quinta-feira, 24 de julho de 2008

Um cartunista criacionista



“Boneco rebelde”
é o título de um personagem de banda desenhada de 1939, que saiu da pena de um autor português de 17 anos, Sérgio Luiz. Infelizmente este autor pouco tempo teve para mostrar o seu talento pois faleceu passados quatro anos com tuberculose. Em homenagem a ele, “Bonecos rebeldes” é o nome de uma recente editora de banda desenhada, de José Manuel Vilela, que está a publicar esplêndidas edições de clássicos da banda desenhada como o "Tarzan" e o "Príncipe Valente".

Pois foi a “Bonecos Rebeldes” que editou recentemente um moderno clássico da banda desenhada, a “Geração Lasca. 50 anos de tiras” do desenhador norte-americano Johnny Hart (1937-2007). O título original era “Growing old with B.C.”, do nome "B.C." (iniciais de "Before Christ") da série em inglês, que saiu pela primeira vez em 1958, fazendo portanto cinco décadas este ano. Trata-se de uma série de tiras passadas no tempo da pedra lascada (o título português dado pelo tradutor Jorge Lima é particularmente feliz). Nelas há todo um conjunto de personagens originais, embora inspirados em amigos do desenhador (que é também co-autor de “O Feiticeiro de Oz”, uma série medieval em parceria com Brant Parker), que vivem situações de um humor por vezes absurdo que me divertiram imenso nas páginas de “A Capital” quando em Portugal havia esse vespertino. Os bonecos de Hart conheceram um enorme êxito, tendo sido publicados em mais de 1300 jornais de todo o mundo. O autor faleceu subitamente com um ataque cardíaco, a trabalhar na sua mesa de trabalho, quando o original do álbum retrospectivo da sua obra, agora saído em português, estava em produção adiantada. Não admira, por isso, que a família o recorde com saudade em depoimentos publicados no livro. Um neto com jeito para o desenho continua hoje o seu trabalho.

Tal como nos “Flinstones”, que são de 1960, e que a televisão tornou famosos, os bonecos humanos de Hart convivem alegremente com os dinossauros. Quando o cartune “B.C.” surgiu estavam na moda as bandas desenhadas pré-históricas, uma moda que se prolongou com o êxito alcançado junto do grande público e que me levou, nos anos 70, a criar um boneco dinossáurico (“Plunk”) amigo dos humanos que saiu primeiro a “stencil” no jornal dos estudantes do liceu e depois a “offset” no jornal dos estudantes da Faculdade. Apesar de simpatizar com o humor de muitas das tiras pré-históricas de Hart (um humor com certas semelhanças com o dos “Peanuts”, que está a conhecer uma edição sistemática em português) não posso, porém, deixar sem crítica algumas das posições pessoais do autor. Acontece que, numa altura avançada da sua vida e parece que por influência de canais evangélicos por cabo, Johnny Hart se tornou um cristão fundamentalista, o que o levou a defender posições criacionistas. Portanto, a convivência de humanos com dinossauros poderia ser para o autor mais do que um simples recurso humorístico...


Claro que qualquer artista tem direito à sua vida privada e às suas opiniões privadas. Mas o pior é quando põe a sua arte ao serviço da sua ideologia, o que em geral redunda em prejuízo da sua arte: nalguns cartunes do “B.C.” Hart passou definitivamente as marcas quando resolveu afirmar a superioridade do cristianismo em relação ao judaísmo - desenhou um candelabro judaico a transformar-se numa cruz cristã - ou até ridicularizar o islamismo - numa tira a palavra “slam” aparece ao alto e um personagem entra numa casinha de banho identificada por um crescente e diz: “É do meu nariz ou cheira aqui mal?”). Os protestos foram tais que o “Los Angeles Times” se sentiu obrigado a mudar alguns cartunes de Hart para as páginas de religião. A controvérsia marcou os últimos anos da vida de Hard, que tentou sem grande sucesso justificar-se. É caso para dizer: No melhor pano cai a nódoa!

3 comentários:

vieiradospneus disse...

Não reparaste que tanto a Lua como o orifício da entrada da casinha de banho estão desenhados em fase de quarto MINGUANTE.

cmendes disse...

mas o certo é que é o símbolo usado pelo islão (http://www.religionfacts.com/islam/symbols.htm), e chama-se mesmo crescente, embora realmente a lua naquele configuração esteja em quarto minguante. Sempre achei que o famoso "crescente fértil" também tem mais parecenças com um minguante, e isso também sempre me intrigou. Alguém consegue explicar esta discrepância? A palavra crescente é usada genericamente para referir uma lua que não está cheia? Consultei a wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Crescent) mas não encontrei referências a esta "contradição"

animah disse...

sinceramente, convivi muitos anos com cartoons que mostravam essa convivência entre homens e dinossauros e nunca me passou pela cabeça que passasse de mero recurso cómico. Ingenuidade talvez :)
... ou simplesmente porque fui educado fora de qualquer religião e logo não teria preconceitos vinculadores.

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