O Verdadeiro Método de Estudar” (Nápoles, 1746), nasceu em Lisboa e morreu em Roma. Estudou no Colégio de Santo Antão, em Lisboa (a cargo dos jesuítas), no Colégio da Congregação do Oratório em Lisboa (situado onde hoje fica o Ministério dos Negócios Estrangeiros) e na Universidade de Évora (também dos jesuítas). Formado em Artes em Évora parte para Roma em 1736, onde se vem a doutorar em Teologia e Jurisprudência. Depois de um curto regresso a Portugal e decerto insatisfeito com o ambiente intelectual que aqui se vivia fixa-se definitivamente em Roma, tornando-se um dos nomes cimeros da galeria dos “estrangeirados” do nosso século das luzes. As suas ideias, muito críticas do pensamento jesuítico no qual em larga medida foi educado, contribuíram decerto para as grandes reformas educativas do tempo do Marquês de Pombal.
As suas “Cartas Italianas” não são muito conhecidas e merecem sê-lo mais. Foram transcritas do original manuscrito pelo Professor de Direito da Universidade de Coimbra Luís Cabral de Moncada e publicadas em “Um Iluminista Português do Século XVIII: Luiz António Verney” (Coimbra, Arménio Amado Editor, 1941). A tradução em português veio agora a lume na editora Sílabo com prefácio, tradução e notas de dois professores da Universidade do Minho, Ana Lúcia Curado (especialista em estudos clássicos e editora de “A Antiguidade e Nós. Herança e Identidade Cultural”, 2006) e Manuel Curado (especialista em ciências cognitivas, autor de “Luz Misteriosa: A Consciência no Mundo Físico”, 2007, “O Problema Duro da Consciência”, 2003, e “O Mito da Tradução Automática”, 2000, e editor de “Questões Actuais da Bioética”, 2008, “Porquê Deus se temos Ciência?”, 2008, “Mente, Self e Consciência”, 2007, e “Consciência e Cognição”, 2004). Trata-se de um acontecimento editorial, pois, conforme escrevem os tradutores, logo a abrir o prefácio: “O universo da cultura portuguesa é mais vasto do que o da língua portuguesa. Ao longo dos séculos, muitos autores lusos utilizaram outras línguas para se expressarem”. Como que a dar razão aos tradutores, acaba também de sair, num belo volume da Imprensa da Universidade de Coimbra, a “Metafísica” do mesmo Luís António Verney, com introdução e tradução do latim de Amândio Coxito e com fixação do texto latino por Sebastião Tavares de Pinho e Andria Patrício Seiça (número VI da “Portugaliae Monvmenta Neolatina”).
É um verdadeiro prazer ler as “Cartas Italianas” de Verney, tanto pelo seu conteúdo (que é aliás o mais variado, Verney discorre sobre os mais díspares assuntos) como, ou talvez sobretudo, pelo português escorreito em que estão escritas. Para o leitor confirmar o que acabo de dizer, transcrevo no "post" anterior (aqui) parte da Carta 2, onde Verney faz o “Diagnóstico cultural da vida intelectual dos portugueses”, que não nos é muito favorável. Como dizem os tradutores ainda no prefácio: “Não existem máquinas do tempo para voltar à Lisboa de Setecentos; o melhor que temos para compreender esse período são as descrições dos seus actores maiores”. E Verney é, de facto, mesmo não tendo cá estado muito tempo, um dos nossos actores maiores dessa tão interessante época. Verney, que recebeu ordens presbiterais e chegou a ser arcediago da Igreja de Évora, critica abertamente os autos de fé, então comuns, embora não chegando ao ponto de pedir o fim da Inquisição. É particularmente cáustico para com os jesuítas, incluindo um dos mais avançados, Inácio Monteiro, que tal como Verney emigrou para Itália (mas Ferrara em vez de Roma). Critica o modo de funcionamento da justiça em Portugal, o peso da Igreja Católica no Estado, a violência das praxes académicas, a necessidade de médicos nas zonas pobres do país, etc., assuntos que não terão perdido por completo a actualidade, passados dois séculos e meio.
Só em parte as ideias de Verney tiveram efeito entre nós. O epitáfio que Verney escreveu para si próprio fornece uma explicação teológica: “Deus não quis que eu iluminasse a nossa nação e eu me conformo com a Sua vontade”.
- Luís António Verney, “Cartas Italianas”, Edição de Ana Lúcia Curado e Manuel Curado, Edições Sílabo, Lisboa, 2008.
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