Em consonância com esta época do ano, no seguinte texto, que antes foi publicado no Diário “As Beiras”, João Boavida sugere-nos mais uma vez a leitura e a viagem. Esta, pela mão daquela, não se concretiza apenas no espaço, mas também na memória...
"Um velho amigo e poeta – Rui Caeiro - enviou-me mais um livrinho, daqueles que não andam aí, em resmas, pelos sucessos do mundo: Pranto por Vila Viçosa.
Rui Caeiro é um poeta e prosador de qualidade, apreciado por uns tantos amigos exigentes. Que toda a vida andou à volta de livros, mas que a partir da reforma começou a colaborar com um entusiasmo adolescente com Victor Silva Tavares, no &etc. Lírico moderado e ácido quanto baste, tem livros de pensamentos, subtis, profundos e desencantados, que nos deixam suspensos de certas ressonâncias, mas nada carteseano, todo intuitivo. Na poesia é dum seco lirismo, que se disfarça, mas de cuja secura não convence porque andam, nas suas poesias, objectos cortantes pelo meio de campos abertos e luminosos ou cheios de papoilas berrantes. Estão a ver o estilo? O livro dos afectos, Sobre a nossa morte, não muito obrigado, Baba de caracol, O toureiro de Deus, Olhar o nada, ver a Deus, O que é isto? , Mis amigos, Sobre Deus, sobre o magno problemas de deus, Gatos e homens, e outros.
Quis agora ajustar contas com a sua terra natal: Vila Viçosa. Daí este “pranto”. E a palavra, só por si, é de morrer, pela beleza naquele título, pela saudade que não se quer dizer, mas se diz ainda mais, Se tudo aquilo de que se fala está já morto, que mais há a fazer que prantear? O que se pode fazer em relação à terra natal, a partir de certa idade, sobretudo se a vemos de longe através das memórias? Com o tempo a gente tem que acertar contas, bem o percebo. E a realidade de uma povoação, a da nossa infância, que estava no centro do mundo, que era o próprio mundo e, nesse sentido, não podia ser mais bela nem mais perfeita nem estar melhor situada; e tanto que nos parecia até não poder ter sido feita de outra maneira, de tal modo as coisas estavam dispostas e colocadas e dependentes umas das outras.
Terras da nossa infância, onde há outras assim? Aldeias encastoadas nas serras de Portugal; vilas, umas mais airosas a brancas, adormecendo ao sol do Sul, outras mais toscas a desembaraçar-se a custo dos cabeços; bairros, largos das cidades, onde crescemos, ficam, para o resto da vida, como os lugares que não podiam ser de outro modo. Os lugares únicos, os sítios insubstituíveis.
E onde as pessoas, aquelas pessoas que lá viviam, com as suas caras, os seus tiques, os modos como andavam e falavam, as suas demências, às vezes, estavam de tal modo ligadas às coisas que não eram possíveis noutros lugares. E se acaso, por uma estranha ocorrência, um dia as víamos noutro sítio, ou desempenhando funções diferentes, não as reconhecíamos, ou sentíamos que havia ali um profundo engano. E que era preciso emendar rapidamente, pois as próprias pessoas pareciam outras, embora na mesma pele, eram e não eram e isso não soava bem.
Enfim, já se sabia, fomos feitos também à imagem dos sítios, (casas, ruas, largos, sons de sinos, jogos, gritos e correrias) e que dessa ligação profunda não nos podemos libertar porque seria ficarmos sem rosto, sem alma e sem organização mental."
terça-feira, 22 de julho de 2008
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1 comentário:
Oiiii
Eu gostaria de saber como vc colocou essas estrelinha para avaliar o seu texto?
bjs xau ^ ^
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